Lei Rouanet deverá ficar mais democrática

Prestes a completar a maioridade, a Lei Rouanet, que tem como objetivo financiar espetáculos artísticos por meio de abatimento fiscal, terá mudanças. A Lei Federal n.º 8.313 foi criada em dezembro de 1991, mas só entrou em funcionamento após sua regulamentação, em 1995.

Para que o artista tenha o seu projeto aprovado e financiado por meio da Lei Rouanet, vale esclarecer que o financiamento das ações culturais podem acontecer por três caminhos diferentes. São eles: pelos recursos públicos através do Fundo Nacional de Cultura (FNC), por recursos oriundos de incentivo fiscal (Mecenato) e, por fim, pelos recursos privados (Ficart). Todos mecanismos atualmente regulamentados e em vigor.

O deputado federal Ângelo Vanhoni (PT) é o relator da nova Lei Rouanet na Comissão de Educação e Cultura da Câmara Federal. Para ele, diversos fatores que aconteceram ao longo dos anos influenciaram na decisão do Ministério da Cultura em alterar a lei. “No decorrer dos anos, percebemos que estava havendo uma concentração muito grande dos financiamentos em certas regiões do Brasil”, explica. De acordo com Vanhoni e Roberto Nascimento – dirigente do Ministério da Cultura -, a grande maioria do que era financiado pela lei estava concentrado na região Sul e Sudeste do Brasil.

“A região Norte nunca conseguiu mais de 1% de tudo aquilo que financiado no País. O Sul, corresponde a 12% e o Sudeste 80%”, afirma Nascimento. De todo o Brasil, o Paraná foi responsável por 12% dos financiamentos, ficando em sexto lugar no ranking nacional.

Após uma série de discussões sobre a aplicação da Lei Rouanet ao longo dos últimos anos, Vanhoni aponta que uma das principais mudanças acontecerão na disposição geográfica da quantidade financiada para cada estado. “Teremos uma maior democratização das regiões onde serão aplicados os recursos e também um maior atendimento às diversas áreas artísticas. Além disso, atualmente, muitos dos abatimentos ficais estão concentrados no cinema e na produção de peças teatrais”, afirma.

Outro desafio é tornar a Lei Rouanet mais conhecida. No Mecenato, por exemplo, a maioria das verbas (97%) é proveniente dos cofres públicos. A iniciativa privada é responsável por apenas 3%. “É preciso tornar as instituições públicas e privadas em parceiras no desenvolvimento da cultura no Brasil”, completa Vanhoni.

Uma empresa que acatasse um projeto já aprovado pela Lei Rouanet, podia financiar 30% ou 100% da produção artística. Agora, essa porcentagem também poderá mudar. “Dentre várias mudanças, queremos fazer com que a empresa possa financiar além de 30, também 60, 70, 80, 90 e 100%. Isso dependerá de uma análise do próprio mérito dos produtores”, afirma Nascimento.

Artistas

Para a artista curitibana Elisabete Finger, as mudanças na Lei Rouanet são de extrema necessidade. “Quando somos aprovados pela Rouanet não conseguimos encontrar empresas que se interessem pelo nosso trabalho experimental. As instituições privadas que recebem o abatimento fiscal procuram peças onde o marketing possa ser explorado. Isso acaba predominando certos eventos artísticos que, por exemplo, contam com a presença de famosos. A Lei Rouanet está superdistante da gente por conta desse marketing vendável”, afirma a artista que é membro do coletivo Couve-Flor Minicomunidade Artística Mundial. De acordo com ela, não foram poucas as vezes em que o grupo teve projetos aprovados, mas não conseguiu empresas interessadas no tipo de trabalho feito pelo coletivo.

As mudanças da Lei Rouanet estão disponíveis para consulta pública no site do Ministério da Cultura: www.cultura.gov.br.

,Legislação municipal é boa, mas precisa melhorar

Na contramão do que acontece com a Lei Rouanet, em Curitiba a Lei Municipal de Incentivo à Cultura possibilita cada vez mais a oportunidade dos artistas locais em mostrar seus trabalhos. Para a diretora de incentivo cultural da Fundação Cultural de Curitiba (FCC), Ana Maria Hladczuk, as ações de incentivo na capital têm por finalidade o apoio e o incentivo às manifestações culturais e artísticas locais.

“Isso acontece por meio da canalização e captação de recursos utilizando-se do percentual com limite de até 2% da receita orçada proveniente do Imposto sobre Serviços de Qualquer Natureza – ISS e do Imposto sobre a Propriedade Predial e Territorial Urbana – IPTU”, explica.

O artista da Orquestra Organismo, Guilherme Soares, confirma que o modelo da lei municipal é bom, mas também precisa de mudanças. “O modelo atual do Mecenato da FCC já é bastante inteligente e poderia melhorar ainda mais se previsse um intercâmbio maior entre artistas e regiões, expandindo as discussões. Também seria bacana se o modelo pudesse contemplar projetos mais multidisciplinares, podendo gerar resultados mais híbridos, independente do gênero da proposta”, afirma o integrante da Orquestra Organismo, que recebe apoio por meio do Mecenato.

Dentre os aspectos positivos apontados pelo artista, estão as bolsas. “Elas são vitais para fortalecer as práticas e todo seu cenário. É muito difícil o artista reconhecer-se como tal sem submeter-se ao jogo de interesses do espetáculo, que na maioria das vezes mata toda a intenção original em nome de supostos mercados que muitas vezes nem existem”, diz Soares.

Ao contrário do que vivenciou com a busca de apoio pela Lei Rouanet, Elisabete Soares, integrante do grupo Couve-Flor, conta que o acesso aos apoios por meio da lei municipal são mais fáceis. “Temos uma ótima interlocução para criação de projetos com a FCC. Já pudemos conversar com os responsáveis e fazer adaptações nas nossas propostas”, conta Finger.

Rouanet

Para Hladczuk, as mudanças na Lei Rouanet trarão mais fôlego aos processos de fomento à cultura. “Oxigenar esses processos é fundamental para que consigamos uma melhoria da qualidade dos projetos e produtos resultantes destes, bem como um maior acesso da comunidade a esses mecanismos. Isso possibilita que as populações tenham oportunidades de conhecimento e apropriação dos bens culturais que retratam a nossa identidade. Há que se ter visão para que tais processos sejam adequados às realidades, respeitando-se a diversidade cultural e ainda as especificidades de cada área”, opina Hladczuk.

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