O resistente

Durante uma conversa casual no meio da Redação deste O Estado do Paraná, ouvimos do ex-governador Paulo Pimentel que um amigo lhe havia feito uma pergunta difícil de responder: Por que escolher, entre tantas outras atividades mais confortáveis, justamente três das mais incômodas: advogado, político e jornalista?

A resposta veio três anos depois. Está no livro “Paulo Pimentel: Momentos decisivos”, do jornalista Hugo Santa’Ana, que será lançado hoje, na mesma Redação de onde guardei a interessante indagação. No prefácio da obra, mestre René Dottti ensaiou uma resposta a esta questão: “Qual seria a vocação natural desse homem que, passados os anos dos mandatos eletivos, é afetuosamente reconhecido e cumprimentado pelas pessoas do povo? Quem o conhece há mais de 40 anos, como eu, pode dizer que ele personifica várias vocações. E que talvez, na batida de seu coração, entre os movimentos de sístole e diástole, pulse o encanto e a sedução do jornalismo”.

Paulo Pimentel: “sempre encarnou com seu entusiasmo genérico a alma de um resistente”, diz ainda René Dotti, não sem antes lembrar quanto é importante o relato de vida do resistente: “Em nosso país são poucos os homens públicos que abrem o inventário de suas memórias para revelar fatos e atitudes que se destacaram perante a coletividade, além de narrar detalhes de sua vida privada”.

Apesar das perseguições sofridas pelo resistente nos anos de chumbo, página por página podemos constatar que tanto o advogado, o político e o jornalista, nenhum deles tratou o passado e o presente com mágoas. Ressentimentos, nem nas entrelinhas. O resistente não tem vocação para fazer do ressentimento profissão.

O jornalista Hugo Sant´Ana registrou do resistente momentos difíceis e momentos gratificantes, que são muitos. Um deles é especialmente memorável, conforme o relato seguinte:

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“Um episódio no relacionamento com José Sarney, de natureza familiar, ficou marcado indelevelmente na memória de Paulo Pimentel. Na verdade, ele participou da história como coadjuvante. Os personagens principais foram Sarney e João Mattos Leão que, apoiado por Pimentel, fora eleito senador pelo Paraná em 1970, junto com Francisco Accioly Filho e contra o candidato do PMDB, José Richa. Este conquistaria uma cadeira no Senado quatro anos mais tarde, em 1974, apesar de ter obtido menos votos que o candidato da Arena, Túlio Vargas. A explicação está no sistema de sublegendas que então prevalecia. Richa se elegeu com a soma dos votos obtidos por Enéas Faria.

Sarney era senador pelo seu Estado e se tornou grande amigo de Mattos Leão, que tinha uma propriedade agrícola no Maranhão. Quando do aludido episódio, Paulo estava no último ano de seu mandato de governador.

Nessa época, a filha mais velha de José Sarney, Roseana,que se tornaria governadora do Maranhão e senadora, casou-se e algum tempo depois recebeu dos médicos o diagnóstico de que era estéril.

Tanto ela quanto os avós queriam muito uma criança e decidiram recorrer à adoção. Aí entra em cena o amigo Mattos Leão, que passa a procurar uma menina em Curitiba e na região de Guarapuava, sua terra.

Como os trâmites para adoção são geralmente complicados, o senador Mattos Leão, em nome da boa causa, apelou para o governador, com quem até hoje priva de uma grande amizade. Paulo prontamente colocou em campo a sua equipe, a fim de encontrar a filha que Roseana adotaria.

Em resumo: no Hospital Nossa Senhora das Graças, que naquele tempo mantinha um programa de adoções em Curitiba, uma menina loira aguardava para ser adotada. É possível até que a fila tenha sido furada, graças aos préstimos do governador e de um senador.

Alguns dias depois, Sarney e sua esposa, dona Marly, vieram a Curitiba e, em companhia de Pimentel e Mattos Leão, foram buscar a encantadora garotinha”.

Rafaela é nome da filha de Roseana e Jorge Murad. Já na adolescência foi devidamente informada da sua condição de filha adotiva. Mãe de Fernanda e Rafael, a paranaense Rafaela proporcionou a Sarney e Dona Marly o mais importante dos títulos: bisavós.