Restos da Schaffer

Nem tudo está perdido, Jérson, daquela Curitiba perdida. Aos saudosistas de plantão, temos a grata satisfação de informar que um pedaço da Confeitaria Schaffer ainda resta. Não muito, mas ainda é possível sentar, pedir uma coalhada e viajar na memória.

No princípio, chama-se Leiteria Schaffer. No número 420 da Rua XV de Novembro, no prédio do início do século, em 1918 Francisco Schaffer introduziu em Curitiba a venda de leite em garrafas de modelo alemão. Aquelas gordinhas simpáticas, uma delícia maior ainda quando afanadas da porta da vizinhança.

O nome de Confeitaria Schaffer só veio a nascer em 1944, no térreo do edifício alugado, de triste sina, que passou por dois incêndios em sua história. Um em 1929. Outro em 1978, quando foi totalmente destruído e, feito fênix, renasceu das cinzas graças ao talento e sensibilidade do publicitário Sérgio Mercer, autor da campanha popular “Por amor à Schaffer”. A reconstrução mobilizou a cidade e, da generosidade, em 1981 nasceu a galeria Schaffer. O projeto, é bom sublinhar, saiu da prancheta do escritório de arquitetura de Rafael Dely. E de graça!

Não foi fácil reerguer a Confeitaria Schaffer, conforme o sempre alerta Aramis Millarch noticiou em junho de 1980: “Afinal a Schaffer renasce. Renasce? Depois de marchas e contramarchas, problemas técnicos e financeiros – e com um atraso de mais de um ano, finalmente as obras de reconstrução do antigo prédio da Confeitaria Schaffer se aproximam do final. Dentro de dois meses, as lojas deverão estar em condições. A reconstrução do prédio, onde por décadas existe uma das mais tradicionais confeitarias da cidade, deveu-se à soma de esforços de um grupo de pessoas entusiastas, que conseguiu sensibilizar alguns setores e levantar recursos, que mesmo insuficientes para cobrir todas as obras, não deixam de ser significativos como exemplo”.

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O princípio do fim da Confeitaria Schaffer não está na triste sina do edifício, como parece. Está num dos parágrafos de Aramis Millarch, que completa o acima transcrito: “O irônico aconteceu há alguns dias: Bube, o proprietário da Confeitaria Schaffer (que funciona já há mais de um ano nas proximidades da antiga rodoviária) não estaria mais interessado em retornar ao antigo ponto, fazendo uma série de alegações. Ou seja, a principal motivação da reconstrução do prédio não teria estimulado sequer aquele que deveria ser o seu maior interessado.”

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Se Bube não conseguiu salvar a Confeitaria Schaffer, Tânia Ghignone salvou o que pôde. Foi graças à filha de José Ghignone que 13 mesas de mármore ainda restam intactas. Não na memória, no café da livraria Ghignone, na Rua Comendador Araújo, 534.

Quando em dificuldades financeiras, o genro de Bube Schaffer usava um método incomum para levantar recursos: atravessava a rua e procurava Tânia Ghignone:
– Tânia, preciso pagar a conta de luz. Me compra uma mesinha de mármore?

Tânia comprava. No mês seguinte, o genro não tinha o suficiente para pagar o telefone: Tânia comprava mais uma mesa. E, assim, sucessivamente, a vizinha da livraria ia ajudando o vizinho da confeitaria a pagar as contas. Ao todo, 13 mesas de mármore foram vendidas. As mesmas que hoje estão no café da Ghignone da Comendador, belas e formosas.

Quer matar a saudade da Confeitaria Schaffer? Então sentem-se senhoras e senhores, porque tem mais. Tânia Ghignone não resgatou (aqui a palavra resgate no sentido justo) apenas as mesinhas de mármore, resgatou também as coalhadas da velha Schaffer. Agora, além dos livros, podemos degustar naquelas mesinhas de mármore a melhor coalhada da cidade. Com mel e bastante canela, se preferir.

Tem mais ainda: se José Eugênio Ghignone sentar-se à mesa, a felicidade se completa.

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Daquela Curitiba perdida, Jérson, já localizamos dois ícones: a mesa comprida do velho Bar Palácio está com os herdeiros de Nireu Teixeira. E as mesinhas de mármore da Confeitaria Schaffer estão com Tânia Ghignone.