Obras fotográficas lembram Geraldo de Barros

Um dos melhores livros de arte lançados em 2013, Geraldo de Barros: Isso, da Edições Sesc SP, refaz a trajetória artística de um dos grandes nomes do concretismo brasileiro, permitindo ao mesmo tempo uma revisão da arte concreta paulista, uma vez que a obra, organizada por sua filha Fabiana de Barros, traz entrevistas com poetas que participaram do movimento, como Augusto de Campos, pintores que mantiveram ligação com o artista, entre eles Hermelindo Fiaminghi (1920-2004), e críticos que analisam a evolução do construtivismo brasileiro, como Paulo Herkenhoff.

Fabiana de Barros, também curadora da obra do pai, esclarece que, apesar de ser uma publicação de referência, o livro não é um produto acadêmico convencional, concentrando seu foco num processo criativo que volta de forma contínua ao passado em busca de inspiração para o presente. Ele segue, ainda assim, uma sequência cronológica que retrata desde o período inicial de sua produção, em 1944, até o último, marcado pela série Sobras, entre 1996 e 1998, ano de sua morte, em que Barros retoma uma técnica anteriormente testada com fotos de família cujos negativos foram recortados e montados sobre placas de vidro.

O nome Geraldo de Barros ficou automaticamente ligado às “fotoformas”, obra fotográfica produzida entre os anos 1940 e o início da década de 1950 que pode ser associada tanto à vertente construtiva como à herança expressionista pela variedade de figuras que emergem da superposição de fotogramas. No entanto, a arte de Barros cruzou fronteiras estéticas e saiu do bidimensional para o tridimensional, quando passou ao design de móveis e criou a Unilabor, verdadeiro laboratório de pesquisa industrial voltado à produção de objetos, infelizmente fechada nos anos difíceis do regime militar, após 13 anos de existência, pressionada por dificuldades econômicas. Mas, em 1964, ano do golpe, ele ainda fundaria a Hobjeto, responsável pela renovação estética do mobiliário no Brasil.

 

O fato de Barros ser mais lembrado pelo conjunto de obras fotográficas é explicado no livro pelo pesquisador colombiano Andres Burbano de modo direto: ele “encontrou a abstração em um meio eminentemente figurativo” – e isso pode ser atestado em especial no conjunto das suas “fotoformas”. A série experimental revela imagens inauditas porque, como diz Burbano, “Geraldo trabalhava com a fotografia como se ninguém houvesse utilizado esse meio antes”. Não exclusivamente fotógrafo, Barros foi um artista multidisciplinar, intuitivo, que, lembra o colombiano, desenvolveu um trabalho similar ao de Man Ray com as “fotoformas” sem conhecer as “Rayographs” do fotógrafo norte-americano, desenvolvidas em 1923, justamente o ano de nascimento do artista brasileiro, em Xavantes, interior de São Paulo.

No momento em que Barros realizava as “fotoformas”, ele desenvolvia simultaneamente pinturas figurativas de nítido vínculo expressionista – e o livro traz raras imagens de nus femininos pintados em 1947, pertencente à coleção da família do artista, que evocam as formas de Nolde e Kirchner. Foi mais ou menos por essa época que o pintor Hermelino Fiaminghi conheceu Barros, então se preparando para a primeira exposição das fotoformas no Masp, em 1951, ano da primeira Bienal de São Paulo. As bienais, observou Fiaminghi, tiveram um papel fundamental no desenvolvimento da arte construtiva no Brasil, incentivando o surgimento de grupos e manifestos em favor da arte abstrata – como o Ruptura, embrião da arte concreta paulista, criado em 1952 por Waldemar Cordeiro, Geraldo de Barros, Luiz Sacilotto e Lothar Charoux.

Entre os artistas concretos, apenas Barros e Maurício Nogueira Lima viriam a produzir pinturas pop nos anos 1960. A independência ideológica do artista é explicada por Fiaminghi numa entrevista concedida ao suíço Michel Favre, marido de Fabiana de Barros: “O Geraldo tinha uma liberdade muito grande e um comportamento que lhe permitia ir e voltar, não dava satisfação a ninguém”.

Prova disso foi a volta de Barros ao geométrico nos anos 1970, após a passagem pela arte pop. De 1978 a 1985, ele produziu a série Jogos de Dados, em homenagem ao poeta francês Mallarmé, autor do longo poema Um Lance de Dados, de 1897, sua obra-prima. Para muitos, trata-se também da melhor obra do brasileiro, como comprova um dos exemplares na foto maior desta página, o painel em fórmica do Metrô Clínicas, grande momento da arte concreta no Brasil.

As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.