Responsabilidade dos Fiadores na Prorrogação do Contrato de Locação

Em muitas demandas, os contratos acessórios se apresentam em evidência tanto quanto os respectivos contratos principais, os quais embasam a pretensão cuja tutela jurisdicional se pretende.

Exemplo disso é a fiança locatícia, que apresenta contornos relevantes no caso de inadimplência por parte do locatário nos contratos de locação.  Por conseguinte, diversas teses são apresentadas no que diz respeito à responsabilidade do fiador, em especial, quando da prorrogação da locação por prazo indeterminado. Vejamos.

  

PROPOSIÇÃO: Á prorrogação do contrato de locação por prazo indeterminado não exonera os fiadores originariamente responsáveis que anuíram, expressamente, com tal possibilidade (entrega das chaves/ imóvel) e não se exoneraram nos moldes do art. 835 do Código Civil.

 

JUSTIFICATIVA: Anteriormente, a prorrogação tácita do contrato de locação, vigendo este, a partir de então, por prazo indeterminado, implicava no fim da responsabilidade do fiador, independentemente de cláusula que o obrigasse a garantir o contrato até a entrega das chaves, conclusão está que se extraia de interpretação dada à Súmula n.º 214 do Superior Tribunal de Justiça: “O fiador na locação não responde por obrigações resultantes de aditamento ao qual não anuiu”. Tal posicionamento tomou novos contornos no Superior Tribunal de Justiça, restando definitivamente consolidado com sua positivação no art. 39 da Lei n.º 8.245/91, com redação dada pela Lei n.º 12.112/2009, cujo atual entendimento impõe que, prevendo o contrato originário a responsabilização do fiador até a entrega das chaves (entrega do imóvel), a prorrogação automática do contrato de locação não afasta a citada garantia.

(Ap. Cív. 766.393-6; 729.381-6; 711.640-5; 708.128-9; 679.918-6)

 

 

DECISÃO EM DESTAQUE

 

            Neste sentido, julgou a Décima Primeira Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Paraná, quando da apreciação da Apelação Cível n.º 766.393-6, publicada em 12/05/2011:

 

APELAÇÃO CÍVEL Nº 766393-6, DE IBIPORÃ – VARA CÍVEL E ANEXOS.

APELANTE 1: FÁBIO APARECIDO FRANZ

APELANTE 2: EVANILDO PINTO RODRIGUES APELADO: VÉCIO LUCIO DE OLIVEIRA S/C LTDA – ASSESSORIA IMOBILIÁRIA REL.

CONV.: JUIZ ANTONIO DOMINGOS RAMINA JUNIOR

 

APELAÇÃO CÍVEL – AÇÃO DE DESPEJO POR FALTA DE PAGAMENTO C/C COBRANÇA – APELAÇÕES INTERPOSTAS PELO ESPOSO DA LOCATÁRIA E PELO FIADOR – SEPARAÇÃO JUDICIAL – CÔNJUGE QUE PERMANECE NO IMÓVEL LOCADO – NOTIFICAÇÃO – DENUNCIAÇÃO À LIDE DAQUELA QUE SE OBRIGOU NO CONTRATO DE LOCAÇÃO – DESCABIMENTO – INTELIGÊNCIA DO DISPOSTO NO ART. 12, DA LEI Nº 8.245/91 – ILEGITIMIDADE PASSIVA AD CAUSAM – AFASTAMENTO – SUB-ROGAÇÃO LEGAL EVIDENCIADA – FALTA DE INTERESSE DE AGIR – REJEIÇÃO – AUSÊNCIA DE NOTIFICAÇÃO PREMONITÓRIA – DESNECESSIDADE – ART. 397 DO CÓDIGO CIVIL – PEDIDO DE JUSTIÇA GRATUITA – NECESSIDADE DE SIMPLES AFIRMAÇÃO DA HIPOSSUFICIÊNCIA FINANCEIRA – ART. 4º DA LEI Nº 1.060/50 – POSSIBILIDADE DE CONCESSÃO EM SEGUNDO GRAU – PRETENDIDA NULIDADE DA CLÁUSULA 12ª DO CONTRATO, QUE ESTABELECE A RESPONSABILIDADE DO GARANTE ATÉ A ENTREGA DAS CHAVES – DISPOSIÇÃO CONTRATUAL VÁLIDA E EFICAZ – DESNECESSIDADE DE ANUÊNCIA DO FIADOR À PRORROGAÇÃO LEGAL DO CONTRATO POR PRAZO INDETERMINADO – EXONERAÇÃO DO FIADOR – AUSÊNCIA DE NOTIFICAÇÃO A RESPEITO DA SUB-ROGAÇÃO – CABIMENTO – INEXISTÊNCIA DE RENOVAÇÃO DA FIANÇA EM RELAÇÃO AO POSSUIDOR DIRETO DO IMÓVEL LOCADO, PESSOA DISTINTA DA AFIANÇADA – CONTRATO DE FIANÇA DE NATUREZA INTUITO PERSONAE. APELAÇÃO 1 (LOCATÁRIO) DESPROVIDA E APELAÇÃO 2 (FIADOR) PROVIDA.

