A lenda do Gato Preto

A mais conhecida e longeva das lendas urbanas de Curitiba versa sobre a “Loira Fantasma”. Muitos jornalistas e escritores passaram esse ícone da mitologia curitibana na malha fina. Mas existem outras que poucos conhecem, restritas aos curitibaníssimos de boa memória, e temos histórias que só agora se tornam lendas.

Das lendas urbanas de pouca fama, uma delas conta do “móbile” que o artista plástico Alexander Calder teria enviado ao artista gráfico Marcel Leite, por si próprio uma lenda entre jornalistas e boêmios do século passado. Falecido prematuramente do coração, o robusto Marcel Leite foi um dos grandes cartunistas do Paraná, senão o maior (e mais pesado) de sua época. Dos muitos feitos e lendas, conta-se que Marcel Leite conheceu por acaso, perdido na noite da Praça Osório, o artista Alexander Calder, que fazia uma viagem de turismo pelo sul do Brasil. Foram jantar no Bar Palácio e ficaram amigos de infância. Tempos depois Marcel Leite teria recebido em Curitiba um “móbile” de Calder, despachado dos Estados Unidos. E o jornalista Luiz Geraldo Mazza, de boa memória, é quem afirma que a valiosa obra de arte ainda estaria com a filha de Marcel.

********

A “Lenda do Gato Preto”, que pouquíssimos conhecem, merece um subtítulo: “Quando Julio Iglesias foi impedido de cantar na noite curitibana”. Quem conta a história é um oficial da Polícia Militar, testemunha ocular da lenda. Se poucos conhecem a história é porque o PM tem até vergonha de contar, de tão absurda.

A história, ou lenda, teria acontecido em 6 de março do ano passado, quando o famoso cantante se apresentou (dia 7) no Clube Curitibano. De retorno ao Brasil depois de dez anos, Iglesias estava hospedado no Hotel Bourbon e, naquela noite de folga, um dos seus assessores subiu ao apartamento do astro e não o encontrou. Não estava no bar, na portaria ninguém sabia dele e, mesmo depois de muitas buscas, nem mesmo nos braços de uma bela hóspede o belo se encontrava.

Percorreram a redondeza do hotel, e nada! Onde estaria Julio Iglesias? Estaria perdido na noite curitibana? Como último recurso foi chamada a Polícia Militar, que recebeu a seguinte descrição do ilustre desaparecido: “Na última vez que foi visto no hotel estava todo vestido de preto, sapato, calça, camisa e paletó Armani”. Até um retrato autografado do espanhol foi oferecido ao comandante da “Operação Iglesias”, que minutos depois recebeu a ordem de enviar uma viatura urgente ao Gato Preto, na Ermelino de Leão, oficialmente batizado como Restaurante e Bar Pantera Negra. Um quebra-quebra estava acontecendo no local, dizia o rádio do comandante.

Quando dois patrulheiros da PM chegaram ao Gato Preto (a poucas quadras do hotel), quem estava no meio da confusão, agarrado pela turma do “deixa-disso”? Ele,  o cantante espanhol, todo vestido de preto, o próprio “gato de Armani preto”, o belo Julio Iglesias.

Como Iglesias foi parar no Gato Preto não se sabe com certeza. O que se sabe, contado por um dos policiais, é que Julio Iglesias teria chegado ao bar boêmio sozinho. Depois de passar os olhos na freguesia, foi direto ao músico que estava no teclado de uma “porrinhola” e pediu para cantar uma música: Begin the Beguine.

O azedo tecladista respondeu, sem levantar os olhos:

– Begin the Beguine? Eu só tocaria essa música para o Julio Iglesias! Te manda, cara!

– Pero… yo soy el proprio Julio Iglesias!

– Aqui no Gato Preto, se você é o Julio Iglesias, eu sou o Frank Sinatra!

O próprio Julio Iglesias insistiu, o tecladista destratou o desconhecido, o cantante revidou, o da “porrinhola” deu um chega pra lá no gajo, a celebridade perdida na noite pegou o microfone bruscamente da mão do músico enfurecido, chegaram os seguranças e começou o entrevero!

Julio Iglesias voltou ao hotel dentro da viatura da PM, com o Armani preto amarrotado e ainda repetindo o refrão:

– Carajos… me gustaria cantar Begin the Beguine, solamente!