Bruno Hendler

Livre iniciativa e Dignidade Humana

A nova ordem mundial e o desafio nuclear de países periféricos: oportunidade para o desenvolvimento ou caminho para a guerra?

Relevada a importância do cenário internacional para o mercado econômico interno e externo, justifica-se a importância do tema
Em abril de 2009, o então recém-eleito presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, fez um discurso inusitado na capital da República Tcheca. No mesmo dia em que a Coréia do Norte fazia testes nucleares que causaram tremores de terra nos vizinhos do sul, declarou com todas as letras: “afirmo claramente e com convicção o compromisso dos Estados Unidos de buscar a paz e a segurança de um mundo livre de armas nucleares”(1). Cerca de um ano depois, não é possível afirmar que este mundo, seguro e livre de armas nucleares, esteja mais próximo. Pelo contrário, o que se percebe é a incapacidade das instituições de Direito Internacional em responder aos novos desafios.

De tempos em tempos o sistema internacional passa por reorganizações estruturais, quando as instituições criadas para manter a estabilidade perdem sua eficácia, e a hierarquia entre Estados sofre sérios abalos, culminando num vácuo de poder deixado por hegemonias em declínio. Nas reorganizações do passado, as mudanças de eixo econômico, o surgimento de novos centros de poder e a obsolescência das instituições jurídicas internacionais culminaram em guerras de grandes proporções entre poderes estabelecidos e novos players de grande porte.

Desde os anos 1990, estes três elementos estão em desdobramento, ou seja, estamos entrando na terceira década de transformações estruturais. Porém, com uma grande diferença: o poder de destruição das armas nucleares é tamanho, que as mudanças na hierarquia de poder mundial não podem culminar numa nova escalada da violência entre o establishment e os centros em ascensão, sob o risco de uma catastrófica guerra nuclear. Em oposição aos tempos de Clausewitz(2), a singularidade do atual momento das relações internacionais está na impossibilidade da guerra como continuação da política por outros meios. Será?

Em relação aos países do establishment político e econômico surgem duas linhas diferentes de política externa entre os países periféricos e semi-periféricos. De um lado, há os adeptos da estratégia do catch up, que, segundo José Luis Fiori, “aproveitam os períodos de mudança internacional para mudar sua posição na hierarquia de poder internacional, por meio de políticas agressivas de crescimento econômico”(3), ou seja, nestes casos o fortalecimento econômico antecede e sustenta o político e militar. Em geral, são países semi-periféricos, como Brasil, Índia, África do Sul, Indonésia, China, e outros tantos, alguns pequenos como Bahrein e Coréia do Sul que, dentro dos princípios e regras do capitalismo, transformam a ordem econômica mundial e buscam o desenvolvimento.

A outra linha de política externa é mais difundida entre países periféricos, muitos não democráticos, que privilegiam a contestação política em detrimento do desenvolvimento econômico, por vezes para garantir apoio interno e legitimar o controle do Estado. Venezuela, Coréia do Norte e Irã são os principais exemplos do uso de ideologias políticas mescladas com elementos locais – étnicos, culturais ou religiosos – como forma de contestar a assimetria de poder e riqueza entre as nações.

De acordo com o padrão das reorganizações sistêmicas, os Estados que emergem como forças econômicas, integrando-se – ainda que com muito protecionismo e concorrência de empresas estrangeiras – nas cadeias de mercadorias do capitalismo, tendem a ganhar espaço no cenário internacional e garantir uma crescente prosperidade econômica. Já aqueles que se limitam a condenar as mazelas do capitalismo e vêem os países centrais como únicos culpados pelo subdesenvolvimento, acabam perdendo a oportunidade – que raramente aparece – de atender aos interesses nacionais, lançando suas populações em campanhas cívicas e militares que mais trazem ruína e privação.

