Morte de Penalva deixa músicos órfãos

O Madrigal Vocale fez ontem na Igreja do Sagrado Coração de Maria, em Curitiba, a apresentação mais dolorosa em seus vinte anos de história: o coral de 23 vozes, enriquecido por cantores que já passaram pelo grupo, fez um concerto na missa de corpo presente do seu maestro e fundador, o compositor, professor e teólogo Padre José de Almeida Penalva, falecido no último domingo no Hospital Cajuru, em decorrência de uma teridonite (infecção no abdômen).

Já havia dois anos que o maestro vinha lutando contra o Mal de Parkinson e outras complicações da idade, pioradas por uma queda que lesionou o seu joelho e o fazia andar com dificuldade, além de uma cirurgia na cabeça. Sucessor escolhido pelo próprio Padre Penalva, o médico e maestro Bruno Spadoni acompanhou de perto toda a agonia do mestre: “Ele sofreu bastante, e alternava momentos inconscientes com outros de lucidez. Mas quando se falava de música, ou do Madrigal, o seu rosto se iluminava”, conta.

Bruno teve a difícil missão de reger o coral na apresentação de ontem. “Foi muito bonito, conseguimos reunir pessoas que não cantavam conosco há mais de 15 anos. E eu tive a nítida impressão de que ele estava nos conduzindo”, lembra, emocionado.

Discípulo devotado, ele fala do estilo e do jeito de ser do maestro: “O padre tinha uma paixão, uma obstinação por fazer as coisas o mais perfeito possível, quase além da nossa capacidade técnica”, relembra. “Quando ele fazia um gesto, a expressão dele carregava tanto sentimento, que a música soava mágica”.

Bruno conta que a dedicação era tanta, que o Padre Penalva chegava a rezar uma novena para Santa Terezinha quando as coisas não iam muito bem com o grupo. “E sonhava com as músicas… quando ele chegava no ensaio contando, a gente sabia que ia ser um terror”.

O médico, que já estava à frente do Madrigal nos últimos dois anos, promete seguir os passos do mestre: “Sinto-me órfão, desolado como se tivesse perdido um pai. Mas vou me dar por inteiro, e vamos lutar muito para manter as características do grupo. Vamos trabalhar ao máximo, ensaiar exaustivamente, para manter o nível da obra do Padre Penalva. Ele sempre dizia que queria que o Madrigal Vocale fosse lembrado no século XXV, e vamos fazer tudo para perseguir esse ideal”. O Madrigal Vocale deve se apresentar novamente na mesma Igreja do Sagrado Coração Maria, no próximo domingo, na Missa de Sétimo Dia do maestro. Bruno Spadoni adianta que uma terceira apresentação deve acontecer por ocasião dos trinta dias do falecimento, em local e horário ainda a definir.

Colega do Padre Penalva no Studium Theologicum e na Comunidade dos Irmãos Claretianos, o professor de teologia e padre Jaime Sanchez ratifica a impressão de Spadoni: “Ele era muito sensível e cordial, tinha um temperamento muito otimista, que lhe permetia viver cercado de amigos e admiradores”.

Sanchez lembra que o maestro esteve presente em todos os grandes movimentos musicais de Curitiba a desde a metade do século passado. “Ele foi um professor muito atuante da Escola de Música e Belas Artes do Paraná (Embap), fundou a Sociedade Pró-Música em 1963, atuou em conjunto com a Camerata Antiqua de Curitiba e a Orquestra Sinfônica do Paraná e ajudou a organizar os festivais de música dos anos 60 e 70 e as recentes oficinas de música”.

Cidadão honorário

José de Almeida Penalva nasceu no dia 15 de maio de 1924 em Campinas (SP), estudou composição em São Paulo e no Conservatório Santa Cecília em Roma. Na capital italiana, também fez doutorado em teologia na Pontifícia Universidade Gregoriana. Radicou-se em Curitiba no início dos anos 60, quando fundou a Sociedade Pró-Música do Paraná. Também ajudou a criar o Conselho Estadual de Música, a secção brasileira do Sociedade Internacional de Música Contemporâena e a Sociedade Brasileira de Musicologia, da qual foi vice-presidente. Era ainda um dos maiores especialistas do País em Carlos Gomes, sobre quem fez uma monografia premiada pela Funarte/Ministério da Educação em 1986. Em 1988, recebeu do Governo do Estado o título de Cidadão Honorário do Paraná.

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