Eça, ontem e hoje

“Estamos perdidos há muito tempo… O país perdeu a inteligência e a consciência moral. Os costumes estão dissolvidos, as consciências em debandada. Os caracteres corrompidos.” Estas não são frases atuais da seção de cartas dos leitores. É de 1871 essa clássica lavra do escritor português Eça de Queirós, que disse mais:

“A prática da vida tem por única direção a conveniência… Não há princípio que não seja desmentido. Não há instituição que não seja escarnecida. Ninguém se respeita. Não há nenhuma solidariedade entre os cidadãos. Ninguém crê na honestidade dos homens públicos. Alguns agiotas felizes exploram. A classe média abate-se progressivamente na imbecilidade e na inércia. O povo está na miséria. Os serviços públicos são abandonados a uma rotina dormente. O Estado é considerado na sua ação fiscal como um ladrão e tratado como um inimigo. A certeza deste rebaixamento invadiu todas as consciências. Diz-se por toda a parte, o país está perdido!”.

Eça de Queirós, este filho de Póvoa de Varzim, que só não lia as mãos, lia o que se passava nos corações e mentes do século XIX. Também jornalista, dirigiu um jornal que fazia oposição ao governo, viajou o mundo na função de repórter e até encontrou tempo para revolucionar a literatura portuguesa.

Se Eça de Queirós fosse nosso contemporâneo, onde estaria ele atuando? Seria editorialista de O Estado de S. Paulo? Ou estaria também na Rede Globo, alternando comentários com Arnaldo Jabor? Em Lisboa, Eça de Queirós estaria recepcionando o presidente Lula? Por que não? “Lamentável sabujice” é o título de um dos textos de Eça que poderia lido em defesa do “apedeuta” Luiz Inácio Lula da Silva:

“Um homem só deve falar, com impecável segurança e pureza, a língua da sua terra: todas as outras deve falar mal, orgulhosamente mal, com aquele acento chato e falso que denuncia logo o estrangeiro. Na língua verdadeiramente reside a nacionalidade; e quem for possuindo com crescente perfeição os idiomas da Europa, vai gradualmente sofrendo uma desnacionalização. Não há já para ele o especial e exclusivo encanto da fala materna com as suas influências afetivas, que o envolvem, o isolam das outras raças; e o cosmopolitismo do Verbo irremediavelmente lhe dá o cosmopolitismo do caráter. Por isso o poliglota nunca é patriota. Com cada idioma alheio que assimila introduzem-se-lhe no organismo moral modos alheios de pensar, modos alheios de sentir. O seu patriotismo desaparece, diluído em estrangeirismo…”.

Eça de Queirós morreu em Paris, em 16 de agosto de 1900, mas poderia ter vindo a morrer em Curitiba, ainda jornalista. Se assim fosse, ele passaria na Redação deste jornal, onde na entrada se encontra a capa gigante da primeira edição da Tribuna do Paraná, de 17 de outubro de 1956. No alto da página, a manchete: “Envergonhado o deputado Molinaro abandonará tarde a política”.

Humberto Molinaro era também major do Exército e foi “pivô” de um tumulto ocorrido na Câmara Federal. Numa tarde de segunda-feira, Molinaro tentou sacar uma arma para atingir Carlos Lacerda, que ocupava a tribuna. Lacerda foi salvo pela turma do “deixa disso” e Molinaro não se perdoou pelo acontecido. Envergonhado, pediu o boné e a Tribuna registrou: “Declarou o político paranaense na Câmara Federal que ainda não está familiarizado com a ética parlamentar. Não compreende como os políticos profissionais brigam, discutem e depois se entendem”. O deputado renunciou reconhecendo sua bisonhice política, destacou a edição primeira da Tribuna.

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Sabe-se lá onde deve estar hoje o major Humberto Molinaro. Talvez esteja trocando ideias com o general Juarez Távora, que naquela mesma época retirou-se do exército “para melhor servir a pátria”.

E sabe-se lá onde anda Eça de Queirós. Talvez o escritor esteja nesse momento entrevistando o governador do Distrito Federal, José Roberto Arruda, o “rei do panetone”.