Mulheres dominam as novelas

Quando as primeiras novelas despontaram na televisão, há 40 anos, o alvo era o público feminino. Para cativá-lo, os autores abusavam de melodramas e romances água-com-açúcar. Nos anos 70, surgiu um novo conceito de folhetim. A Globo lançou a faixa das 22 h, dedicada a tramas políticas e, essencialmente, masculinas. Dessa safra, vieram “O Espigão”, “Saramandaia” e a antológica “O Bem-Amado”, todas de Dias Gomes. Nos 80, a Globo partiu para uma ambiciosa “terceira via”. Criar novelas “unissex”, que arrebatassem homens e mulheres indistintamente. Mas a receita que deu certo até a década de 90, com obras do próprio Dias Gomes e Benedito Ruy Barbosa, parece não surtir mais o mesmo efeito. Não é à toa que as temáticas femininas estão de volta.

E para provar estão aí “Mulheres Apaixonadas”, de Manoel Carlos, e a próxima das seis, “Cidade das Mulheres”, de Ricardo Linhares. “Não dá para desprezar a audiência das mulheres. São elas quem mandam no controle remoto”, atesta Euclydes Marinho, que assinou “Desejos de Mulher”.

O autor Antônio Calmon, sucessor de Euclydes às sete, bem o sabe. E vem tentando de tudo para arrebatar a audiência feminina. Pelas pesquisas, “O Beijo do Vampiro” agradou crianças e adolescentes, mas encontra resistência entre as “noveleiras”. Para agradá-las, o autor fortaleceu o tom realista e sentimental, deu mais fôlego às histórias de amor e introduziu o personagem Ezequiel, de Celso Frateschi, como porta-voz do Bem. A audiência subiu de 26, no início da novela, para 30 pontos de média. Calmon, no entanto, acha que há uma irônica contradição com as chamadas “noveleiras”. “Elas querem novidades mas resistem a mudanças”, descreve.

Guerreiras sensíveis

Mas a velha cartilha de Manoel Carlos costuma dar certo. Com protagonistas fortes e tramas emocionais, além do bate-papo de comadre na porta de casa, ele sempre alcança bom ibope. Pelo menos foi assim em “Por Amor” e “Laços de Família”, e na minissérie “Presença de Anita”, as últimas tramas que escreveu. De fato, o autor – que tem por hábito batizar suas heroínas de Helena – escreve pensando em cativar, prioritariamente, o público feminino. Mas, garante, o faz com prazer. “Escrevo sobre e para as mulheres porque elas são mais ricas em sensibilidade e emoção. São guerreiras, apesar de, historicamente, terem sofrido tanto sob o jugo dos homens”, explica o autor de “Mulheres Apaixonadas”, a próxima novela das oito.

Desde o início

Muito antes disso, porém, as novelas já eram feitas para as mulheres. Que o digam as radionovelas como “Direito de Nascer”, que depois fez sucesso na televisão. Ou mesmo as produções batizadas com nomes de sabonetes, pastas de dentes e outros produtos geralmente comprados por mulheres. Segundo o pesquisador doutorado em Teledramaturgia pela USP Mauro Alencar – autor do livro “A Hollywood Brasileira”, sobre telenovelas – a origem da relação entre as mulheres e os folhetins remonta aos romances da literatura, como “Iracema”, de José de Alencar, “Cabocla”, de Ribeiro Couto, e “Inocência”, de Visconde de Taunay. “As mulheres faziam os homens lerem essas histórias para elas porque, na época, não havia muitas moças letradas”, explica Mauro – que apesar de ser, assumidamente, um “noveleiro de carteirinha”, garante que em casa é sua mulher, Ana Paula, quem decide quando é hora de ver novela.

Condenação moral

As mulheres costumam ser responsáveis por boa parte das mudanças de rota das novelas. O que quase sempre representa um recuo nas “ousadias” dos autores. Sílvio de Abreu, por exemplo, teve de antecipar a recuperação do assassino Clementino, vivido por Tony Ramos, em “Torre de Babel”. O ex-presidiário se redimiu rapidinho, diante da fúria das mulheres, que não suportaram ver o galã na pele de “lobo” da história. Até Antônio Calmon, que garante ter pensado, desde a sinopse, em transformar o vampiro Bóris, de Tarcísio Meira, num morcegão boa-praça em “O Beijo do Vampiro”, reconhece: “As mulheres preferem vê-lo assim”.

Gilberto Braga, criador das inesquecíveis Raquel e Maria de Fátima, mãe e filha vividas por Regina Duarte e Glória Pires, em “Vale Tudo” também sofreu na pele – ou melhor, nos capítulos de “O Dono do Mundo” – a experiência de ser condenado por uma audiência conservadora, basicamente formada por mulheres. Sua heroína Márcia, de Malu Mader, troca o noivo na lua-de-mel pelo vilão Felipe Barreto, de Antônio Fagundes. “Acharam que ela foi leviana porque se deixou seduzir. Já o Felipe estava no seu papel de homem”, reclama. A ironia é que, na mesma novela, a prostituta Taís, de Letícia Sabatella, e cafetina Olga, de Fernanda Montenegro, foram “absolvidas”. Para Gilberto, o público idealiza a heroína e exige dela um comportamento exemplar. “Já as outras podem errar”, supõe o autor, que faz um “meas-culpa”. “Errei a mão nessa novela. Acontece…”, resigna-se.

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