Intervenções necessárias do artista Tom Lisboa

Às vezes, é preciso somente um olhar mais atento para descobrir a cidade como cenário para obras de arte. Na tentativa de ler e redimensionar esse espaço, as intervenções urbanas do artista visual Tom Lisboa exigem rigorosamente a participação do espectador, que compartilha o campo da obra e a desvenda a partir de múltiplas perspectivas.

A ação performática do artista está em sintonia com as suas diversas áreas de atuação: ele tem projetos em fotografia, pintura e videoarte e é professor e pesquisador de cinema. Na área audiovisual, Tom ainda é o criador do principal cineclube da cidade, o Contramão.

Todo um novo circuito – independente das necessidades funcionais da cidade – é criado pelas intervenções, que redimensionam a percepção e a experiência deste território urbano. Com uma ocupação poética dos espaços, o seu trabalho é fortemente influenciado pelo cinema, como é o caso das obras Blow up – baseada no filme homônimo de Michelangelo Antonioni – e Mirando(a), inspirada em Miranda July e seu filme Eu, você e todos nós.

Em entrevista ao O Estado do Paraná, Tom Lisboa fala sobre o processo para criar uma obra que dialoga com os espaços urbanos e redesenham o mapa da cidade.

O Estado: Qual o papel das intervenções urbanas na arte contemporânea?

As intervenções urbanas concretizaram algo que a arte contemporânea “de museu ou galeria” buscava há um bom tempo: ir ao encontro do grande público, muitas vezes não iniciado no circuito artístico mais elitizado. Outro fator que chama a atenção é sua liberdade criativa. Como este tipo de manifestação é, na maioria dos casos, espontânea e produzida à margem dos interesses de mercado, os artistas podem investir mais na experimentação e ousadia de seus trabalhos. Não é à toa que as instituições oficiais estão cada vez mais interessadas em incluir esta “arte marginal” em seu acervo.

O Estado: Quais são as principais questões conceituais aplicadas em trabalhos de intervenção urbana?

Eu procuro explorar a questão da representação, um conceito que é tanto da arte quanto da própria cidade. A cidade, independente de seu tamanho, é uma intervenção legitimada. O espaço urbano é a concretização de uma ideia que, entre outras coisas, estratifica os indivíduos socialmente, interfere em nossos percursos, desperta reações emocionais e provoca nosso olhar. A cidade e a arte tem em comum esta vocação criadora e transformadora.

O Estado: O que te motiva a criar uma obra de intervenção?

Quase todas as minhas intervenções necessitam de uma postura ativa do espectador. Eu preciso que ele interaja com minha obra para que o resultado “apareça”. Particularmente, eu gosto de incentivar este jogo entre o autor e o espectador. Talvez, por isso, eu idealize intervenções que são, em certa medida, lúdicas tanto na forma quanto no conteúdo. Intervenção para mim é um jogo que deve ser agradável e que, ao mesmo tempo, estimule a percepção e a sensibilidade do público.

O Estado: De que maneira as outras artes interferem e se relacionam com suas intervenções?

No meu processo criativo eu procuro valorizar a diversidade das minhas referências. Neste sentido, estou sempre renovando meu repertório em várias áreas, tais como literatura, cinema, música, fotografia, design, moda e televisão. No final, algumas influências acabam sendo mais importantes que outras, mas tudo depende do projeto. Por exemplo: eu ter assistido ao desfile das roupas de papel do Jum Nakao foi fundamental para eu criar as Polaroides (in)visíveis e o filme Eu você e todos n&oacu,te;s, da diretora Miranda July, foi o ponto de partida para a intervenção Mirando(a).

O Estado: Como as intervenções são influenciadas – ou influenciam – a relação das pessoas com os grandes centros urbanos?

Entre os vários significados da palavra intervir encontramos o termo surpreender. A intervenção “toma de assalto” o transeunte e propõe que ele veja algo de modo distinto, que preste atenção ao que está ao redor. Esta talvez seja a maior influência: ampliar nossa sensibilidade perceptiva. Uma frase do Marcel Proust explica muito bem esta situação: “Talvez a imobilidade das coisas ao nosso redor lhes seja imposta pela certeza de que tais coisas são elas mesmas e não outras, pela imobilidade do nosso pensamento em relação a elas”. Não existe nada estático ou imutável. Tudo pode ser recriado apenas pela maneira como percebemos as coisas.

O Estado: Quais são as particularidades de um trabalho que ocupa um espaço público se comparado às obras que estão em espaços institucionais?

Uma das coisas que aprendi com as intervenções urbanas é o desapego à obra. Uma vez colocada na cidade, você perde o controle sobre sua criação. E é muito bom poder exercitar este sentimento. Por isso minhas obras são facilmente removíveis. Meu desejo é que as pessoas possam colecionar estes trabalhos, levá-los para casa, se assim desejarem. Para minha surpresa, eu volta e meia descubro, acidentalmente, que isto tem acontecido de fato.

O Estado: Quais são os seus próximos projetos?

Estou lançando agora em março mais um projeto de mobilização criativa chamado Caractere(s): Retratos em preto e branco. Nestes últimos três anos quase 400 pessoas participaram destas mobilizações. Eu chamo mobilização criativa porque o público participa ativamente da criação das obras que vão ser expostas em algum espaço, que pode ser na internet, na rua ou em uma galeria. Além disso, vou dar continuidade a outros trabalhos coletivos como a ação urbana Lugar (que já foi feita por 50 pessoas, em 18 cidades, de 5 países), os desenhos dos fios de Curto Circuito e expandir a intervenção Polaroides (in)visíveis para o interior do Paraná.

Serviço

Quem quiser se informar sobre os trabalhos de Tom Lisboa pode visitar sua página pessoal no endereço www.sinTOMnizado.com.br/tomlisboa.