Idos de 1.º de abril

O que você estava fazendo no dia 1.º de abril de 1964? – perguntei ontem a um punhado de contemporâneos daquele dia muito estranho. Dando sequência, o escritor Roberto Gomes mandou a crônica Parece que não foi ontem, escrita há cinco anos, da qual extraí um trecho.

“Cheguei de uma viagem na madrugada de 1.º de abril de 1964. Dezenove anos, sonhador e magrela, os bolsos vazios, fui caminhando da rodoviária até a pensão onde morava, na Carlos Cavalcanti. Moído por sete horas de ônibus, dormia em pé, o que, aliás, foi bom para o dia e a hora e os eventos que se deram. Ao passar pela Praça Osório, algo me chamou a atenção na esquina da Voluntários com a Cândido Lopes. Primeiro, um barulho desastroso, como se uma avalanche de latas rolasse rua abaixo. Não enxerguei nada, havia neblina. O barulho aumentou. Vi então o primeiro tanque emergir da neblina. A imagem era vaga e o paquiderme avançava lento, enquanto que a barulheira infernal de metal triturado atordoava. Como se um roteirista bêbado e um músico esquizofrênico houvessem acasalado imagens e sons desencontrados na mesma cena de um filme. Um caminhão militar surgiu com sua cobertura de lona. Por entre a neblina e contra o fundo sujo e escuro do caminhão e da lona, vi os rostos dos soldados, dobrados na direção da rua, armas em punho, tão sonolentos e jovens quanto eu. Que diabo era aquilo? Os milicos são mesmo criaturas estranhas, pensei, não têm o que fazer, passeiam de tanque pela cidade às cinco horas da manhã. Vão acampar num matinho qualquer, brincar de guerra. Retomei meu caminho e, chegando na pensão, desmaiei na cama até o final da tarde. Algum beletrista desavisado poderia dizer que dormi como um anjo.” (Roberto Gomes)

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“Passamos a noite ouvindo rádio, o meu marido da época e eu. Dia 1.º de abril é meu aniversário. Apenas o comércio abriu, fui ao Demeterco da Praça Tiradentes (o único supermercado em Curitiba) me abastecer.

Vínhamos fazendo isso periodicamente, a cada ameaça de golpe.

Já não gosto de aniversário e aquele passou em brancas nuvens.

Como éramos contra os militares, permanecemos, mais ou menos, isolados do resto da família. Ainda havia uma esperança de reação por parte do Brizola, no sul. Estávamos perplexos.” (Maria Thereza de Lacerda, escritora)

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“Participava do movimento estudantil e me esconderam numa fazenda no Mato Grosso do Sul, hoje, uma grande cidade. Lá, fiquei um mês até a poeira baixar. Mas no décimo aniversário da ‘gloriosa’, teve jeito não: a PF de Londrina foi me buscar numa daquelas veraneios. Tudo porque eu tinha escrito Mensagem verde amarela para uma juventude azul e branca. Tinha gente que a achava mais bonita que Pra não dizer que não falei das flores. Fiquei só três dias em cana. Ao final, o delegado Paixão, gente fina pra arrebentar, me mandou pra casa exclamando: Esse texto é camoniano!” (Parreira Rodrigues)

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“Em 1/4/1964 eu estava (em meus sete anos) no segundo ano primário do Educandário Mater Consolatrix, de freiras alemãs, em Ivaiporã-PR. Soubemos que uma revolução estava acontecendo e combinamos, entre os primos, que poderíamos pegar as espingardas de pressão pra lutar. Alguns dias depois, alguém avisou que o Brizola tinha sido visto descendo de um ônibus na rodoviária local. Aliás, todo mundo se escondia em Ivaiporã, como o Josef Mengele e o Bandido da Luz Vermelha. Só não entendo por que o Zé Dirceu parou antes de chegar em Ivaiporã.” (Helio Ciffoni)

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“Passamos o 1.º de abril escondidos no mato. Meu pai, que na época tinha dois caminhões, bem cedinho botou todo mundo na cabine e rumamos para uma fazenda no interior de Santa Catarina. Os rumores eram de que o Exército estaria confiscando veículos para o transporte de tropas. Com o Fenemê e o Chevrolet camuflados no mato, passamos uma semana pescando e tomando banho de rio.” (Dante Mendonça)