Descaminho: o crime tributário aduaneiro

 

            Um tema atualíssimo, na doutrina e nos tribunais é o da real natureza jurídica do crime de descaminho (CP, art. 334). Há controvérsia sobre se seria um crime contra a Administração Pública – tal como enquadrado no Código Penal; ou se seria verdadeira espécie de crime tributário, embora localizado no código. A 1ª Turma do STF já se posicionou:

“PENAL. HABEAS CORPUS. DESCAMINHO (ART. 334, § 1º, ALÍNEAS “C” E “D”, DO CÓDIGO PENAL). PAGAMENTO DO TRIBUTO. CAUSA EXTINTIVA DA PUNIBILIDADE. ABRANGÊNCIA PELA LEI Nº 9.249/95. NORMA PENAL FAVORÁVEL AO RÉU. APLICAÇÃO RETROATIVA. CRIME DE NATUREZA TRIBUTÁRIA.

1. Os tipos de descaminho previstos no art. 334, § 1º, alíneas “c” e “d”, do Código Penal têm redação definida pela Lei nº 4.729/65.

2.  A revogação do art. 2º da Lei nº 4.729/65 pela Lei nº 8.383/91 é irrelevante para o deslinde da controvérsia, porquanto, na parte em que definidas as figuras delitivas do art. 334, § 1º, do Código Penal, a Lei nº 4.729/65 continua em pleno vigor.

3. Deveras, a Lei nº 9.249/95, ao dispor que o pagamento dos tributos antes do recebimento da denúncia extingue a punibilidade dos crimes previstos na Lei nº 4.729/65, acabou por abranger os tipos penais descritos no art. 334, § 1º, do Código Penal, dentre eles aquelas figuras imputadas ao paciente – alíneas “c” e “d” do § 1º.

4. A Lei nº 9.249/95 se aplica aos crimes descritos na Lei nº 4.729/65 e, a fortiori, ao descaminho previsto no art. 334, § 1º, alíneas “c” e “d”, do Código Penal, figura típica cuja redação é definida, justamente, pela Lei nº 4.729/65.

5. Com efeito, in casu, quando do pagamento efetuado a causa de extinção da punibilidade prevista no art. 2º da Lei nº 4.729/65 não estava em vigor, por ter sido revogada pela Lei nº 6.910/80, sendo certo que, com o advento da Lei nº 9.249/95, a hipótese extintiva da punibilidade foi novamente positivada.

6. A norma penal mais favorável aplica-se retroativamente, na forma do art. 5º, inciso XL, da Constituição Federal.

7. O crime de descaminho, mercê de tutelar o erário público e a atividade arrecadatória do Estado, tem nítida natureza tributária.

8. O caso sub judice enseja a mera aplicação da legislação em vigor e das regras de direito intertemporal, por isso que dispensável incursionar na seara da analogia in bonam partem.

9. Ordem CONCEDIDA.” (Destacamos)

(STF – HC 85942/SP – 1ª T. – Rel. Min. Luiz Fux – DJe de 1º.8.11)

 

            Eis a íntegra do acórdão:

RELATÓRIO

O Senhor Ministro Luiz Fux (Relator): Trata-se de habeas corpus, com pedido de liminar impetrado contra ato do Superior Tribunal de Justiça consubstanciado em acórdão cuja ementa tem o seguinte teor (fl. 18):

PROCESSUAL PENAL. RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. DESCAMINHO. TRANCAMENTO DE INQUÉRITO. FALTA DE JUSTA CAUSA. EXTINÇÃO DA PUNIBILIDADE. PAGAMENTO DO TRIBUTO. APLICAÇÃO ANLÓGICA DA LEI Nº 9.249/95. IMPOSSIBILIDADE.

I – O trancamento de inquérito por ausência de justa causa, conquanto possível, cabe, apenas, nas hipóteses em que evidenciado de plano a atipicidade do fato ou a inexistência de autoria por parte da paciente. (Precedentes).

II – A Lei nº 9.249/95 é taxativa ao estabelecer no caput do art. 34 a extinção da punibilidade do agente que promover o pagamento do tributo ou contribuição social, inclusive acessórios, antes do recebimento da denúncia. apenas em relação aos crimes definidos na Lei nº 8.137, de 27 de dezembro de  1990, e na Lei nº 4.729, de 14 de julho de 1965, não podendo, por isso mesmo, ser aplicada ao delito de descaminho previsto no art. 334 do Código Penal.

