Téchiné decifra o enigma das ‘Irmãs Brontë’

Roland Barthes – o próprio – foi um entusiasta de primeira hora de André Téchiné. Apoiou-o assim que o crítico virou cineasta, e a tal ponto que aceitou ser ator em As Irmãs Brontë, que a Versátil está resgatando em DVD no País. O filme de 1978 foi o quarto de Techiné e, após o primeiro, que passou despercebido – Pauline s’En Va -, os restantes valeram rápida notoriedade ao autor. Memórias de Uma Mulher de Sucesso, Barocco – O Jardim do Suplício e Les Soeurs Brontë, o único que permanecia inédito.

É um dos mistérios da literatura. Como as três filhas de um austero reverendo inglês do começo do século 19 se converteram nas irmãs mais cultuadas da história dos livros. Como, a despeito de sua rígida educação, Emily, Charlotte e Anne falaram do amor/paixão e exploraram áreas sombrias da natureza humana sem nunca ter saído de casa.

Charlotte ainda teve uma experiência como professora na Bélgica, mas as irmãs viveram confinadas em Haworth, numa casa pequena cuja frente se abria para o cemitério do lugar. O filme de Téchiné fornece uma pista.

A história é contada em flash-back pela autora de Jane Eyre, Charlotte. Ela fala das irmãs – Emily, que escreveu O Morro dos Ventos Uivantes, e Anne, A Moradora de Widfell Hall – e também aborda a existência atormentada do irmão Branwell, contando como o pintor talentoso se dissipou no álcool e no desespero ao se apaixonar por uma mulher casada. O elenco contribui – Isabelle Adjani, Isabelle Huppert e Marie-France Pisier. Como resistir? Branwell com toda certeza foi o modelo para o Heatcliff de Ventos Uivantes, com sua paixão doentia e destruidora por Catherine.

A progressiva desestruturação emocional do irmão e a paisagem habitada pela família (as charnecas de Yorkshire) nutriram a imaginação de Emily.

O lançamento da Versátil traz como extras o trailer do filme e um documentário, à maneira de making of – Os Fantasmas de Haworth. E você vai entender melhor a complexidade dos livros e da própria vida, aparentemente sem graça, das irmãs Brontë. Elas morreram cedo – Charlotte, antes de completar 40 anos; Anne e Emily, aos 30. Todas usaram pseudônimos masculinos para publicar seus trabalhos.

Charlotte, falando da criação da irmã, diz que Ventos Uivantes é uma obra rude, pois foi forjada numa oficina rude (a vida que levavam). Talvez tenha sido essa rudeza que atraiu Téchiné. Em filmes como J’Embrasse Pas, O Lugar do Crime, Rosas Selvagens e Alice e Martin, ele trata sempre da dificuldade das relações, e do amor. É uma impossibilidade que passa pelo físico e pela linguagem.

E foi isso que o tornou atraente para Barthes. Escritor, crítico, filósofo, semiólogo e sociólogo, Barthes fez parte da escola estruturalista. Refletiu, usando a análise semiótica, sobre a percepção simples das coisas e os processos míticos que são transmitidos e adotados como padrões culturais. Esses momentos, que chamava de denotativo e conotativo, transparecem na obra de Téchiné. Sua admiração pelo autor o levou a fazer um papel pequeno mas importante, o de Thackeray, em As Irmãs Brontë. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.