Arte povera ganha uma exposição de mestres

Primeira grande mostra no Brasil dedicada ao movimento artístico batizado pelo crítico Germando Celant de arte povera, Limites Sem Limites, que será aberta nesta quinta-feira, 21, na Fundação Iberê Camargo, em Porto Alegre, reúne alguns dos seus expoentes, entre eles o pintor e escultor italiano Mario Merz (1925-2003), sua mulher Marisa Merz, que no ano passado ganhou o Leão de Ouro da Bienal de Veneza, Luciano Fabro (1936-2007) e Michelangelo Pistoletto. A exposição, que fica aberta até o começo de novembro, traz ainda nomes como Giulio Paolini, Gilberto Zorio e Giuseppe Penone, entre outros 12 artistas selecionados pelo curador italiano Gianfranco Maraniello, que conversou com o jornal O Estado de S.Paulo, por telefone.

O único artista não italiano da mostra, que reúne 25 obras, entre elas uma concebida especialmente para o espaço da Fundação, é o grego Jannis Kounellis, que segue ativo, aos 78 anos. Kounellis é considerado o mais anárquico de todos os integrantes do movimento. Em Porto Alegre, será exibida uma obra sua, concebida em 1988, em que uma barra de ferro e uma placa de metal são “sustentadas” por um desenho. Pode parecer bizarro, mas nem tanto quando comparada à obra que Kounellis exibiu na primeira mostra de arte povera na Itália, em 1967: passarinhos vivos sobre pinos grudados a uma tela.

A exemplo do grego, os artistas da arte povera ficaram conhecidos por usar materiais pouco convencionais como carvão, pedaços de espelhos, couro, toras de madeira e ‘objets trouvés’ em suas instalações. O curador lembra que o uso desses objetos, que conferia às galerias um aspecto de cenário teatral, tinha justamente o objetivo de sabotar a lógica do mercado. A liberdade anárquica de Kounellis e seus companheiros não só transformou os espaços institucionais que exibiam arte nos anos 1960. Provocou uma mudança conceitual.

A exposição na Fundação Iberê Camargo, porém, não tem caráter retrospectivo. Se a arte povera busca justamente a extinção da fronteira entre arte e vida, fazendo uso de materiais do cotidiano, não seria lícito esperar de Maraniello, filósofo e ex-professor da Academia de Belas Artes de Brera (Milão), uma mostra histórica. “Não se trata de uma reconstrução”, garante o curador, até porque os artistas ligados ao movimento costumavam usar materiais perecíveis em obras que tinham como foco justamente a condição do provisório. Elas mudavam ao sabor das estações, enferrujavam ou apodreciam.

Em Porto Alegre, contudo, Kounellis não vai usar fumo ou pó de café, como fez no passado. Ele estará representado por dois trabalhos, que o curador chama de “desenhos”. A capital gaúcha, aliás, ganha com a mostra a primeira pesquisa sobre a relação dos artistas do movimento com o desenho. Pistoletto, por exemplo, fez em 1979 uma série de “desenhos” com espelhos cortados em diferentes formatos, que estão na exposição. “Eles refletem um mundo em mutação, uma realidade que está sempre ativa e se renova a cada passagem do espectador diante da obra.”

Ao incorporar os visitantes em seus trabalhos, os artistas rompem os limites entre arte e realidade, conclui o curador. Se a peça de Pistoletto usa a imagem humana, a de Mario Merz recorre a sete animais iluminados com neón, que parecem se despregar da superfície para conquistar o espaço. “Esse é o verdadeiro espírito da arte povera, que recusou o título de vanguarda para não se fixar em momento algum”, diz. “Foi o primeiro movimento do modernismo a rejeitar essa cristalização, criando uma situação paradoxal, pois é historicamente determinado, mas está além da própria história.”

Até por isso, a arte povera não deixou herdeiros. Legou, sim, um jeito de contemplar o mundo sem a intermediação da história da arte. Maraniello, a propósito, cita a obra Il Panorama com Mano che lo Indica, do escultor italiano Giovanni Anselmo. Sua peça é uma pedra sobre o chão. Acima dela, o desenho de uma mão aponta para o espectador, desafiando-o. “É como se a obra olhasse para nós.”

Esse desafio inter-relacional presente na arte povera já se encontrava no ‘teatro pobre’ do polonês Jerzy Grotowski (1933-1999), que postulou nos anos 1960 um teatro em que o ator devia ocupar o centro do palco, dispensando cenários e figurinos. Em termos visuais, as instalações de Gilberto Zorio são igualmente despojadas. Numa delas, um desenho impregnado de fósforo desaparece quando a luz se acende. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

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