Recurso desprovido.

2. Colho dos autos que o paciente fora denunciado pela prática de fato descrito no art. 334, § 1º, alíneas ‘c’ e ‘d’, do Código Penal (figuras equiparadas a descaminho). Na denúncia consta que o paciente “expôs à venda, manteve em depósito, adquiriu e recebeu, em benefício próprio, no exercício de atividade comercial, mercadoria de procedência estrangeira que sabia ser produto de introdução clandestina no território nacional, desacompanhada de documentação legal“.

3. Ainda no curso do inquérito policial, o paciente requereu ao Juízo da 7ª Vara Criminal da Seção Judiciária de São Paulo a extinção da punibilidade ante o pagamento dos débitos tributários, pleito que restou indeferido, nos seguintes termos:

Em que pese a boa fundamentação do pedido de extinção de punibilidade do autor de crime de descaminho pelo pagamento do tributo, de forma análoga à prevista para os crimes fiscais, no artigo 34, da Lei 9.249/95, ora formulado pelo ilustre e renomado advogado Sérgio Rosenthal, entendo que esse pedido não pode ser acolhido.

Com efeito, o descaminho não pode ser considerado mero crime fiscal, por o bem jurídico tutelado pelo art. 334, do Código Penal, é mais amplo, abrangendo a regularidade das importações e a política nacional de comércio exterior.

Somente mediante expressa previsão em lei federal poderia ser decretada a extinção da punibilidade do crime de descaminho, pelo pagamento do tributo antes do recebimento da denúncia, como pretende o requerente.

Ausente autorização normativa, e não sendo possível aplicar-se o artigo 34, da Lei n.º 9249/95, pela diferença de objeto juridicamente tutelado, o inquérito policial deve prosseguir.

Ante o exposto, indefiro o pedido de extinção da punibilidade e determino o regular processamento das investigações. (fl. 218 do apenso)

4. O impetrante formalizou habeas corpus perante o Tribunal Regional Federal da 3ª Região, no qual pleiteou o trancamento do inquérito policial, alegando a aplicabilidade do art. 34 da Lei nº 9.249/95 ao crime de descaminho para fins de decretar-se extinta a punibilidade ante o pagamento dos tributos devidos. O writ restou indeferido, sob o fundamento de que “a Lei n. 9.249/95 refere-se somente aos delitos definidos na Lei n. 8.137/90 e 4.729/65, não se aplicando ao crime de descaminho a causa extintiva de punibilidade prevista em seu art. 34” (fl. 19).

5. Daí a interposição de recurso ordinário para o Superior Tribunal de Justiça e a impetração do remédio perante esta Corte, com as mesmas causas de pedir submetidas ao TRF.

6. Às fls. 36-40, o impetrante requereu a concessão de liminar a fim de suspender o andamento da ação penal nº 97.010.5757-0, em trâmite perante a 7ª Vara Criminal da Justiça Federal em São Paulo, sobrestando-se a audiência de interrogatório. O pleito foi deferido pelo Ministro Eros Grau, então relator.

7. No mérito, pleiteia o deferimento da ordem para determinar-se o trancamento da ação penal, declarando-se extinta a punibilidade.

8. O Ministério Público Federal opina pela denegação da ordem (fls. 89-94).

É o relatório.

VOTO

O Senhor Ministro Luiz Fux (Relator): Deveras razão assiste ao impetrante. Dispõe o art. 34 da Lei nº 9.249/95:

Art. 34. Extingue-se a punibilidade dos crimes definidos na Lei nº 8.137, de 27 de dezembro de 1990, e na Lei nº 4.729, de 14 de julho de 1965, quando o agente promover o pagamento do tributo ou contribuição social, inclusive acessórios, antes do recebimento da denúncia.

Nota-se que os tipos imputados ao paciente na peça acusatória – art. 334, § 1º, alíneas “c” e “d”, do Código Penal – têm redação definida, ainda hoje, pela Lei nº 4.279/65, que no art. 5º dispõe, in verbis:

Art. 5ª No art. 334, do Código Penal, substituam-se os §§ 1º e 2º pelos seguintes:

§ 1º Incorre na mesma pena quem:

a) pratica navegação de cabotagem, fora dos casos permitidos em lei;

b) pratica fato assimilado, em lei especial, a contrabando ou descaminho;

c) vende, expõe à venda, mantém em depósito ou, de qualquer forma, utiliza em proveito próprio ou alheio, no exercício de atividade comercial ou industrial, mercadoria de procedência estrangeira que introduziu clandestinamente no País ou importou fraudulentamente ou que sabe ser produto de introdução clandestina no território nacional ou de importação fraudulenta por parte de outrem;

d) adquire, recebe ou oculta, em proveito próprio ou alheio, no exercício de atividade comercial ou industrial, mercadoria de procedência estrangeira, desacompanhada de documentação legal, ou acompanhada de documentos que sabe serem falsos.

