Nunca se esqueça do nome de uma pessoa

O meu amigo Giacomo Bellini voltou para a Itália, depois de algum tempo em Curitiba. Ele é um grande artista. Passou por Buenos Aires, Porto Alegre e São Paulo. Ele gostou do Brasil, mas achou difícil o mercado de trabalho por aqui. Na realidade, nos últimos meses ele já estava com a paciência no limite. Foi aí que surgiu um emprego numa empresa pública, cujo nome eu vou omitir. Estava trabalhando no departamento de artes visuais ou algo parecido. Tinha salário regular, não era lá grande coisa, mas garantia o orçamento. O ritmo de trabalho era o de uma padaria. Não dava nem para respirar. Era folder, capa de catálogo, estas coisas.

Enquanto isso andou vendendo alguns quadros para uns tipos que entendem de arte e que disseram que Bellini era o cara. O meu amigo nem se preocupou com estes elogios porque ele achava que elogio que vale a pena é feito por marchand e curador, o resto é confeitaria. O diacho é que estes caras se encarregaram de fazer a fama do italiano, que sem saber estava se tornando famoso da noite para o dia no círculo meio restrito e escolado de admiradores de arte da capital. Enquanto a fama crescia, Bellini dava duro na prancheta fazendo folders, catálogos e tudo que caia nas mãos. Até um sujeito aparecer e dizer: “O Dr. Fidelcino Fagundes Varela quer falar com você”. “Quem?”. “O diretor, cara!”.

Ele não sabia quem era o cara e achava que não tinha obrigação de saber. E nem fez questão de saber, porque achou que para ser chamado pelo diretor só podia ser bronca. Primeiro, ele tratou de esclarecer: “Vocês não estão me sacaneando só porque eu sou estrangeiro, não é mesmo bambinos?”. Esta preocupação do nosso pintor. Ele sabia que os italianos sacaneavam estrangeiros em seu país e não se espantava que o contrário também acontecesse fora da Itália. Aliás, ele foi vítima de algumas sacanagens de “amigos”. Por isso estava arisco. Os caras juravam que era sério. Ele foi ressabiado.

Abriu a porta da diretoria com cuidado, botou a cabeça para dentro da sala timidamente e balbuciou: “Diretor?”. O diretor era empombado e arrogante: “Quem é?”. Ele disse: “Giacomo Bellini”. O diretor mudou de expressão. Mandou o cara entrar, mandou sentar na frente dele e começou a falar entusiasmado: “Estive jantando com alguns empresários. Eles me falaram que o senhor é um grande artista. E que trabalha em nossa instituição. Eu fiquei orgulhoso de ter o senhor aqui. E quero que o senhor me traga alguns quadros para eu comprar. Se tiver algum catálogo ou livro, pode me trazer também que eu quero conhecer o seu trabalho”.

Melhor notícia não havia. Bellini foi feliz para casa e no dia seguinte apareceu na sala do diretor com um livro sobre a sua obra e mais seis quadros. O diretor estava com empresários na sala. Eles também já tinham ouvido falar de Giacomo Bellini. O diretor pegou o livro e pediu para o artista autografar com dedicatória. E todos ficaram olhando o artista com a caneta na mão e a página em branco esperando a dedicatória e a assinatura. Foi aí que aconteceu um problema técnico: Bellini não se lembrava do nome do diretor. Achava que era Facundo Vagundes e tinha alguma coisa de Farela. Mas não tinha certeza. Na realidade, ele não sabia o nome do sujeito. Olhou sobre a mesa e não tinha plaquinha.

O diretor perguntou: “Algum problema?”. Bellini foi honesto: “O senhor me desculpe, mas qual é mesmo o seu nome?”. Se ele tivesse chamado o diretor de pilantra o homem não teria se ofendido tanto. As bochechas ficaram vermelhas, os olhos inflamados cuspiam fogo. Ele rosnou: “Meu nome é Carlyle, Thomas Carlyle. Entendeu Sr. José Djalma Santos”. Bellini não entendeu a piada, mas entendeu que se ferrou por não saber o nome do diretor. Fagundes não comprou nenhum quadro e ainda o despediu. E foi assim que Giacomo Bellini voltou para a Itália. Porque esqueceu o nome de uma pessoa.