Glória do Pipoqueiro

Ontem, escrevi que são sete os requisitos do curitibano básico e citei seis: o sotaque, a timidez, um louquinho no porão, guarda-chuva na porta, livro de Dalton Trevisan na estante e os pássaros de Rogério Dias na parede. Faltou um: o boneco cata-vento com facas de Laurentino Rosa, escultura símbolo da cidade.

Também conhecido como Laurentino Pipoqueiro, o artista popular mais cultuado de Curitiba morreu na sexta-feira passada, aos 71 anos, depois de dar comida para os patinhos da lagoa. Morreu pobre, como sempre foi, junto aos seus dez filhos e um batalhão de netos que residiam num mesmo terreno no bairro Santa Cândida.

Escultura em madeira, talhada a faca e canivete, o boneco cata-vento com facas foi a glória de Laurentino Pipoqueiro. Com exemplares espalhados pelo mundo, cobiçado por colecionadores, o boneco das facas é um dos sinônimos de Curitiba, considerando-se a originalidade da criação que até dois anos atrás dominava a paisagem da Praça das Nações, no Alto da Rua XV. O boneco gigante foi doado para a prefeitura pelo Clube de Criação do Paraná, na época presidido pelo publicitário Sérgio Mercer, e veio ao chão graças à insensibilidade daqueles desatentos que não enxergaram na escultura um marco da cultura popular.

Laurentino Rosa dos Santos, nome gravado na galeria dos grandes artistas do folclore brasileiro, foi um dos pioneiros da Feira de Artesanato do Setor Histórico (o primeiro foi Lafaete Rocha, Laurentino o segundo), sempre incentivado pela artista plástica e animadora cultural Julieta Reis, criadora da feirinha do Largo da Ordem (hoje feirona) na primeira administração de Jaime Lerner.

Atualmente vereadora, Julieta Reis não quer ver um vazio na memória da cidade: vai levar ao prefeito Beto Richa a proposta de reerguer um novo boneco cata-vento na Praça das Nações, dentro de um espaço que seria denominado Laurentino Rosa. No mesmo local, imagina Julieta, poderia ser instalado um posto de vendas de esculturas em madeira, com ênfase à obra-prima do ex-pipoqueiro que deixou o filho mais velho, de nome Francisco, como herdeiro do ofício.

Fernanda e Beto Richa com certeza vão ouvir com atenção o que a vereadora tem a contar sobre o Laurentino Pipoqueiro, sobretudo porque Julieta Reis é autora do primeiro texto que conta a vida do artista que morreu jardineiro.

Em nome da cidade, Julieta dirá ao prefeito: Laurentino começou a comercializar seus trabalhos na frente do cemitério do Santa Cândida, onde tinha também um carrinho de pipocas com o estranho boneco cata-ventos em cima. Analfabeto, só sabia assinar o nome. As esculturas que lhe proporcionaram comprar terreno na Cohab, que, por necessidade, acabou tendo que ser vendido.

Faca, facão, machadinha, serrote, grosa, lixa, pincel, as ferramentas do artista eram simples e, para talhar seus bonecos, Laurentino usava inicialmente a faca; depois de pronto vinha a montagem com arame, “que vai dar o movimento”, explicava ele: “Tem dois segredos meus bonecos; um é montado com rolamento, o maior. E o pequeno é montado com uma peça que eu mesmo faço, eu mesmo que inventei”.

Sobre uma das madeiras que usava, as outras eram o quiri e a guatanunga, contava com graça Laurentino: “O leiteiro, quando eles cortam, escorre aquele leite, depois que ele seca, faz um grude, o passarinho senta ali e não sai mais”.

O mesmo desejamos ao novo boneco cata-vento na Praça das Nações: que a glória do Pipoqueiro sente ali e não saia mais.