§ 2º Equipara-se às atividades comerciais, para os efeitos dêste artigo, qualquer forma de comércio irregular ou clandestino de mercadorias estrangeiras, inclusive o exercido em residências.

§ 3º A pena aplica-se em dôbro, se o crime de contrabando ou descaminho é praticado em transporte aéreo.

Deveras, a redação em vigor do § 1º do art. 334 do Código Penal é a mesma introduzida pela Lei nº 4.729/65, tanto que, na página oficial da Presidência da República, consta, à frente do dispositivo, a cláusula “(Redação dada pela Lei nº 4.729, de 14.7.1965)”.

É verdade que a Lei nº 4.729/65 foi derrogada pela Lei nº 6.910, de 13 de julho de 1980, na parte em que determinava a extinção da punibilidade quanto aos crimes de contrabando ou descaminho em caso de pagamento do tributo. Eis o teor do art. 1º da referida lei:

Art 1º – O disposto no art. 2º da Lei nº 4.729, de 14 de julho de 1965, e no art. 18, § 2º, do Decreto-lei nº 157, de 10 de fevereiro de 1967, não se aplica aos crimes de contrabando ou descaminho, em suas modalidades próprias ou equiparadas nos termos dos §§ 1º e 2º do art. 334 do Código Penal.

Ressalte-se que o art. 2º da Lei nº 4.729/65 assim dispunha:

Art 2º Extingue-se a punibilidade dos crimes previstos nesta Lei quanto o agente promover o recolhimento do tributo devido, antes de ter início, na esfera administrativa, a ação fiscal própria.

Igualmente irrelevante para o deslinde da controvérsia a revogação do art. 2º da Lei nº 4.729/65 pela Lei nº 8.383/91, porquanto, na parte em que definidas as figuras delitivas do art. 334, § 1º, do Código Penal, a Lei nº 4.729/65 continua em pleno vigor.

Consectariamente, ao dispor que o pagamento dos tributos antes do recebimento da denúncia extingue a punibilidade dos crimes previstos na Lei nº 4.729/65, a Lei nº 9.249/95 acabou por abranger os tipos penais descritos no art. 334, § 1º, do Código Penal, dentre eles aquelas figuras imputadas ao paciente – alíneas “c” e “d” do § 1º.

Outrossim, afigura-se paradoxal afirmar que a Lei nº 9.249/95 se aplica aos crimes descritos na Lei nº 4.729/65 e não se aplica ao descaminho previsto no art. 334, § 1º, alíneas “c” e “d”, do Código Penal, figura típica cuja redação é definida, justamente, pela Lei nº 4.729/98, daí merecer reforma o entendimento externado pelo Tribunal Regional Federal e pelo STJ in casu.

Com efeito, quando do pagamento efetuado a causa de extinção da punibilidade prevista no art. 2º da Lei nº 6.910/80. No entanto, com o advento da Lei nº 9.249/95, a causa extintiva da punibilidade foi novamente positivada e, tratando-se de norma penal mais favorável, impõe-se a sua aplicação retroativa, na forma do art. 5º, inciso XL, da Constituição Federal.

Ademais, é nítida a natureza tributária do crime de descaminho, mercê de tutelar o erário público e a atividade arrecadatória do Estado. Nesse sentido, leciona a doutrina (In Rogério Greco, Curso de Direito Penal, v. IV, p. 524-525):

[…] Assim, enquanto o descaminho, fraude no pagamento dos tributos aduaneiros, é, grosso modo, crime de sonegação fiscal, ilícito de natureza tributária pois atenta imediatamente contra o erário público, o contrabando propriamente dito, a exportação ou a importação de mercadoria proibida, não se enquadra entre os delitos de natureza tributária. Estes, procedidos de uma relação fisco-contribuinte, fazem consistir, o ato de infrator, em ofensa ao direito estatal de arrecadar tributos. Em resumo, o preceito contido nas normas tipificadoras dos fiscais acha-se assentado sobre uma relação fisco-contribuinte, tutelando interesses do erário público e propondo-se, com as sanções respectivas, a impedir a violação de obrigações concernentes ao pagamento dos tributos. […]

In casu, CONCEDO a ordem para trancar a ação penal nº 97.010.5757-0, em trâmite perante a 7ª Vara Criminal da Justiça Federal em São Paulo.

