O teatro íntimo do diretor Marcio Abreu

A não-rotina é uma vivência corriqueira para o diretor, ator e dramaturgo Marcio Abreu. No intervalo de uma semana entre o final da temporada da peça Vida – sobre a obra do poeta Paulo Leminski – em Curitiba e a estreia no Rio de Janeiro, ele aproveita para fazer uma viagem a Buenos Aires. Visita um casal de amigos enquanto retoma contatos de trabalho. A vida dele é assim.

No entremeio de tudo, marcamos a entrevista via Skype: assim a sensação é de proximidade, mesmo com léguas de distância. Marcio tem uma relação especial com a capital argentina e já estava com saudades, fazia quatro anos que não caminhava pelas calles porteñas.

À frente da Companhia Brasileira de Teatro, ele enxerga arte em todas as coisas. E isso é orgânico nele. Ainda pequeno, morando no Rio de Janeiro – sua cidade natal – e estimulado pelos pais, Marcio já era ligado ao teatro. Ele ainda lembra a primeira vez que viu uma peça adulta. “Não lembro o título, mas era com o Paulo Autran”.

A vida não poderia lhe reservar outra direção: depois de participar de grupos de teatro na escola, o adolescente de 15 anos rumou para Curitiba, onde experimentou o início do que se viria a ser uma carreira reconhecida nacionalmente.

Mesmo sem ter planos de trabalhar profissionalmente com o teatro, os caminhos o conduziram para o Lusco Fusco, grupo de teatro ligado ao Sesc da Esquina criado por Luiz Carlos Teixeira. A formação se desdobrou em uma imersão na pesquisa teatral que se refletiria em seus trabalhos posteriores.

A mudança de endereço para uma cidade “menos solar” também revelou o mundo subterrâneo da cultura underground que prevaleceu em Curitiba nos anos 80 e 90. “Quando mudei encontrei na cidade alguma coisa que me fez gostar muito. Isso foi importante na minha formação”.

Formação que foi delineada a partir de referências como o diretor Raul Cruz e a primeira peça que assistiu aqui, Grato Maria Bueno. O escritor e poeta Paulo Leminski foi outra paixão que se somou a um dos interesses mais orgânicos de Marcio: a ligação do teatro com a literatura.

Leitor assíduo, a relação entre as duas vertentes artísticas influencia o seu trabalho até hoje na Companhia Brasileira, onde desenvolve processos criativos também em intercâmbio com artistas do Brasil e de outros países, especialmente a França.

As parcerias culminaram em outros importantes trabalhos como ator em A vida é cheia de som e fúria, co-produçao com a Sutil Cia de Teatro e na dramaturgia e direção em Daqui a duzentos anos, com textos de Anton Tchekhov, com Luis Melo e ACT (Ateliê de Criação Teatral).

Marcio reconstruiu a memória dos lugares por onde passou e falou sobre as descobertas que fez no decorrer de seus dias. A última foi a obra ensaística de Leminski, o Catatau. “É realmente um delírio magnífico de linguagem”.

O Estado – Como você se localiza no cenário teatral contemporâneo?

Marcio – Pergunta difícil. Eu não me localizo, apenas faço o meu trabalho. Mas certamente há os que me vinculam a um tipo de pensamento. Venho de uma larga experiência de teatro de grupo.

Transito entre linguagens distintas porém complementares. Meu trabalho dialoga muitas vezes com a literatura, o cinema, as artes visuais. A dramaturgia é um aspecto fundamental na minha pesquisa e é pra onde se voltam minhas maiores inquietações artísticas.

Tenho como centro o trabalho contínuo com a companhia brasileira de teatro, que fundei em 2000 e que me permite parcerias com diversos artistas de várias áreas e lugares. O deslocamento é uma realidade constante.

O Estado – Como foi o encontro com Nadja Naira e Giovana Soar que culminou na criação da Companhia Brasileira?

Marcio -Na verdade eu já havia criado a companhia antes delas. A Nadja chegou em 2001 pra fazer parte do processo de criação do Volta ao dia… como iluminadora.

,A Giovana veio também na época do Volta ao dia… e ingressou inicialmente como produtora. Cada uma, a sua maneira, foi conquistando um espaço e contribuindo decisivamente para a consolidação da companhia brasileira.

São parceiras de vida e desenvolvem atividades diversas. A Nadja além de iluminadora é atriz e também diretora. A Giovana é também atriz e diretora. Pensamos juntos a continuidade do trabalho. Sou muito feliz por contar com elas.

O Estado – Qual a atuação de cada artista dentro da companhia?

Marcio -Como disse, pensamos juntos os trabalhos. Eu tenho uma função mais ligada à direção e dramaturgia. A Gio e a Nadja colaboram na dramaturgia e também criam trabalhos como diretoras.

Fizeram juntas no ano passado a peca A viagem. Somos um núcleo de três pessoas. Além de nós a Cássia, que é a produtora executiva, mas que também é atriz e já fez leituras conosco e a Lica, que cuida da parte financeira e administrativa.

Temos ainda atores como o Ranieri Gonzales e o Rodrigo Ferrarini, que são participantes da companhia e estão no elenco de algumas peças do repertório. São colaboradores maravilhosos.

O Estado – Como acontece o processo de criação dos textos?

Marcio -Quando trabalhamos com dramaturgia original, os processos mudam a cada trabalho. No mais recente, Vida, trabalhamos a partir da obra do Paulo Leminski, numa pesquisa que durou cerca de um ano e meio e culminou num texto inédito escrito por mim em duas etapas: uma paralelamente ao trabalho com os atores e outra sozinho, num período de interrupção propositada do processo.

O Estado – Como acontecem as parcerias com outros artistas?

Marcio -Geralmente os encontros artísticos se dão por afinidades. Temos várias parecerias dessa natureza, com muitos artistas, brasileiros e estrangeiros. Algumas parcerias são mais consolidadas e continuadas, como com a Compagnie Jakart&Mugiscué, de Paris, com a qual já realizamos três projetos, no Brasil e na França.

Além disso há as parecerias com o Grupo Espanca de Belo Horizonte, com a Casa da Ribeira em Natal, com artistas como o ator Luis Melo, o cartunista Solda, a artista visual Margit Leisner, a atriz, jornalista e escritora Bianca Ramoneda, enfim, muitas trocas que confirmam nossa vocação de diálogos criativos.

O Estado – Quais os próximos planos para a peça Vida depois do sucesso da temporada em Curitiba?

Marcio -Certamente a peça entrará em repertório. Temos temporadas programadas no Rio, no interior do Paraná e também em São Paulo.

O Estado – Que artistas você admira e que influenciam no seu trabalho?

Marcio -Os atores com quem tenho trabalhado ultimamente. Os colaboradores da companhia brasileira. O dramaturgo russo Ivan Viripaev, o diretor polonês Krzystof Warlikowski, o poeta português Gonçalo M. Tavares, e por aí vai.

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