O brilho das grandes músicas sertanejas

Segunda-feira, o jornal Folha de S. Paulo divulgou uma lista ao mesmo tempo inusitada e brilhante – as maiores músicas caipiras da história. É inusitada porque a crítica musical, na sua quase totalidade, relega a música sertaneja ao último plano. E é brilhante porque mostra a importância do estilo na formação cultural brasileira, pela repercussão das canções escolhidas à época do lançamento e para a posteridade.

É o caso da mais votada pelos críticos, Tristeza do Jeca, de Angelino de Oliveira. A canção foi composta em 1918, e é considerada uma das primeiras “caipiras” a ter sucesso nacional, quando da gravação de Tonico e Tinoco, quarenta anos mais tarde.

Na singeleza de seus versos, citados inclusive no início da música (“Nestes versos tão singelos / minha bela, meu amor / pra mecê quero contar / o meu sofrer e a minha dor…”), encontram-se achados linguísticos, como o “mecê”, contração de “vosmecê”, que é contração de “vossa mercê”, como se tratavam as pessoas no final do século XIX.

Simplicidade e elegância também se misturam em temas como Luar do sertão, de João Pernambuco e Catulo da Paixão Cearense. A rigor, o tema é de Pernambuco, que depois foi “ajeitado” por Catulo, especialista em criar letras para canções de outros compositores.

É uma música também do início do século passado, mas que tem regravações das mais diversas, desde Carlos Galhardo, Tonico e Tinoco, Raimundo Fagner, Chitãozinho e Xororó, Milton Nascimento e Pena Branca & Xavantinho. Não é à toa, pois Luar do sertão consegue transportar o ouvinte para a bela crueza sertaneja: “Esse luar lá da cidade tão escuro / não tem aquela saudade do luar lá do sertão…”.

Cidade e campo também estão próximas no clássico Menino da porteira, de Teddy Vieira – um dos principais compositores da música caipira. A canção só foi se tornar grande quando Sérgio Reis, egresso da Jovem Guarda, regravou-a em 1973. Sucesso tão grande que virou filme, campeão de bilheteria nos anos 70s e refilmado agora, com Daniel no papel principal. Esta é uma daquelas músicas caipiras que estão no inconsciente coletivo dos brasileiros, até mesmo daqueles mais urbanos.

Assim como Saudade da minha terra, outra canção “caipiro-urbana”, se é que cabe o neologismo. Até mesmo os roqueiros não resistem aos primeiros versos da música: “De que me adianta viver na cidade / se a felicidade não me acompanhar…”. Para os críticos, não há canção mais representativa do sentimento do sertanejo quando chega à cidade grande.

Sem falar nos três grandes temas “eruditos”, que são Romaria, Disparada e No rancho fundo. Esta última, mais antiga, tem como compositores os gênios Ary Barroso e Lamartine Babo, e fez sucesso inicialmente na versão instrumental do piano de Ary.

Disparada foi a primeira música a usar com perfeição o mundo rural em uma canção de protesto – e a sensacional interpretação de Jair Rodrigues valorizou ainda mais a composição de Geraldo Vandré e Téo de Barros. E Romaria, de Renato Teixeira, uniu melodia rural, letra superior à média e a voz de Elis Regina, que transformou a canção em uma joia vinda da roça.

E tantas outras, compostas ou interpretadas por Milionário e José Rico, Tião Carreiro e Pardinho, Carreirinho, Inezita Barroso, Cascatinha e Inhana, Almir Sater e Rolando Boldrin. Gente que fez e faz da música sertaneja um estilo único na nossa mistura cultural – e, com caráter eminentemente popular, ser uma das mais importantes na formação como brasileiros.

cristiantoledo@oestadodoparana.com.br

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