É o meu voto.

VOTO

O Senhor Ministro Ricardo LewandowskiSenhora Presidente, considero que, no fundo, o crime de descaminho, a tipificação tem como escopo proteger a ordem tributária. O pagamento antes da denúncia parece-me que sana qualquer tipo de ilícito a ser perseguido pelo Estado.

Acompanho o Relator.

O Senhor Ministro Marco Aurélio Presidente, o descaminho também é espécie de sonegação fiscal e precisamos conceber que a persecução criminal, nesse campo, surge muito mais como meio coercitivo de chegar-se ao recolhimento do tributo. Tanto é assim que tivemos a regência da matéria, quanto à extinção da punibilidade, ante o pagamento. A meu ver, como ressaltado pelo Ministro Luiz Fux, aplica-se à espécie a Lei nº 9.249/95.

Portanto, acompanho Sua Excelência, concluindo pela extinção da punibilidade.

VOTO

A Senhora Ministra Cármen Lúcia (Presidente)Também acompanho o Relator para reconhecer a extinção da punibilidade, portanto, determinar, como ele, o trancamento da ação.” (destacamos)

 

N o t a s

 

            A decisão foi unânime, e segue uma tendência que ganha força na literatura e na jurisprudência, embora ainda seja minoritária.

O delito de descaminho, descrito no art. 334, caput, segunda parte, do CP, e alíneas, está inserido em seu Título XI – Dos Crimes Contra a Administração Pública, mais precisamente no Capítulo II – Dos Crimes Praticados por Particular Contra a Administração em Geral. Essa parte do Código é voltada, portanto, à tutela da Administração Pública em seus vários aspectos. Crimes de corrupção praticada por funcionários públicos (peculato, prevaricação, concussão etc.) e aqueles perpetrados por particulares contra a Administração Pública (desacato, corrupção ativa, tráfico de influência etc.) são punidos de acordo com as regras ditadas nessa altura da lei penal. Dessas várias espécies de crimes do mesmo gênero, dois, que estão alocados no mesmo Título XI, Capítulo II, possuem natureza tributária: o descaminho (CP, art. 334) e a sonegação de contribuição previdenciária (CP, art. 337-A do CP, inserido pela Lei nº 9.983/00).

Um dos indícios legislativos de que o descaminho é um crime tributário é o fato de que a atual redação de seu §1º, respectivas alíneas c e d, e do § 2º, foi determinada pela Lei nº 4.729/65, conhecida por haver criado a tipificação autônoma da sonegação fiscal. O fato de que o descaminho está previsto dentre os crimes contra a Administração Pública no Código Penal não altera sua essência tributária.

Desde Viveiros de Castro, era claro que o descaminho é um “crime contra a Fazenda Publica” (VIVEIROS DE CASTRO, Augusto Olympio. Contrabando. In Revista do Supremo Tribunal Federal, Rio de Janeiro, v. LIV, jul./1923, p. 503). Há, inclusive, precedentes jurisprudenciais expondo, desde a época da edição da Súmula 560, do STF (“A extinção de punibilidade, pelo pagamento do tributo devido, estende-se ao crime de contrabando ou descaminho, por força do art. 18, § 2º, do Decreto-Lei 157/1967” – DJ de 3.1.77), que “o descaminho não é mais que a sonegação dos tributos nos casos de importação ou exportação não proibida, como previsto no art. 334, da lei penal.” (TFR – HC 2375 – 2ª T. – Rel. Min. Américo Godoy Ilha – J. em 18.9.70 – trechos do voto do Ministro relator. In BUSSADA, Wilson. Contrabando e Descaminho interpretados pelos Tribunais. Campinas: Julex, 1997, p. 270. Itálicos não originais.)

