De ficar sem voz

Inaugurada no dia 27 de junho de 1924, a Rádio Clube Paranaense encerrou suas atividades como emissora geradora. Por determinação da PUCPR (Pontifícia Universidade Católica do Paraná), a terceira rádio do Brasil passou à condição de repetidora da Rádio Eldorado, de São Paulo, e o Paraná perdeu outra porção de seu patrimônio histórico e cultural.

No dia seguinte à inauguração dos trabalhos de telefonia sem fio (T.S.F.) da Rádio Clube Paranaense, uma sessão de jornal registrou a primeira irradiação: “Em aparelho de rádio-telefonia, instalado na residência do saudoso João Alfredo Silva, era ouvido um concerto de rádio-telefonia, transmitido da residência do Sr. Lívio Moreira. A famosa valsa “Viúva Alegre”, uvida nitidamente, dava início ao concerto”.

Em agosto de 2008, quando pelas ondas do rádio o Paraná volta a ser uma 5.ª Comarca de São Paulo, o radialista Ubiratan Lustosa, uma das grandes vozes da Rádio Clube, fez da internet o seu microfone de protesto: “De minha parte, respondendo a tantos que pediram que eu opinasse, digo que estou triste, profundamente decepcionado, mas não perco a esperança de que essa ocorrência seja temporária, que não se pisoteie a memória da nossa radiofonia, e a Bedois de tantas e tão grandes glórias volte a ser uma emissora dedicada ao povo paranaense”.

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Lamentável, neste momento o historiador Romário Martins deve estar enlouquecido, na Eternidade, tentando captar pelo sem fio divino alguma voz distante com o sotaque paranaense da Bedois. Romário Martins, o nome da nossa memória, não merece tanta desconsideração por parte da PUCPR. Justamente ele, o protagonista de uma das mais saborosas passagens da Bedois, quando eram comuns as transmissões didáticas e culturais. Convidado para contar a história da emancipação política do Paraná, o microfone fez Romário Martins tremer e gaguejar mais do que em toda sua vida. Terminada a preleção, no dia 19 de dezembro, o respeitado historiador virou-se para trás e desabafou para um amigo:

– Ufa, essa palestra saiu-me uma grande merda!

O comentário foi transmitido ao vivo para toda a cidade.

O radialista Euclides Cardoso pesquisou a história da Rádio Clube Paranaense, além de outras emissoras de rádio da capital e do Estado. Diz, sobre a pioneira, que por lá passou a primeira locutora paranaense, Alice Martins Xavier. Foi a emissora que transmitiu o primeiro Atletiba, em 1933. Ainda nos anos 30, quando da passagem do dirigível Hindenburg por Curitiba, o interventor Manoel Ribas utilizou o equipamento da Clube para dirigir mensagem à sua tripulação.

Foi também pelas ondas pioneiras da PRB – 2 que se realizou pela primeira vez no Brasil uma audição de rádio-teatro. Em 1935, foi ao ar “A ceia dos cardeais”, de Júlio Dantas, levada por Correia Júnior, Heitor Stockler e Sá Barreto. Numa das novelas que marcaram época na Clube, aconteceu outra das saborosas histórias da rádio: para o final feliz, como sempre, um dos capítulos deveria terminar com a marcha nupcial. Ocorre que as várias marchas que se usava para os fundos musicais estavam num mesmo disco. Um descuido de poucos centímetros fez com que uma marcha fúnebre acompanhasse os jovens noivos ao altar.

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Quando souberam do passamento da Bedois, não foram poucos os que ficaram sem voz. Mas um possível triste fim já estava previsto nos estatutos do clube de rádio pioneiro, definidos em 19 artigos na reunião realizada em 15 de julho de 1925.

O artigo 19 estabelece: “O Rádio Clube Paranaense só poderá ser dissolvido por deliberação de 3/4 de seus sócios efetivos em pleno gozo de seus direitos, ou caso o número de sócios já esteja reduzido, de modo a não poder assegurar a existência da sociedade”.

O parágrafo único deste último artigo ainda estabelece:

– Em caso da dissolução do pedido da Rádio Clube Paranaense, os seus bens serão doados à Universidade do Paraná.

 

A Universidade do Paraná, no caso, era a Universidade Federal do Paraná. E não a PUC, que ainda nem existia e agora nos deixou sem voz.