O intérprete em estado puro

Há vozes que carregam em si a suavidade e a potência em estado puro, são pinceladas da alma na melodia das canções. A voz de Ney Matogrosso é mais do que um instrumento: nos invade sem ocupar um milímetro de silêncio ao redor.

Inovador, ele se despe da exuberância e assume um caráter mais intimista na interpretação das canções do seu novo álbum, Beijo bandido (EMI) hoje, às 21h, no Teatro Guaíra.

Ney não é somente um dos maiores intérpretes da música brasileira, não é apenas a inconfundível voz que marcou o experimentalismo do Secos & Molhados e entonou composições de Chico Buarque, Cartola e Tom Jobim. Ele também é um artista múltiplo que se reinventa a cada novo trabalho.

Depois da exuberância cênica de Inclassificáveis, o cantor sugere um contraponto à pegada roqueira e mergulha em uma atmosfera quase camerística. O título Beijo bandido, inspirado na letra de Invento (Vitor Ramil), dá o tom das intenções de Ney ao se aventurar em um projeto no qual a criteriosa seleção de repertório é sublinhada pela excelência vocal.

“O disco é compatível com o meu momento, é um disco de intérprete. Estou fazendo a minha interpretação com uma grande liberdade”, revela. O canto se afina com a formação de quarteto de cordas, com a qual Ney trabalha pela primeira vez. “É inovador. No início fiquei preocupado, mas perguntei ao Leandro Braga [direção musical], o que ele achava. Ele disse que poderíamos fazer de samba até rock com essa formação, apesar de não ser muito comum”.

A carga emocional permeia todas as canções e alcança o ápice em A cor do desejo (Junior Almeida/Ricardo Guima) e As ilhas (Astor Piazzolla/Geraldo Carneiro), retomada do compacto que acompanhava o primeiro álbum do cantor, de 1976.

Ney também visita o cancioneiro popular em músicas como Segredo (Herivelto Martins / Marino Pinto) e Tango para Tereza (Evaldo Gouveia / Jair Amorim). A vertente “mais pop” do disco está representada em Nada por mim (Herbert Vianna/Paula Toller) e Mulher sem razão (Cazuza / Dé / Bebel Gilberto).

A gravação de A distância, de Roberto e Erasmo Carlos, foi motivada depois que o cantor viu a versão em italiano da canção no filme de Luchino Visconti, Violência e paixão (1974). Além do repertório do disco, Ney canta Incinero (Zé Paulo Becker) e Da cor do pecado (Bororó).

O momento forte do show -onde a extensão vocal do intérprete é capaz de provocar arrepios – é alavancando pelas canções Bicho de sete cabeças (Geraldo Azevedo/Zé Ramalho/Renato Rocha), De cigarro em cigarro (Luiz Bonfá) e Invento (Vitor Ramil).

Menos performático, o cantor considera esse show o mais teatral de sua carreira. “Tem um formato de recital, onde o foco é na palavra”. Ney estará no palco com o mesmo figurino das fotos do encarte do disco, assinado pelo estilista Ocimar Versolato, responsável também pela direção artística do projeto gráfico do CD.

A estética sutil do show é completada com imagens dele projetadas em um telão ao fundo e nas laterais do palco. Ney divide o palco com Felipe Roseno (percussão), Leandro Braga (piano e direção musical), Lui Coimbra (cello e violão) e Ricardo Amado (violino e bandolim).

Serviço


Beijo bandido – Show com o cantor Ney Matogrosso. Hoje, às 21h, no Guairão (Praça Santos Andrade, s/n.º). Os ingressos custam R$140 (platéia), R$100 (1.º balcão) e R$70 (2.º balcão). À venda na bilheteria do teatro.

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