Literatura

Editoras curitibanas ajudam a criar cena literária na cidade

Existem várias formas de visitar uma cidade sem nunca por os pés nela e uma dessas maneiras é, justamente, conhecendo a sua produção literária e artística. Curitiba, que por vezes é tratada como província, um misto de apelido carinhoso e autocrítica, em termos de literatura pode ser considerada uma megalópole, mas não apenas pelo passado glorioso de ter sido o berço do simbolismo no Brasil ou por ter abrigado nomes como Paulo Leminski (1944 – 1989) e Manoel Carlos Karam (1947 – 2007), mas sim pela sua produção atual.

Prova cabal da capacidade da cidade em se reinventar são as editoras curitibanas que, mesmo nos apocalípticos dias do “free”, em que ninguém se dispõe a pagar por nada, conseguem sobreviver. Fred Tizzot, editor da Arte & Letra, vê o mercado como um paradoxo, no qual existe um público leitor ávido e emergente, porém, com medo de novas descobertas. Grande parte desse medo tem como fundamento a “falta de informação sobre o que chamamos alta literatura”.

“Há de certa forma uma elitização e um forte academicismo na literatura no Brasil. E acredito que é parte do nosso trabalho como editores, escritores, jornalistas etc. tornar essa alta literatura mais acessível e, por que não?, mais comercial”, completou.

Space invaders

Outro problema enfrentado pelas editoras ditas “menores” é o espaço que recebem nas livrarias, principalmente, nas grandes redes. “As grandes lojas, além de cobrar um percentual alto sobre o preço de capa, cobram valores altíssimos para dar destaque aos seus livros em suas gôndolas ou ilhas”, comenta Marcelo Amado, editor da Estronho, especializada em literatura fantástica.

A solução encontrada para viabilizar o comércio da produção é foco em livrarias pequenas e ou usar as leis de incentivo do município, como faz Paulo Sandrini, da Kafka Edições. “Com isso podemos enviar para vários lugares do planeta nossos autores, para universidades do exterior e do Brasil, para centros culturais que o Brasil mantém em outros países, para bibliotecas estaduais, municipais etc”, afirmou o editor, que se diz orgulhoso por ter um dos títulos de Karam, publicado pela Kafka, entre os mais lidos pelos estudantes de letras da Universidade de Zagreb, na Croácia.

Divulgação
Para Sandrini, a ‘cena’ literária vai muito além
do escrever, editar e publicar.

As alternativas às grandes redes podem estar entre os segredos para uma distribuição eficiente dos livros. Pensando nisso, Tizzot não só criou sua editora, mas também uma livraria, responsável por vender os títulos da Arte & Letra e de outras editoras.

Obviamente, não são apenas os editores que se sentem em uma bolha, isolados por uma distribuição pouco eficiente, mas também os autores, que não conseguem chegar ao público e, não raras vezes, à crítica. Entretanto, escrever dentro de uma redoma, circundada por questões que reduzam os limites, principalmente, em âmbito geográfico, pode diminuir o interesse e a identificação do público com a obra.

“Curitiba dá pano para muitos tecidos narrativos e poéticos, mas creio que todo o lugar seja capaz de fornecer esses elementos. O que posso dizer também é que não conseguiremos uma unidade temática e estilística apenas por escrevermos nesse espaço demarcado geograficamente”, pondera Cezar Tridapalli, autor de “O Beijo de Schiller”, vencedor do Prêmio Minas Gerais de Literatura, que deve ser publicado em maio.

Mercado

O anúncio na última quarta-feira (19) de que a Penguin Random House adquiriu a o grupo espanhol Santillana (leia-se a Companhia das Letras comprou a Objetiva) vem a fechar ainda mais o cerco contra as edi,toras pequenas. Considerando a última edição da pesquisa “Produção e Vendas do Setor Editorial Brasileiro”, realizada em 2012, mostrando crescimento real de 7% no setor, a fusão coloca o mercado brasileiro e, claro, o mundo em alerta.

Sandrini, que brinca ao dizer que a Kafka está na UTI e respira com a ajuda de aparelhos, é um pouco mais conformado com a situação do mercado e as dificuldades do mundo editorial. “Sempre soube onde estava me metendo com esse projeto”, disse Sandrini, que conversou com o Paraná Online antes da fusão.

Entretanto, estar no mercado não significa apenas a guerra pela venda, o destaque nas prateleiras e a aprovação do leitor e da crítica. O combate é muito maior e começa dentro da própria editora. “As dificuldades vão desde a seleção de autores que acham que suas obras são intocáveis e que são sucesso garantido, até lidar com resenhistas oportunistas que só querem ganhar livro, passando por problemas com gráficas”, revela Amado, que completa com uma sentença: “no final das contas, tem mais prazer do que problema”.

O grande diferencial das editoras curitibanas para ganhar espaço é, justamente, usar projetos especiais. A Arte & Letra, por exemplo, possui, além das revistas literárias, duas coleções de literatura: a “Em Conserva”, na qual os livros são vendidos dentro de uma caixa metálica e conta com títulos de Tolstói, Júlio Verne e Émile Zola, e os livros artesanais, lançados no ano passado em tiragem limitada e projeto gráfico em xilogravura.

Como ser escritor em Curitiba

Jamil Snege, morto em 2003, acreditava que para qualquer pessoa tornar-se invisível era preciso talento. Certamente, os escritores curitibanos possuem esse talento e de sobra. Dalton Trevisan, o vampiresco contista que se esgueira pela Rua XV para não ser perturbado, pode ter sido o primeiro escritor-invisível de Curitiba.

Paulo Henrique Camargo/Colaboração
Tridapalli: ‘Não sei se essa espécie ‘autor curitibano’
é vista em outros estados assim, em bloco’.

Depois dele, todos os que se dedicam à arte de dialogar com leitores por meio de alguma forma de estória/história, parecem conseguir manter-se incólumes aos demais cidadãos. Mesmo com essa peculiaridade, Tridapalli não vê os escritores curitibanos e paranaenses como um sindicato, uma ordem específica.

“Não sei se essa espécie ‘autor curitibano’ é vista em outros estados assim, em bloco. Mas alguns escritores têm mais penetração que outros, independente de serem ou não curitibanos”, reflete o autor de “O Beijo de Schiller”.

E há, como não poder deixar de ser, a “cena curitibana, aquele périplo de autores e de qualquer um que apoia o movimento – desde o leitor, passando pelo livreiro e pelos críticos. Sandrini crê que a “cena” seja algo muito maior que escrever, editar, publicar e resenhar um livro.

“Na minha não tão humilde opinião, uma cena não se faz apenas com gente produzindo, editando, se faz com eventos, com um circuito em que a produção seja mostrada, levada a público, debatida em eventos, em universidades, veículos de comunicação, além de contar com um trabalho crítico empenhado minimamente”, afirma o editor da Kafka, que também é escritor.

Entre o visível e o invisível e a realidade imediata, Curitiba possui um dos melhores panoramas do país, seja pela produção ou pelo cuidado e tratamento dado aos frutos dos pinheirais literários.