Filosofando em cima de uma bicicleta a 30 km por hora

Com a greve dos motoristas e cobradores não tem histórias de ônibus. Mas tem de bicicleta. Bem, o dia de ontem começou com o telefone tocando: era a Luana avisando que não podia vir trabalhar porque não tinha ônibus. Claro que eu entendi o problema dela, porque também era um problema meu. Como eu ia trabalhar se há tempo eu dispensei este grande conforto moderno que é o automóvel? Três alternativas: táxi, a pé ou bicicleta. Táxi estava fora de cogitação. Eles estavam sendo mais disputados que mulher bonita em penitenciária masculina. Táxi ontem valia o peso em ouro. Ir a pé também estava fora de cogitação: caminhada é uma coisa, fazer sete quilômetros sob o sol para ir trabalhar é meio desconfortável. Sem contar que até os calçados para as duas atividades são diferentes.

Solução: bicicleta. O problema era que a única bicicleta disponível em casa, do meu filho mais velho, uma Caloi Aspen metálica, estava com os pneus murchos. A alternativa foi empurrar a bicicleta até o posto de gasolina, encher os pneus, subir em cima deste bólido inventado há 500 anos por Leonardo Da Vinci e descer o São Lourenço em direção ao centro da cidade pela ciclovia a 30 quilômetros por hora. Primeira coisa que fui pensando: porque eu não andava mais de bicicleta. É mais econômico, é agradável, embora o sujeito fique suado no verão. Sem contar as vantagens para a saúde. Não é preciso ser formado em medicina para saber que andar de bicicleta reduz os riscos de depressão em até 50 por cento.

Claro que neste caso o sujeito tem que pedalar de 30 a 60 minutos por dia e de três a cinco vezes por semana. Andar de bicicleta também melhora a pele, por deixar o coração e os pulmões fortalecidos, facilitando a eliminação de toxinas. Agora eu entendi porque tantas mulheres gostam de andar de bicicleta. E porque elas são tão bonitas. Sem contar que melhora o condicionamento físico. Além de tudo isto, bicicleta não polui o meio ambiente. Eu vinha todo faceiro pela ciclovia filosofando mais que Emmanuel Kant, por um bom motivo: do bairro para o centro é descida e na descida todo santo ajuda. A volta seria outra história. Por isto, continuei filosofando.

Eu não entendo a greve dos motoristas num aspecto: ela pune a população, mas os não os patrões. Do ponto de vista da luta de classes, segundo o filósofo materialista Karl Marx, isto não faz o menor sentido. Se for para punir os patrões, os trabalhadores deviam trabalhar de catracas abertas. Os patrões seriam punidos e a população não seria prejudicada. Foi apenas uma ideia que me surgiu enquanto eu entrava no Bosque do Papa. Do jeito que é feita, os trabalhadores acabam pressionando o poder público para, no final das contas, atender uma demanda dos empresários que é aumentar a tarifa. Foi o que eu pensei enquanto pedalava.

No Bosque do Papa eu pensei na questão da maconha. Sempre tem um sujeito fumando maconha na ciclovia. E eu não deixei de filosofar sobre o assunto. Eu estou com o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso nesta questão da maconha. Libera esta porcaria de uma vez que do jeito que está só quem ganha com isso é policial corrupto e traficante. A questão da maconha já encheu o saco. E tem mais: maconha no Brasil podia ser vendida no açougue, porque virou carne de vaca. É impressionante. Mas esta opinião ainda não é definitiva. Afinal, um dos problemas de filosofar em cima de uma bicicleta é este: o sujeito não pode ter nenhuma conclusão porque ele também tem que prestar atenção no trânsito.

Eu pensei que o trajeto Shopping Müeller até o jornal fosse o mais complicado: me enganei. Foi maneiro e fui pedalando. Da Praça Tiradentes até a Pedro Ivo, fui mais rápido que antes. Muitas pessoas andando de bicicleta. Algumas mulheres bonitas me deram bom dia. Eu não pude prestar muita atenção nelas, para não perder o equilíbrio. A única coisa triste foi não encontrar aquele café gostoso na redação. As tias do café não puderam vir por causa da greve do ônibus. Mas no resto, foi maneiro.