Grande Curitiba: Um olhar sobre a evolução urbana (I)

Demanda x Oferta

As palavras do eminente historiador paranaense sintetizam bem a atratividade dos assentamentos humanos no planalto curitibano. Do lado da demanda, a pergunta é: o que faz tanta gente querer morar em Curitiba e seus arredores?

No final do século XX as cidades despontaram como o local de vida da maior parte dos seres humanos, uma vez que a parcela da população urbana passou a superar a rural em termos mundiais. Também o número de cidades que ultrapassam a marca do milhão de habitantes multiplicou-se nesse século, sendo que atualmente existem até mesmo metrópoles que excedem os 10 milhões, entre elas São Paulo, no Brasil. Basta dizer que em 1801, portanto no início do século XIX, apenas Londres tinha mais de um milhão de habitantes, os quais já chegavam a 6,5 milhões cem anos depois, em 1900 (hoje estabilizados ao redor de sete milhões).

Seguindo a tendência mundial, em apenas trinta anos o Brasil viu sua população passar de preponderantemente rural para dominantemente urbana, sendo que oito em cada dez dos seus habitantes se abrigam nas cidades nesta virada de século. O mesmo ocorreu com o Estado do Paraná, apesar de fortemente embasado na economia rural, onde também mais de 80% da população vive hoje nas cidades.

Nas capitais com mais de um milhão de habitantes – entre elas Curitiba com cerca de 1,6 milhão – vivem quase 20% da população total nacional. Se consideradas as aglomerações urbanas com mais de um milhão de habitantes, identificadas como regiões metropolitanas no censo de 2000, essa proporção quase dobra (37%).

Por sua vez, a Região Metropolitana de Curitiba apresentava uma população de 2,7 milhões de habitantes em 2000, dos quais mais de 90% são urbanos. Estes representavam quase um terço da população urbana do Estado do Paraná, enquanto somente o município da capital correspondia a 20% da população urbana paranaense. Ou por outra, de cada dez habitantes do Paraná que moram em cidades, dois moram em Curitiba e mais um mora nos municípios vizinhos.

Portanto existe uma concentração marcante da população nos municípios da Região Metropolitana de Curitiba, em face ao Estado, principalmente se considerada a parcela urbana.

Portanto, a qualidade da vida da grande maioria das pessoas depende eminentemente da qualidade das suas cidades, pois o hábitat urbano é o que mais influencia a vida das pessoas no mundo, em nosso País e na Região Metropolitana de Curitiba. Neste último nível territorial, a população cresceu à taxa média de 3% ao ano nos últimos vinte anos, o que representa dobrar de população a cada 24 anos, demonstrando a atratividade desse locus urbano.

Mantida esta taxa histórica já em 2003 a população metropolitana terá quase 3 milhões de habitantes, os quais deverão ser cerca de 4 milhões dez anos depois, se nada for feito para intervir nesse tipo de crescimento. Pelo lado da oferta, o problema é: como prover um espaço urbano equivalente a uma nova cidade para um milhão de habitantes em dez anos, se esse for o caso, ou em vinte, na melhor das hipóteses?

Qualidade de vida

Curitiba vem encimando todas as listas de melhores cidades brasileiras para se viver ou se fazer negócios já há algum tempo. Realizado pela revista Exame(2), estudo recente das cidades brasileiras com cerca de 100 mil habitantes ou mais considerou Curitiba como a melhor cidade para fazer negócios no Brasil, por dois anos consecutivos (2000 e 2001), correspondendo àquela que apresentou a melhor combinação dos indicadores ponderados em relação à média de todos os analisados.

A análise, feita com base em valores absolutos e per capita, resultou em cerca de 85 indicadores para cada um dos municípios examinados, definindo fatores fundamentais para o ambiente dos negócios. Como, por exemplo, o tamanho do mercado em cada cidade, a infra-estrutura disponível, facilidades operacionais como a proximidade dos grandes mercados consumidores, qualidade de vida e tendência dos investimentos.

Para analisar esses itens, a pesquisa considerou indicadores pertencentes a população e crescimento, distribuição de renda e classe sociais, potencial de consumo, educação e grau de escolaridade, saúde, estrutura empresarial, agropecuária, acesso a mercados, segurança, entre outros grupos.