 

VISTOS, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível nº 766393-6, de Ibiporã – Vara Cível e Anexos, em que é Apelante 1 Fábio Aparecido Franz, Apelante 2 Evanildo Pinto Rodrigues e Apelado Vécio Lucio de Oliveira S/C Ltda – Assessoria Imobiliária.

 

1. Relatório.

 

Trata-se de recursos de apelação interpostos por Fábio Aparecido Franz e Evanildo Pinto Rodrigues em face da sentença de fls. 120/125 proferida pelo MM. Juiz de Direito da Vara Cível e Anexos da Comarca de Ibiporã, que julgou procedentes os pedidos contidos na ação de despejo por falta de pagamento c.c. cobrança de aluguéis ajuizada por Vécio Lucio de Oliveira S/C Ltda., declarando rescindido o contrato celebrado entre as partes, decretando o despejo do requerido, assinalando-lhe o prazo de 30 (trinta) dias para a desocupação voluntária, e condenando os réus ao pagamento da quantia equivalente a R$ 4.774,01 (quatro mil setecentos e setenta e quatro reais e um centavo), acrescido daqueles que se vencerem até a desocupação do imóvel, corrigidos monetariamente pelo índice INPC e acrescidos de juros de mora a contar a partir das citações. Em razão da sucumbência condenou os réus ao pagamento das custas processuais e honorários advocatícios, estes no importe de 20% sobre o valor dado à causa.

Fábio Aparecido Franz, às fls. 130/138, apresenta as suas razões aduzindo que deveria ter sido deferida a denunciação à lide de Maria de Lourdes Pinheiro, nos termos do art. 70, inc. II, do Código de Processo Civil, bem como argui a sua ilegitimidade para figurar no pólo passivo da ação e a carência de ação por falta de interesse de agir, por não ter sido colacionado aos autos a prova da notificação premonitória.

Evanildo Pinto Rodrigues também manifesta seu inconformismo às fls. 143/154 pugnando, inicialmente, pela dispensa do pagamento das custas processuais e honorários advocatícios, pois preenche todos os requisitos para a concessão dos benefícios da assistência judiciária gratuita. Sustenta que deve ser declarada a nulidade da cláusula que prevê a renúncia do fiador de se exonerar da fiança caso o contrato fosse prorrogado por prazo indeterminado porque não seria possível a renúncia de direito ainda não adquirido. Aduz, ainda, que deve ser extinta a fiança, pois não foi notificado a respeito da prorrogação do contrato, como também, da sub- rogação ocorrida quanto à figura do locatário.

Após a juntada das contrarrazões de fls. 162/172, os autos subiram a este Tribunal, vindo-me conclusos em seguida.

 

2. Voto.

 

Os recursos merecem conhecimento, porquanto presentes seus requisitos de admissibilidade.

A sentença ora hostilizada acolheu os pedidos inicialmente deduzidos e, no que diz respeito à sucumbência, condenou os réus ao pagamento das custas processuais e honorários advocatícios, fixando-os em 20% sobre o valor dado à causa, com fulcro no § 4º do artigo 20 do Código de Processo Civil.

O requerido Fabio Aparecido Franz aduz em seu apelo, em síntese, que a sentença deve ser modificada para: a) ser deferida a denunciação à lide de Maria de Lourdes Pinheiro, no caso, possuidora indireta do imóvel; b) para que seja reconhecida a sua ilegitimidade passiva para figurar no pólo passivo da ação ou c) para que seja acolhida a preliminar de falta de interesse de agir.

Contudo, seu recurso não está a merecer o almejado provimento.

O primeiro apelante sustenta que deve ser deferida a denunciação à lide de Maria de Lourdes Pinheiro por ser a possuidora indireta do imóvel locado, já que o contrato de locação dá conta de que ela seria a locatária, com o que seria consequência o reconhecimento da ilegitimidade do Recorrente para figurar no pólo passivo da ação.