Não obstante, a difusão da tecnologia nuclear, antes restritas aos países do centro, se tornou um “atalho ao sucesso” para os países periféricos de contestação ideológica, cujos governos almejam uma ascensão rápida e milagrosa no cenário internacional e profetizam a destruição do mundo desenvolvido. O caso que mais atrai holofotes é o do Irã, cujo governo teocrático patrocina grupos terroristas, ameaça abertamente outros Estados e esconde usinas nucleares de inspeções internacionais. Apesar de declarar que seu programa seja voltado para fins pacíficos, é nítida a intenção de confrontação militar do governo dos Aiatolás, que está localizado sobre uma das maiores reservas de petróleo do mundo. Assim, uma vez adquirida a tecnologia de enriquecimento de urânio para fins pacíficos, a contagem regressiva para a construção de uma bomba atômica estará iniciada, e o risco de um ataque nuclear, feito pelo próprio Irã ou por algum grupo terrorista financiado por este país, crescerá consideravelmente.

Frente a este desafio imposto não apenas às potências nucleares, mas a toda a comunidade internacional, tem-se o seguinte cenário: a impotência dos países centrais e a ineficácia do Direito Internacional para praticar uma corrida tecnológica reversa que coíba a proliferação de armas de destruição em massa entre países periféricos e organizações terroristas; o surgimento de alguns países periféricos que contestam politicamente a ordem mundial, dentre eles o Irã, cujo governo deseja inserir-se no grupo de países “atômicos” como forma de barganhar com os países centrais e intimidar adversários reais e imaginários; e a ascensão de países semi-periféricos, entre eles o Brasil, que aproveitam o arrefecimento econômico dos países desenvolvidos e ocupam importantes espaços estratégicos em suas áreas de influência.

Estes países intermediários são a chave para a resolução de possíveis conflitos entre centro e periferia. Mas ao contrário do que tem interpretado a política externa brasileira, a questão nuclear, por extrapolar a esfera da simples geração de energia, não pode ser tratada como mera ferramenta de desenvolvimento econômico. O respeito mundial adquirido com a participação do Brasil em fóruns multilaterais, como a Organização Mundial do Comércio (OMC), e sua inserção regional, deveriam servir como exemplo a ser seguido por países como o Irã, e não usado por este para ganhar tempo nas negociações com os grandes.

Em seu discurso, Obama também disse que o mundo está mais distante de uma guerra nuclear e mais próximo de um ataque nuclear. Infelizmente, esta observação é mais realista do que o prenúncio de uma ordem mundial livre de armas nucleares, pois, como diria John Keegan(4), “as armas nucleares não podem ser ‘desinventadas'”, e a insegurança gerada por elas deve ser combatida com a restrição de sua difusão.

Notas:

(1) Disponível em: http://prague.usembassy.gov/obama.html. Acesso em: 01 de agosto de 2010.
(2) Carl Von Clausewitz (1780-1831) foi um militar prussiano que ganhou notoriedade ao comandar exércitos prussianos e russos em batalhas contra o exército de Napoleão Bonaparte. Após os anos de combate e liderança nos campos de batalha, escreveu a clássica obra “Da guerra”, em que propõe um estudo aprofundado da lógica da guerra, até a sua época.
(3) Fiori, José Luis. O poder global e a nova geopolítica das nações. São Paulo: Boitempo, 2007, p.34.
(4) Keegan, John. Uma história da guerra. São Paulo: Companhia das Letras, 2006.

Coluna sob responsabilidade dos membros do grupo de pesquisa do Mestrado em Direito do Unicuritiba: Livre Iniciativa e Dignidade Humana (Ano II), liderado pelo advogado e Prof. Dr. Carlyle Popp e pela advogada e Profa. M.Sc. Ana Cecília Parodi. grupodepesquisa.mestrado@ymail.com.

Esta coluna tem compromisso com os Objetivos para o Desenvolvimento do Milênio.

Bruno Hendler é bacharel em Relações Internacionais (UniCuritiba), graduando em História (UFPR) e membro do projeto de pesquisa “Livre iniciativa e dignidade da pessoa humana – ano II”, vinculado ao projeto de iniciação científica “Relações Internacionais, Artes e Direito”, sob orientação da Prof.a M. Sc. Ana Cecília Parodi.

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