Entrevista

Cintia Napoli comemora 45 anos de dança

Cintia Napoli separou um tempo na agenda lotada para receber a reportagem no Vila Arte Espaço de Dança. O lugar fica em um prédio antigo, cuja idade é denunciada pela altura da porta de entrada, um dos muitos sobrados centenários da Rua Saldanha Marinho, em Curitiba. Em uma das salas, ensaiam os bailarinos da desCompanhia de Dança – Juliana Adur, Peter Abudi e Yiuki Doi – e, em outra, a diretora conversa sobre o seu trabalho.

Cintia Napoli completa 50 anos no dia 10 de outubro e este ano também comemora 45 anos de carreira. Aos cinco anos ela iniciou na dança com o balé clássico ainda na cidade natal, São Caetano do Sul (SP). Como integrante do Ballet Teatro Guaíra, atuou na montagem do musical O grande circo místico, em 1984, um dos espetáculos de dança mais famosos do País, com trilha sonora assinada por Chico Buarque e Edu Lobo.

Mas o tempo acabou ressaltando uma vontade que apareceu naturalmente, o interesse pela dança contemporânea. Hoje, a sua principal atividade envolve a desCompanhia, cuja proposta é trabalhar técnicas corporais para disponibilizar e situar o corpo na contemporaneidade. Nesses últimos dias, o grupo retoma os ensaios do espetáculo Lugares de mim, que volta para duas apresentações, dias 18 e 19 de junho, no Teatro do Sesc da Esquina.

O projeto com o qual a companhia está envolvida agora explora as particularidades com que cada um se relaciona com o mundo através do olhar: A poética do olhar. Merleau-Ponty, um dos teóricos estudados neste início de processo, define o olhar como algo que foi comovido por um certo impacto do mundo. O trabalho compartilha da ideia de que o exercício do olhar seria uma prática de corpo inteiro, num trançado de visão e movimento.

Com a fala pausada e o cuidado em ser generosa com os seus companheiros de trabalho, Cíntia lembra como a dança está inscrita em sua vida.

O Estado: Você começou como bailarina clássica e depois passou a atuar também com dança contemporânea? Como foi esse processo?

Sim, comecei com o balé clássico aos cinco anos por indicação médica e depois de muitos anos conheci a dança contemporânea. Esse processo aconteceu naturalmente. Fui escolhendo meu caminho e com muita curiosidade fui fazendo minhas escolhas de acordo com a necessidade do meu corpo.

O Estado: Como a sua experiência com balé clássico influência o seu trabalho em dança contemporânea?

Todas essas experiências fazem da minha dança ser o que é. São conhecimentos assimilados por um único corpo. Porém percebo que a maturidade e a consciência corporal me propiciaram uma nova percepção do movimento, tanto do ballet quanto da dança contemporânea.

O Estado: Como foi a sua entrada no Balé Teatro Guaira?

Depois de 14 anos de formação no balé clássico, em São Paulo, ingressei no Balé da Cidade de São Paulo. Essa foi a minha primeira experiência em uma companhia profissional. Ainda no mesmo ano, 1980, fui aprovada em uma audição para compor o elenco do Balé Teatro Guaira.

O Estado: Você começou a trabalhar com dança nos anos 80. O que mudou de lá para cá?

Muitas coisas mudaram. Naquele momento o bailarino preocupava-se em ser um bom intérprete com técnica cada vez mais apurada, não se falava ou falava-se pouco de pesquisa e movimento autoral. A estrutura de grandes companhias satisfaziam os desejos dos artistas daquela época. Depois de um certo tempo esse formato começou a não ser suficiente para tantas particularidades, para expressões tão diversas, o bailarino passou a ser um criador do seu próprio movimento.

O Estado: Como surgiu a vontade de atuar também como coreógrafa?

A profissão oferece vários caminhos, v&aacu,te;rios desdobramentos que necessitam de tanto estudo e dedicação quanto ser bailarino. Cada experiência dessa, relacionada ao movimento, me provoca curiosidade, desejo de aprofundamento e me mantém atualizada. Ser coreógrafa é um deles.

O Estado: Qual o tipo de pesquisa desenvolvida pela desCompanhia de dança?

A desCompanhia trabalha unicamente com processos colaborativos. Atuo como diretora artística da companhia, entendendo como direção um lugar de organização e de orientação. O processo de criação é discutido e desenvolvido por todos os integrantes, inclusive equipe técnica. Os bailarinos Juliana Adur, Peter Abudi, Yiuki Doi e eu trabalhamos diariamente, subsidiados ou não, desenvolvendo estudos teóricos e práticos.

O Estado: O que você gosta de ver em um espetáculo de dança?

Gosto de ver propostas surpreendentes e inspiradoras, espetáculos de bom gosto e com bom acabamento, coerência e atenção com o público e de preferência espetáculos que o elenco tenha muito conhecimento da causa.

O Estado: Como aconteceu a participação em óperas e como isso se relaciona com o restante do seu trabalho?

A participação em óperas faz parte do momento em que atuei como bailarina do Balé Teatro Guaíra. A convivência com músicos, cantores, atores e bailarinos em um único espetáculo é uma experiência riquíssima. Isso tudo faz parte do meu repertório de vida, não tem como não se relacionar com meu trabalho.

O Estado: Como surgiu a vontade de montar um espaço próprio para o ensino da dança, o Vila Arte Espaço de Dança?

A vontade de montar um espaço foi, de certa maneira, consequência de uma crise. A dança que eu estava fazendo não cabia mais no meu corpo, os métodos de ensino que eu observava não eram coerentes com aquilo que eu acreditava, enfim, era chegado o momento de criar o meu espaço e ter pessoas com o mesmo propósito do meu lado. E aí está o Vila Arte com oito lindos anos de vida.

O Estado: Que artistas você admira?

São tantos. Mas admiro todos os que trabalham, os apaixonados, os íntegros, os competentes e principalmente aqueles quenão se esquecem que não seriam artistas se não tivesse o público para apreciar sua arte.

O Estado: Quais os seus próximos projetos?

Estamos trabalhando na criação de um novo espetáculo. O projeto A poética do olhar foi contemplado no Edital de Difusão em Dança da Fundação Cultural de Curitiba, ainda sem data prevista para a estréia.

A companhia já tem um grande material de pesquisa que pode ser compartilhado com os interessados através do blog: www.apoeticadoolhar.blogspot.com.