Entretanto, embora o art. 70, inc. II, do Código de Processo Civil aduz ser obrigatória a denunciação à lide do possuidor indireto no contrato de locação, tal norma não tem incidência especificamente no caso ora em análise, sendo a questão resolvida pelo disposto no art. 12, da Lei n. 8.245/91, com a redação vigente à época dos fatos, anteriormente à edição da Lei nº 12.112/09, a saber: “no caso de separação de fato, separação judicial, divórcio ou dissolução da sociedade concubinária, a locação prosseguirá automaticamente com o cônjuge ou companheiro que permanecer no imóvel”.

Já o parágrafo único desse dispositivo legal prescrevia que “Nas hipóteses previstas neste artigo, a sub-rogação será comunicada por escrito ao locador, o qual terá o direito de exigir, no prazo de trinta dias, a substituição ao fiador ou o oferecimento de qualquer das garantias previstas nesta lei”.

Assim, verifica-se que abandonando um dos cônjuges o domicílio conjugal a lei promove a cessão compulsória da locação ao cônjuge que continua ocupando o imóvel, desde que, obviamente, o sub-rogado seja pessoa diversa da que contratou a locação, devendo-se ressaltar, ainda, que não se exige, para que o ato seja válido, o consentimento do locador.

Na hipótese dos autos, observa-se do contrato de locação de fls. 13/15 que somente figurava como locadora a cônjuge virago Maria de Lourdes Pinheiro.

Outrossim, reconhece-se a existência e eficácia da notificação juntada à fl. 16, endereçada à locadora pela locatária (até porque não há controvérsia a respeito de sua existência), noticiando a sua separação e a permanência no imóvel locado, desde então (janeiro de 2007), do cônjuge Fabio Aparecido Franz, ora apelante.

À evidência, tanto na peça contestatória quanto na peça recursal, confirma o apelante ser o possuidor direito do imóvel locado.

Então, neste caso, Maria de Lourdes Pinheiro não tem mais responsabilidade quanto ao pagamento de qualquer parcela referente a locação, pois cumpriu o seu dever de notificar o locador, como determinava o artigo 12 da Lei 8.245/97 e seu parágrafo único.

Com efeito, é impossível responsabilizar aquela que se obrigou no contrato de locação pelos encargos locativos na hipótese de separação, mormente quando a locadora, ora apelada, tinha ciência inequívoca da dissolução da sociedade conjugal.

Esse entendimento já restou consagrado pelo colendo Superior Tribunal de Justiça:

 

RECURSO ESPECIAL. LOCAÇÃO NÃO RESIDENCIAL. PRORROGAÇÃO. ARTIGO 12 DA LEI Nº 8.245/91.

 

1. Nas hipóteses de separação de fato, separação judicial, divórcio ou dissolução da sociedade concubinária, o contrato de locação prorroga-se automaticamente, transferindo-se ao cônjuge que permanecer no imóvel todos os deveres a ele relativos, bastando para tanto a mera notificação ao locador para que, no prazo de trinta dias, exija a substituição do fiador ou qualquer das garantias previstas na Lei.

2. O artigo 12 da Lei nº 8.245/91 é aplicável às locações não residenciais.

3. Recurso provido.

(STJ – 6ª T., REsp 316.173/RJ, Rel. Min. Paulo Gallotti, j. 23.11.2004)

 

Ademais, cumpre asseverar que a lei não fazia nenhuma ressalva a respeito do referido dispositivo aplicar-se tão somente aos contratos de locação residencial e não comercial, como é a hipótese dos autos, não havendo que se falar, portanto, em denunciação à lide de Maria de Lourdes Pinheiro.

Buscou o legislador, ao determinar que a locação prosseguisse automaticamente, dispensar o locatário da prática de qualquer outro ato para que se operasse a sub-rogação dos direitos e deveres locatícios aquele que permaneceu no imóvel, preservando a continuidade da relação locatícia.

Com efeito, operada a sub-rogação, todos os encargos e direitos foram transferidos ao cônjuge que permaneceu no imóvel, não havendo que se falar em prosseguimento da responsabilização da ex-mulher.

Como se não bastasse o débito cobrado pela parte autora se refere a partir do mês de março de 2008, portanto, posteriores a saída da locatária, não podendo realmente ser responsabilizada quando sequer utilizava o imóvel.