Atualmente, a 6ª Turma do STJ decide no mesmo sentido, como demonstram os seguintes precedentes: “há que se manter  a decisão que trancou a ação penal por carência de justa causa, quanto aos crimes contra a ordem tributária ou de descaminho, se confirmado que o crédito tributário não está devidamente constituído” (STJ – AgRg no AgRg no RHC 19174 – 6ª T. – Rel. Min. Jane Silva – Dje de 28.4.08); “não há razão lógica para se tratar o crime de descaminho de maneira distinta daquela dispensada aos crimes tributários em geral” (STJ – HC 48805 – 6ª T. – Rel. Min. Maria Thereza de Assis Moura – DJ de 19.11.07); “o crime de descaminho, por também possuir natureza tributária, eis que tutela, dentre outros bens jurídicos, o erário público, deve seguir a mesma orientação [de que só pode haver persecução penal após o exaurimento da via administrativa], já que pressupõe a existência de um tributo que o agente logrou êxito em reduzir ou suprimir (iludir)” (STJ – HC 109205 – 6ª T. – Rel. Min. Jane Silva – DE de 9.12.08). Em sessão ocorrida em 06.02.09, afirmou-se o mesmo do julgamento anterior, por unanimidade (STJ – HC 113145 – 6ª T. – Rel. Min. Jane Silva – DE de 2.3.09); em sessão de 27.10.09, identificou-se o descaminho como crime tributário para afirmar que a ele aproveita a condição de exaurimento da via administrativa do art. 83 da Lei nº 9.430/96 (STJ – RHC 25228 – 6ª T. – Rel. Min. Nilson Naves – DE de 8.2.10). Nos autos do HC 160805, em que os impetrantes sustentam a identidade entre o descaminho e os crimes contra a ordem tributária, a decisão liminar do Ministro relator, reconhecendo a jurisprudência majoritária da corte a favor da impetração, determinou a suspensão do andamento de ação penal (STJ – HC 160805 – 6ª T. – Rel. Min. Celso Limongi – DE de 24.2.10). O Ministério Público Federal oficiante no STJ também admitiu “que não se pode dar tratamento diferenciado entre o delito de descaminho e os demais crimes tributários”, posicionando-se favoravelmente à tese da defesa em autos de HC cujo julgamento ainda não ocorreu (Parecer nº 9.513, do Ministério Público Federal, lavrado em Brasília, em 26 de agosto de 2010, pelo Subprocurador-Geral da República Henrique Fagundes Filho, nos seguintes autos: STJ – HC 173256 – 6ª T. – Rel. Min. Celso Limongi).

Para Viveiros de Castro, em estudo ao tipo legal do art. 265 do Código Penal de 1890 (que compreendia o contrabando e o descaminho), “a transacção effectuada nas Alfandegas tem por effeito apagar completamente a infracção, e, conseguintemente, fazer desaparecer todas as consequencias, pecuniarias e penaes” (Idem, p. 506). Segundo SÁNCHEZ RÍOS, estudando o descaminho, não há “obstáculos teóricos para propugnar a extensão por analogia a este tipo penal, da normativa atual que regula a Extinção da Punibilidade” (RÍOS, Rodrigo Sánchez. O crime fiscal. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris, 1998, p. 88); pelo contrário: há apenas estímulos político-criminais e sociais.

A única diferença que os crimes tributários guardam entre si (além das penas a eles cominadas), para fins de aplicabilidade de normas penais como a da extinção da punibilidade e a da condição de prévio término do processo administrativo, é a espécie tributária que tutelam. Portanto, como o descaminho, diferentemente dos demais delitos de sonegação fiscal, visa a proteção dos tributos incidentes em operações de comércio exterior, é possível classificá-lo como um crime tributário aduaneiro.

A Lei nº 8.137/90 traz um rol de crimes contra a ordem tributária, e não o rol, concorrendo para a identificação de um delito dessa espécie a existência de elementos técnico-jurídicos que podem ser revistos sob a luz de uma dogmática garantista e constitucionalmente configurada. A verdade é que o descaminho apresenta a mesma classificação doutrinária padrão que os demais crimes tributários: é crime doloso, material, de resultado de dano e tutela bem jurídico complexo – sendo que o bem jurídico primordialmente tutelado é o Erário, ou a arrecadação tributária, ou as rendas públicas, e o bem jurídico secundariamente tutelado é a moralidade da Administração, ou as políticas sociais específicas, ou a confiabilidade do Poder Público. Daí ser de rigor a aplicação do critério da equidade como forma de nivelá-los, inegáveis que são as semelhanças. Um bom começo seria a inclusão, nos diplomas legais atinentes à matéria de crimes tributários, do tipo do descaminho.

 

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