O olhar do cineasta Luciano Coelho

A pequena porta em um sobrado no bairro Rebouças se abre para revelar um local onde as idéias são bem vindas e a verdade produz imagens sinceras, trazem a concepção clara de uma realidade. O Projeto Olho Vivo abre espaço para o fomento da produção audiovisual de Curitiba, sob a coordenação de Luciano Coelho e Marcelo Munhoz. Por lá já passaram muitas cabeças que a olhos vistos se interessam pelo ofício da sétima arte.

A porta não tem olho mágico -que permite somente ver de dentro para fora – mas possui uma abertura em forma de losango, por onde também podemos ver o interior pelo lado de fora. É através desta fenda que o cineasta Luciano Coelho vê quando chegamos para a entrevista.

Na sala, a parede verde ostenta cartazes das produções do Olho Vivo e uma estante guarda estatuetas de prêmios e homenagens concedidas às realizações do pessoal que participa das oficinas no espaço.

Uma das homenagens é assinada pelo Clube de Mães União Vila Das Torres. Se trata de um agradecimento pelos trabalhos realizados através do projeto Minha Vila Filmo Eu, onde crianças e adolescentes cursam oficinas de audiovisual e registram em filme as suas impressões acerca da comunidade. Desde o começo do projeto, passaram cinco anos e cerca de cem participantes.

Antes arquiteto, o Minha Vila… também proporcionou a Luciano a realização da vontade de se envolver em uma questão social. O projeto se estrutura aos moldes do filme O prisioneiro da grade de ferro, de Paulo Sacramento, onde os próprios detentos filmam o cotidiano no presídio do Carandiru. Mas o caso aqui se desenvolve na Vila das Torres (antiga Vila Pinto), situada às margens da Avenida das Torres.

Interessado especialmente por documentários, o diretor de filmes como História de um passado perdido (1998) e Pra ver a umbanda passar (2007) é movido pelo compromisso com a sua verdade e é assim que ele acredita que um trabalho deve ser tratado. E é justamente esse ponto que ele considera falho nas produções cinematográficas do País. Afinal, enxergar o mundo com sensibilidade e inscrever na película reflexões sobre questões pessoais está longe de ser o que é o cinema brasileiro atual.

Se dividindo entre várias atividades no Olho Vivo, Luciano coordena, ministra oficinas e ainda desenvolve a sua obra autoral no cinema. Agora, ele monta um filme sobre o carnaval em Curitiba e está em pré-produção de dois curtas-metragens.

O Estado: Como surgiu o Projeto Olho Vivo?

Luciano Coelho – Partiu de uma vontade minha e do Marcelo Munhoz de ministrar oficinas de audiovisual diferenciadas e que atingissem as pessoas que não tinham acesso a cursos de cinema. Era 2003, época em que o vídeo digital estava chegando com força e facilitando o acesso à tecnologia de produção.

O Estado: Como se desenvolvem e qual o foco das oficinas de audiovisual no espaço?

L C – Temos várias oficinas na área do audiovisual: roteiro, edição, interpretação, realização de vídeo. Em todas elas há a preocupação de envolver os alunos em um processo de busca de sua identidade artística e sensibilização do olhar diante da realidade. É um processo de olhar para dentro e para fora de si com mais cuidado para a partir daí produzir arte. Temos também o ponto de cultura Minha Vila Filmo Eu que segue com a vocação social do início do projeto envolvendo adolescentes da Vila das Torres.

O Estado: Os filmes do Olho Vivo usam como ponto de fundo a capital paranaense. A intenção é ressaltar os aspectos da cidade com as produções?

L C -Uma das propostas do início do projeto era colocar em discussão a identidade de Curitiba, e mostrar o que havia de humano por trás dos rótulos dos marqueteiros, como C,idade Modelo, Capital Social, Ecológica ou Européia. Isso se deu na produção de documentários nas oficinas. Foram abordados temas como os catadores de papel, a Vila das Torres, grafiteiros, prostitutas de meia idade, transexuais ou negros em Curitiba. Em todos eles o enfoque é de interesse acima de tudo humano, revelando as pessoas que vivem na nossa cidade e suas histórias.

O Estado: Você pode falar um pouco sobre o projeto Ficção Viva, que conta com o patrocínio da Petrobrás?

L C – O objetivo do Ficção Viva era envolver um grupo de ex alunos nossos em um processo de pesquisa e produção para realizar ficção à partir da experiência do documentário. Pudemos trazer nomes de nível internacional que nos deram workshops, como o diretor argentino Carlos Sorín ou a documentarista Maria Augusta Ramos. O resultado do processo são os curtas Um vestido e um amor, Retrato de família e Betes, alem do documentário As pessoas e as coisas, que inspirou a criação dos roteiros de ficção.

O Estado: O lançamento do curta de ficção Um grito na vila marcou o início das atividades do projeto Minha Vila Filmo Eu. Como está sendo a experiência?

L C – Na verdade a experiência do Minha Vila Filmo Eu começou antes disso, em 2005. Nossa primeira turma foi composta por 15 crianças da Vila das Torres. O foco era e continua sendo ensinar as ferramentas e linguagem do audiovisual em paralelo com o estímulo a que eles observem melhor a realidade onde vivem e as suas próprias histórias.

O Estado: Como cineasta, você realizou tanto filmes de ficção como documentários. Que lugares percorre a sua produção cinematográfica?

L C – As minhas primeiras experiências em ficção me mostraram duas coisas: que eu precisava me aproximar mais do real e que eu precisava me conhecer melhor se quisesse realizar filmes de ficção com vida. Produzir documentários me permite fazer as duas coisas. O contato efetivo com o real também nos faz pensar em quem realmente somos e como nos relacionamos com o mundo.

O Estado: Como você avalia a produção audiovisual em Curitiba?

L C – É muito diversa, não há uma característica que seja comum aos realizadores daqui. Sinto que a produção da cidade ganharia em qualidade se mais gente se preocupasse em pesquisar e estudar em todas as áreas do audiovisual, principalmente a de roteiro.

O Estado: Quais as principais dificuldades para a realização cinematográfica no Brasil?

L C – A dificuldade material existe, mas talvez seja menor do que era no passado. Hoje existem mais editais e concursos e o acesso a equipamento é mais fácil. Acho que o grande desafio é realmente o criativo. Que histórias vamos contar? Que histórias podemos contar bem? Que histórias são importantes para nós e por isso despertarão o interesse dos outros?