Assim, evidenciada a sub-rogação legal, é de se afastar a alegada ilegitimidade passiva ad causam do apelante.

Igualmente não se há falar em carência de ação por falta de interesse de agir, haja vista a ausência de provas a respeito da notificação premonitória do apelante.

O interesse de agir é uma condição da ação sendo verificada pela presença de dois elementos, que fazem com que esse requisito do provimento final seja verdadeiro, quais sejam, necessidade da tutela jurisdicional e adequação do provimento pleiteado.

A ausência de qualquer desses elementos implica a ausência do próprio interesse de agir.

Neste sentido, lecionam Nelson Nery Junior e Rosa Maria de Andrade Nery:

 

“Existe interesse processual quando a parte tem necessidade de ir a juízo para alcançar a tutela pretendida e, ainda, quando essa tutela jurisdicional pode trazer-lhe alguma utilidade do ponto de vista prático. Verifica-se o interesse processual quando o direito tiver sido ameaçado ou efetivamente violado (v.g., pelo inadimplemento da prestação e resistência do réu a pretensão do autor)”.

(NERY JR., Nelson; NERY, Rosa Maria de Andrade. Código de Processo Civil Comentado e legislação extravagante. 10. ed. São Paulo: Revista dos tribunais, 2008, p. 504, art. 267:16).

 

Não assiste razão ao primeiro apelante, portanto, quando argúi ter restado configurada a falta de interesse de agir da parte autora por ausência de notificação para constituir o réu em mora.

Tem-se por certo que em se tratando de cobrança de aluguéis, a constituição em mora do devedor se dá com o mero inadimplemento da obrigação positiva e líquida em seu respectivo vencimento.

Assim dispõe o art. 397 do Código Civil:

 

Art. 397. O inadimplemento da obrigação positiva e líquida, no seu termo, constitui de pleno direito em mora o devedor.

Parágrafo único. Não havendo termo, a mora se constitui mediante interpelação judicial ou extrajudicial.

 

Observa-se com isso que a regra é aplicável em relação às obrigações positivas, líquidas e que tiverem termo definido para vencimento, sendo, portanto, desnecessária qualquer iniciativa do credor visando a constituição do devedor em mora mediante notificação porque o próprio termo predeterminado fala pelo credor, na data do vencimento da obrigação, ensejando a imediata incidência do devedor em mora.

Dessa forma, não há que se falar em qualquer irregularidade na constituição em mora do devedor, ora apelante.

A preliminar de falta de interesse de agir, assim, foi corretamente rejeitada.

Por outro lado, Evanildo Pinto Rodrigues, ora fiador, também se insurge contra a sentença recorrida pugnando pela concessão dos benefícios da assistência judiciária gratuita, pela declaração de nulidade da cláusula 12ª do contrato de locação e para que seja extinta a fiança porque não foi notificado a respeito da prorrogação do contrato, bem como, da sub-rogação ocorrida.

No que tange à condenação do segundo apelante nas custas processuais, apela o segundo requerido objetivando a concessão da justiça gratuita e afastar a condenação na sucumbência.

O art. 4º da lei 1.060/50 é expresso no sentido de dizer que para a concessão do benefício da gratuidade da justiça basta a simples afirmação do requerente de que não tem condições de arcar com as custas do processo sem prejuízo da própria subsistência e, assim sendo, como o apelante fez expressa afirmação (fl. 84), é de ser concedida a assistência judiciária neste apelo.

Ressalve-se que, caso seja demonstrado que o apelante é pessoa abastada e possui condições de arcar com as custas processuais, caberá ao interessado manejar a execução das custas com as penalidade civis impostas.

É sabido, entretanto, que eventual concessão dos benefícios da justiça gratuita não afasta a condenação da parte vencida, porém somente suspende ou impede a execução dos valores. Assim, a condenação do apelante ao pagamento das custas processuais merece ser mantida, já que atende ao disposto no artigo 20 do Código de Processo Civil.

Quanto à questão da responsabilidade do fiador, ora apelante, compulsando os autos e seguindo o mais recente posicionamento do Superior Tribunal de Justiça tal responsabilidade perdura até a efetiva entrega das chaves.

No caso em análise, restou incontroverso que no contrato constou a responsabilidade do fiador pelo adimplemento do contrato até seu termo final, ou seja, até a devolução do imóvel com a respectiva entrega das chaves, conforme previsão da cláusula 12ª, caput.

