A Pedra de Rosetta

Hoje é o dia de lembrar os 210 anos de uma das maiores revelações da arqueologia: a Pedra de Rosetta. Nesses tempos de Babel, quando atravessamos um maremoto de informações, linguagens e signos, o granito preto achado no Egito em 1799 pode ser a pedra de salvação do Paraná, esta terra de todas as línguas.

Como exemplo bélico, a aventura de Napoleão Bonaparte no Egito foi um fracasso. Porém, do ponto de vista científico, Napoleão não era qualquer doido de hospício. Levou consigo a fina flor da ciência francesa: matemáticos, químicos, físicos, geógrafos, cartógrafos, mineralogistas, historiadores e arqueólogos. Foram esses que trouxeram aos franceses a vitória no campo linguístico, porque Napoleão não queria apenas saber quantos anos o contemplavam do topo da pirâmide.
Encontrada perto da cidade de Rosetta (Rachid), a 56 quilômetros de Alexandria, a Pedra de Rosetta é um bloco de granito medindo 118 centímetros de altura, 77 centímetros de largura e 30 centímetros de espessura. Como os registros históricos da civilização egípcia continham apenas inscrições em hieróglifos, coisa que nem os faraós conseguiam traduzir, os segredos do passado pareciam perdidos para sempre.

Descoberta por um acaso, quando soldados removiam pedras para fazer um “puxadinho” numa fortificação, naquele granito eles encontraram três colunas de inscrições, com a mesma mensagem, em três línguas diferentes: egípcio (em duas versões), grego e demótico (esta uma variante da escrita hieróglifa). Como os estudiosos conheciam o grego e razoavelmente o demótico, puderam decifrar o alfabeto dos hieróglifos e revelar ao mundo mais de 1,4 mil anos de segredos do Egito Antigo.

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A Pedra de Rosetta, digamos assim, seria para Napoleão um “computer” de bom tamanho, com ferramentas suficientes para conquistar o mundo. E, dela, podemos imaginar agora, nasceu o desejo de conquista através da mais poderosa das armas: a comunicação. Com três idiomas do mundo antigo nas mãos, o italiano e o francês de origem na ponta da língua, mais o latim aprendido na missa, o acesso ao planeta estaria na ponta dos dedos. Mesmo assim, cercado de tantos sábios, Napoleão Bonaparte não foi bem orientado. Para conquistar o planeta, precisaria dominar muito mais do que meia dúzia de línguas. E foi assim que Napoleão perdeu a guerra: não sabia falar português (foi enrolado por D. João VI), espanhol (não conseguiu se comunicar com os galegos e bascos), russo (não leu os boletins meteorológicos enviados de Moscou) e, mesmo com ajuda de um tradutor, não trocava palavras com a Inglaterra. Como todo francês, menosprezava a língua inglesa e, com mais ênfase, os abomináveis restaurantes de Londres. Dizem os historiadores da gastronomia francesa, não muito confiáveis, que o principal objetivo ao conquistar a ilha seria incrementar as vendas do champanhe Don Perigon, cujo proprietário era amigo privilegiado da família Bonaparte.

A Pedra de Rosetta é a prova de quanto o conhecimento linguístico é importante na história da humanidade. Maior comunicólogo do Brasil, Chacrinha já profetizava em mil novecentos e dercygonçalves: “Quem não se comunica se trumbica”. E até o presidente Lula (para quem a Rosetta é nome de uma pizzaria em São Paulo) sabe que, vindo de sua verve, o povo compreende até javanês.

A tolerância entre diversas culturas é o que nos une. A compreensão de tantos idiomas é a liga entre os povos. Menos no Paraná. Neste destino de todas as gentes o governador Roberto Requião, com inspiração xenófoba, pretende abolir dos botecos a palavra “rollmops”, o tradicional acepipe desta terra de todas as línguas. Vai obrigar a tradução de palavras estrangeiras na publicidade. Mesmo não sabendo falar a língua dos faraós, javanês, polaco, francês ou inglês, alguém precisa apresentar ao governador essa tal de Rosetta. Pode ser a pedra da salvação.