Em Curitiba, o consumo per capita, de 5,2 mil dólares, é mais do que o dobro da média nacional e só perde para o de Porto Alegre. O seu potencial de consumo é de 8.2 bilhões de dólares, por ano, contra a média de 1,2 bilhão das 234 cidades brasileiras pesquisadas. Juntas, as famílias das faixas mais altas de renda (classe A e B) respondem por 74% desse potencial. Sozinho, o setor de serviços responde por 51,2% das atividades geradoras de renda.

Daí inquirir-se: como se formou e cultivou a qualidade de vida característica de Curitiba, que faz com que seja eleita por alguém não só para estabelecer-se com seu negócio mas também com a moradia permanente de sua família?

Um dos fatores importantes para esse resultado me parece ter sido o processo de planejamento urbano institucionalizado, cujos primeiros passos foram ações encetadas ainda na década de 60 do século passado, tais como o fechamento aos carros da Rua XV de Novembro, ressurgida como Rua das Flores para o desfile dos pedestres.

Logo a população tornava-se cúmplice dos urbanistas e exigia tratamento das fachadas dos prédios antigos ao longo desse novo footing. Em pouco tempo, idéias de novos equipamentos como teatros e museus, de mobiliário e de parques urbanos saíam das pranchetas e eram implantadas com o entusiasmo de todos os curitibanos. Estava definida a trajetória de sucesso para as propostas de melhoria da qualidade urbana, visão que permaneceu ao longo do tempo, porque baseou-se em mudança de paradigmas que constituíram uma identidade urbana muito bem definida.

Por outro lado, a atratividade gerada por esse quadro de qualidade de vida pode provocar descompassos ocasionados pela migração humana que busca novas apropriações do espaço, às vezes desordenadamente. Por isso, há que se ter atenção permanente para a deterioração ambiental, sobretudo no continuum urbano metropolitano.

Com a justificativa do início do terceiro milênio vale a pena tecer considerações sobre a ocupação do espaço metropolitano de Curitiba, fazendo retrospectiva sobre a evolução passada de modo a provocar o olhar em perspectiva sobre o que se pode pretender para o conjunto do aglomerado metropolitano neste novo século.

Esse caminhar do pensamento urbanístico percorre vereda aberta que faz questão de ver o fato urbano como se fosse pelos olhares da águia mitológica de duas cabeças,(3) uma voltada para o passado e outra para o futuro. A visão à frente perscruta uma rede mundial de cidades (não a web virtual que os computadores pessoais consagraram, mas a articulação ecumenopolitana(4) real, com as principais metrópoles de cada continente formado hubs – centros de desenvolvimento fortemente interligados nessa visão de mundo do século XXI).

O que fará da Grande Curitiba uma cidade verdadeiramente mundial? É possível torná-la competitiva como espaço produtor ao mesmo tempo em que é mantida ambientalmente sadia como espaço habitável, dentro do conceito de desenvolvimento sustentável, respeitando solidariamente as necessidades de inclusão de seus habitantes? Para responder é necessário analisá-la desde as suas origens.

Notas e referências bibliográficas

(1) Alfredo Romário Martins. História do Paraná. São Paulo: Editora Rumo, 1939. 2.ª Edição.

(2) Liège Fuentes. Curitiba: a nova onda da bicampeã. In Revista Exame: São Paulo, 12 dez 2001. pp. 56 & 57.

(3) Constantino Doxiadis. The Two Headed Eagle: From the Past to the Future of Human Settlements. Atenas: Lycabettus Press, 1972.

(4) C. A. Doxiadis e J.G. Papaioannou. Ecumenopolis: the Inevitable City of the Future. Atenas: Athens Center of Ekistics, 1974.

Vicente de Castro Neto é arquiteto e urbanista.Formado na primeira turma do Curso de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal do Paraná em 1966, onde depois foi professor regente de Teoria do Planejamento e de Planejamento Urbano e Regional. Participou da equipe do Plano Preliminar de Urbanismo de Curitiba, tendo também criado e coordenado o órgão responsável pela Região Metropolitana de Curitiba – Comec, ao mesmo tempo que dirigiu a elaboração do Plano de Desenvolvimento Integrado da Região Metropolitana, publicado em 1978.

No próximo domingo :Evolução da ocupação urbana no planalto curitibano.

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