Agosto do poeta

Foi no restaurante Hummel-Hummel, no Largo da Ordem, em 1982. Em torno do poeta Paulo Leminski, os jornalistas Aramis Millarch, Maí Nascimento, Manoel Carlos Karam e este cronista. Ingeborg Rüst, a proprietária daquele inesquecível reduto germânico, nos assessorou com a adega da casa. Na longa e rara entrevista publicada no extinto jornal O Estado do Paraná, Leminski nos relatou (num só fôlego e sem nenhum parágrafo) a saborosa história de um encontro em São Paulo com artistas de vanguarda, a convite da revista IstoÉ. “Engajado no difícil”, o polaco não era fácil, como veremos a seguir. 

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Paulo Leminski – Fui lá imbuído dos melhores propósitos, embalado com mísseis balísticos intercontinentais Exocet. Chego lá, numa mesa tem uma starlet da Globo, mais aquele cara que fez “Jânio Quadros em 24 quadros”. E uma guria, que parecia mais uma modelo de revistinha de sacanagem, e um garotinho bonitinho que sempre estava mexendo com as mãos. Bom, e o Arrigo Barnabé, amigo meu, e já sentei ao seu lado. Curitiba e Londrina, Jaime Lerner e José Richa, sabe como é. Já fizemos aquela comunidade de cotovelo ali, né? Estávamos lá para discutir os caminhos da nova arte brasileira nos anos 80 em direção ao ano 2000. Isso é barra pesada, sabe como é? Aí começou um festival de besteira que não dava mais. Aí uma daquelas starlets começa: “Minha opinião é a seguinte: sabe, eu comecei como modelo fotográfica e daí fui convidada para trabalhar numa novela das 6. Porque, sabem, existe um certo preconceito quanto ao consumo, mas eu acho…”. Pô, eu comecei a me putear. Não saí de Curitiba, viajando de avião, que é negócio que já deixa nervoso, e chegando a São Paulo para ouvir uma bobagem dessas, uma idiota dessas! Passou-se para o outro e seguiu-se a bobajada, tinha-se que aguentar 30 minutos de besteiras… Bom, perdi a paciência! Levantei, bati a mão na mesa e fui buscar mais uma birita lá no balcão. Era no salão do Othon Hotel, tinha estenografia, gravação, o diabo! Todo um grande aparato. Eu, como bom mafioso, não iria sozinho. Tinha uns cinco da minha patota. O Régis (Bonvicino), uns outros caras que também estavam tumultuando no durante, e que também eram amigos do Arrigo. Então ficou uma cunha, uma espécie de célula cancerosa destruindo. A guria uma hora me puxou num canto e disse: “Isso aqui não é um happening. Estou aqui trabalhando e você acabando com o meu trabalho”. Disse: “Tá bom, vou voltar!”. Mas ela me deixou as marcas da unha na mão. Foram quatro horas de gravação e estenografia! Nunca fui tão estenografado em toda a minha vida! Quiseram acabar comigo. É como diz o Mick Jagger: “O que interessa o que dizem de mim na página 46, se estou na capa?”. Eu fiz uma intervenção, tive uma performance, coisa inclusive banal em qualquer Bienal hoje. Mas daí a guria pensou que eu iria ficar que nem um professor da USP, da PUC: “Não, sim, sob o ponto de vista cultural…”. Pô, posso até fazer isso se estiver bem careta, mas se estou muito louco faço outra coisa. E assumo essas duas coisas. É como captar rádio. Uma hora me levantei e disse que qualquer bar de Curitiba, numa sexta-feira, às 9 da noite, tinha nível mais alto que aquela mesa.