Sergio Rodrigues deixa um legado que ilumina o futuro

Morreu nessa segunda-feira, 1, às 6 horas da manhã, em sua casa no Rio, o arquiteto e designer Sergio Rodrigues, aos 86 anos, de complicações causadas por um câncer na próstata. Seu corpo será cremado nesta quarta-feira, 3, no Cemitério Memorial do Carmo, também no Rio de Janeiro.

“Partiu com muito humor, brincadeiras e leveza, como era seu temperamento”, disse Renata Aragão, diretora do Instituto Sergio Rodrigues, que cuida da obra do artista. “Ele sempre foi muito bem-humorado em todas as situações, e permaneceu criando até o último momento.”

Os arrojados (cheios de humor, presença de espírito e picardia) móveis que Sergio Rodrigues desenhou em uma longeva carreira de mais de 60 anos podem ser encontrados do Itamaraty à casa de Kim Novak, em Hollywood. Também artesão, desenhista, gourmet e comerciante de móveis (foi dono da lendária e inovadora Oca, em Ipanema, e hoje possui duas lojas em Tribeca, em Nova York), Sergio ganhou celebridade com a famosa Poltrona Mole, em 1957, que se tornou um símbolo tão expressivo daquela época da bossa nova quanto toda a ilusão globalizante do período.

Nascido em 1927, Sergio era neto do jornalista Mário Rodrigues, sobrinho do dramaturgo Nelson Rodrigues e do jornalista Mario Rodrigues Filho (que batizou o Maracanã) e filho do artista plástico e ilustrador Roberto Rodrigues (o pai foi assassinado na redação do jornal A Crítica com um tiro que era destinado ao pai Roberto, avô de Sergio).

Rodrigues trabalhou com Oscar Niemeyer e com Darcy Ribeiro, fez casas para Regina Casé, Arthur Fontes. Ainda assim, como disse Mari Stockler, curadora do Instituto Sergio Rodrigues, seu trabalho é bem mais reconhecido no exterior do que no Brasil. Possui obras nos acervos do Museum of Modern Art (MoMA) de Nova York e museus de Estocolmo, Munique e outras capitais europeias.

A obra que abriu as portas do mercado norte-americano para o artista foi a Poltrona Mole, a “cadeira bossa nova” (e que ficou conhecida como Sheriff Chair, cadeira do xerife, nos Estados Unidos). No início houve incompreensão, ele contou. Perguntavam se não era uma “cama de cachorro”. Ganhadora do prêmio italiano Selettiva Cantú, espalhou arredondamento, despojamento e humor na tradição modernista dos finais do anos 1950.

O cineasta Peter Azen, que dirigiu filme (ainda inédito) sobre o designer, disse ontem, de Nova York, onde vive: “Hoje, está sendo um dia difícil. O Sergio é um dos meus heróis. O homem que me fez amar a arte. Com sua inteligência, seu humor, seu bom gosto e sua veia artística conquistou o meu coração e o da minha família. Uma das pessoas mais importantes na minha vida. Vai trazer muita alegria com suas histórias onde quer que esteja”, disse.

O arquiteto Ivan Rezende, autor de livro sobre o artista, também estava abalado. “Sergio foi generoso na sua contribuição para o design e para a arquitetura, foi generoso ao receber e agregar amigos quando teve seu restaurante, foi generoso no dia a dia a nos presentear com suas estórias e alma de cronista. Perco um amigo querido, queria aproveitar mais estar com ele, mas tenho a certeza que todo o nosso tempo que tivemos juntos foi de sinceridade, alegria e encantamento”, afirmou.

Sergio não se preocupava demasiado com as fronteiras entre as disciplinas quando criava sua obra. “Fiz quase 200 casas, desde casinha de cachorro até mansões de quatro pavimentos, totalmente de madeira. Mas trabalho muito com arquitetura de interiores. Você sabe, até agora não há uma compreensão total do que seja a arquitetura de interiores. Falam em estilo, mas não há estilo. O homem, quando encomenda um trabalho desses, quer que o profissional resolva o problema. E, em geral, os ditos profissionais querem impor determinado elemento que eles, pessoalmente, curtem. Muita gente aceita isso por causa do nome do arquiteto, da sua fama. Mas eu, quando faço um interior, dou mais importância ao ambiente até do que à fachada da casa. Valorizo o espaço, o conforto, a característica do dono da casa”, afirmou o arquiteto, em entrevista.

“Fui praticamente criado em uma casa no Flamengo, em que meu tio-bisavô, que descendia de escoceses, tinha uma marcenariazinha. Ele contratou dois marceneiros portugueses de alto nível para produzir uns modelos que desenhava. Eu ficava do lado, aproveitando cavacos de madeira, fazendo casinholas, carrinhos. Eu passei a desenhar antes mesmo de executar. Via como meu tio fazia: ele entregava uns rabiscos aos marceneiros e eles executavam obras-primas. É praticamente isso o que é a arquitetura e também o design. Era um casarão de gosto duvidoso na Praia do Flamengo que chamavam de castelinho, porque imitava alguma coisa do início do século 19.”

“A casa não deixa de ser um outro tipo de vestimenta do homem. Acho os trabalhos populares uma coisa maravilhosa. É arte fazer uma casa que tenha uma função social”, ponderava. Sua obra, por despir-se da solenidade (e da seriedade) típica dos movimentos artístico, parece ainda um farol a iluminar o futuro. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

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