Clair de Lune, composição de Debussy, completa cem anos

d41.jpgO luar surge na face escura da Terra há bilhões de anos, embora somente há 100 anos tenha se traduzido em música. Clair de Lune, uma das composições clássicas mais belas e executadas em todo mundo completa seu centenário neste ano. Composta em 1905, como parte da Suíte Bergamasca, Clair de Lune imortalizou seu criador, o francês Claude Debussy, e tornou-se um dos maiores ícones da música erudita em todo mundo.

Para chegar a compor sua grande obra, Claude Debussy superou inúmeras barreiras. Em 1862, quando nasceu, sua família passava por dificuldades. O menino de cabeça disforme e temperamento extremamente introvertido, chegou a ser apontado como vítima de um retardamento mental, incapacitado para o aprendizado, inclusive da música. Filho de um pequeno comerciante de Saint Germane en Laye, teve uma infância humilde, repleta de rejeição.

Aos nove anos de idade, Debussy teve seu primeiro contato com o piano, instrumento para o qual compôs Clair de Lune. Isto ocorreu quando residia em Cannes, na casa de seus padrinhos. Os primeiros professores nunca viram nele qualquer potencial. Era um aluno medíocre e foi rejeitado ao tentar estudar no conservatório de música de Paris. Por insistência de uma influente professora, acabou aceito, porém com reservas.

Foram mais de 10 anos de estudos exaustivos e conflitos com seus mestres. Debussy insistia em subverter os rígidos padrões de composição e execução da música erudita. Um temperamento inquieto, contestador, que levou-o rapidamente a enfronhar-se na efervescência cultural da época, na qual despontavam Rimbaud, Balzac, Manet, Renoir e Van Gogh.

O destino levou Debussy a ser um dos compositores mais executados em toda França e ser incluído como um dos expoentes do movimento impressionista. Sua obra converteu-se na precursora da música moderna e o elevou ao status de um dos mais importantes compositores do final do século 19 e começo do 20.

O genial Debussy apresentou a partitura de Clair de Lune em 1905. Nesta época, já sentia os primeiros sintomas do câncer que acabaria com sua vida, 13 anos mais tarde, no dia 25 de março de 1918, em Paris. Sua inspiração teria vindo de um momento de extrema solidão, na sacada de um prédio, ao ver o clarão da Lua cheia sobre a capital francesa. Essa é apenas uma das várias histórias que cercam a vida deste músico e, no entanto, nunca confirmada.

De tão popular, no afã de aproximar-se ainda mais de sua beleza, o título Clair de Lune, em francês, acabou sendo distorcido em outras línguas, sendo também chamado de Claire de Lune. Na verdade, isto pouco importa, ao ouvir e deixar-se levar pela singeleza de suas notas, pela leveza da construção de frases um tanto melancólicas, lindas e serenamente angustiadas. Neste momento só existirá a sensação de imortalidade da obra de Debussy.

Só restará, então, a fantasia de se pensar em quantos amores e paixões foram irrompidos e sepultados no devaneio desta música ao longo deste século. Quantos poemas escritos sob suas notas perfeitamente precisas, numa harmonia carregada de emoção. Ou naqueles que quiseram sentir o mesmo que Debussy e tantos outros que tiveram a rara felicidade de serem tocados por tamanha sensibilidade.

Depois de se escutar Clair de Lune se tem a certeza de que a música pode se transformar numa imensa e celestial pintura. Num retrato impressionista e único do espetáculo da natureza, que sem custar uma só moeda a ninguém, é derramado diariamente pelo Universo sobre a Terra. Mais que uma tradução, Debussy comprovou que a alegria se confunde com a euforia assim como a felicidade se aproxima de uma cândida tristeza.

Júlio Ottoboni é jornalista.

Música ganha espaço no cinema

Sâmar Razzak

Provavelmente você já deve ter ouvido Clair de Lune. Esta música já foi usada no cinema, televisão, teatro e é tida como a composição clássica mais executada de todos os tempos. Mas isso não faz ninguém cansar dela, mesmo 100 anos depois de ter sido composta. Toda vez que aquelas notas doces, melancólicas e de um romantismo ímpar são executadas, fica difícil conter a vontade de suspirar.

Talvez tenha sido no cinema que Clair de Lune ganhou mais espaço. Um filme, em especial, traz a música como pano de fundo e fio condutor da trama. Frankie e Johnny, de Garery Marshall – o mesmo diretor de Uma Linda Mulher – tem como protagonistas Al Pacino e Michele Pfeifer. O romance da garçonete desiludida, com um cozinheiro e ex-presidiário, é marcado pela música. O filme é baseado numa peça de teatro que fez sucesso no circuito off-Broadway nos anos 80: Frankie and Johnny in the Clair de Lune, de Terrence McNally.

E a lista de filmes segue. Clair de Lune está em Os Eleitos, dirigido por Philip Kaufman e baseado na obra de Tom Wolfe. O filme narra a história do pioneiro programa espacial Mercury e, numa cena famosa na qual um ballet de anjos simboliza os astronautas, a melodia serve como trilha sonora da inusitada dança. A música pode ser conferida ainda em Alma corsária, de Carlos Reinchenbach; no clássico vietnamita O cheiro de papaya verde e em Sete anos no Tibet.

Talvez a mais recente aparição da música tenha sido na produção de Steven Soderbergh Onze Homens e um Segredo. O filme, que é uma refilmagem do clássico homônimo dos anos 50, já no começo presenteia a platéia com uma cena memorável: os ladrões vibrando com o sucesso de um grande assalto ao som da composição de Debussy.

Bem antes de todos estes filmes adotarem a bela composição, a música já havia sido utilizada pelo então desconhecido cenarista Orson Welles – e que mais tarde tornou-se o grande cineasta mundialmente conhecido.

Em 1938, quando fez sua famosa e extraordinária irradiação da Guerra de Dois Mundo, obra de H. G. Wells, Welles fez uso de um trecho de Clair de Lune antes de aterrorizar os norte-americanos com a falsa notícia de que Terra estava sendo invadida por marcianos.

A televisão também usou bastante a obra mais conhecida de Debussy. No ano passado, a Chanel gastou R$ 20 milhões para rodar um comercial de dois minutos, do perfume Chanel número 5. O produto em questão nem aparece no filme. No fim do comercial é feita uma sutil referência a ele. Mas ninguém se importa.

O diretor Baz Luhrmann, de Moulin Rouge, foi chamado para filmar o comercial mais caro da história. A atriz Nicole Kidman e o ator brasileiro Rodrigo Santoro são os personagens principais do mini-filme, que conta a história de uma atriz que foge de fotógrafos em uma première e termina nos braços de um estranho escritor. Os dois se apaixonam e tudo é embalado ao som da Orquestra Sinfônica de Sydney, que toca uma versão moderna e intensa de Clair de Lune.

Independente de quem já usou ou deixou de usar a composição de Debussy, é bom saber que mesmo 100 anos depois de ter sido criada, a música continua despertando interesse. Mas, para quem a conhece, não é difícil imaginar a razão de tanto sucesso. Quem ainda não ouviu, não sabe o que está perdendo.

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