Sabe-se que o contrato de locação é regido pela Lei nº 8.245/91 e que a prorrogação da fiança está prevista no art. 39, que trata das garantias: salvo disposição contratual em contrário, qualquer das garantias da locação de estende até a efetiva devolução do imóvel.

Convergindo com tal realidade é o § 1º do art. 46 da mesma Lei, que assim dispõe: Findo o prazo ajustado, se o locatário continuar na posse do imóvel alugado por mais de trinta dias sem oposição do locador, presumir-se-á prorrogada a locação por prazo indeterminado, mantidas as demais cláusulas e condições do contrato.

Além disso, segundo a norma legal do art. 23, inciso III, da lei 8.245/91, vê-se que a entrega das chaves deve estar acompanhada da quitação das obrigações contratuais. Qual seja, a prova do pagamento dos aluguéis, encargos e que o imóvel foi devolvido nas mesmas condições do início da locação, assim não ocorrendo, não há como encerrar o compromisso do locatário e dos fiadores, permanecendo hígida a obrigação dos últimos pelo pagamento dos locativos e encargos em atraso, os quais são referentes ao período em que vigorava a garantia prestada, ainda que automaticamente prorrogada a locação, por prazo indeterminado, já que os fiadores não procederam de acordo com o art. 1.500 do Código Civil.

Neste contexto, está claro que o contrato se prorroga automaticamente por força de lei e não há necessidade da anuência dos fiadores com relação à prorrogação legal do contrato e extensão de sua responsabilidade determinada por lei porque tal fato não significa aditamento.

No conceito de Luís Camargo Pinto de Carvalho, Juiz do Segundo Tribunal de Alçada de São Paulo, em artigo sobre o tema1 assim se posicionou:

 

“A argumentação calcada na disposição contida no Código Civil anterior (art. 1.483), de que a fiança não deve receber interpretação extensiva, absolutamente não se presta a tal. É elementar que nenhuma regra geral de interpretação pode prevalecer contra dispositivo expresso, contido em qualquer corpo de leis, seja geral, seja especial, nem sobre regra contratual, relativa à matéria dispositiva. Norma interpretativa tem aplicação no vazio legal ou contratual, que não é o caso, pois o texto da Lei Inquilinária é de meridiana clareza.

(…) Não pode ser ignorado que o Código Civil é lei geral em relação à Lei 8.245/1991. Assim, aplica-se ao caso o §2º do art. 2º da Lei de Introdução, que é uma típica lex legum, ao dispor que “a lei nova, que estabeleça disposições gerais ou especiais a par das já existentes, não revoga nem modifica a lei anterior.

Por conseguinte, e repetindo, sendo a Lei do Inquilinato, manifestamente, lei especial em relação ao Código Civil, é de palmar evidência, tendo em conta as mais elementares regras de hermenêutica, que o dispositivo especial nela contido, no sentido de que “qualquer das garantias da locação se estende até a efetiva devolução do imóvel”, não pode ter sua aplicação reprimida com base na lei geral.

Não se podendo olvidar, ademais, que a Lei Inquilinária é da mesma força hierárquica do Código Civil.

Aliás, possivelmente para impedir interpretações apressadas como essa, no sentido da exoneração do fiador após o termo final do contrato, é que o Código Civil vigente diz expressa e desnecessariamente o óbvio no art. 2.036: “A locação de prédio urbano, que esteja sujeita à lei especial, por esta continua a ser regida”.

 

Quanto ao enunciado da Súmula nº 214/STJ, este se aplica nas situações em que houver aditamento do contrato, sem a participação dos fiadores, cujo conteúdo modifica parcial ou integralmente as cláusulas e condições estabelecidas no contrato original.

Evidente que a Súmula não pode admitir entendimento diverso da restrita questão de que o fiador não responde por obrigações decorrentes de aditamento que não anuiu, isto é, responde tão-somente por obrigações assumidas.

No caso, a locação foi prorrogada por prazo indeterminado, de modo que o fiador permaneceria responsável até a entrega das chaves, conforme ônus assumido no contrato de locação. Assim, bem ciente estava da obrigação que assumiu e de que a garantia persistiria enquanto durasse o contrato.

Ademais, sem embargo de entendimento em sentido contrário, a fiança foi condição exigida para poder vigorar a locação pretendida pelo afiançado e dada em face do contrato até seu termo, compreendendo isto até a desocupação pelo inquilino, permitindo que o locador tivesse segurança na contraprestação.

É certo que a Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça havia firmado a compreensão no sentido de que, na fiança ofertada em contrato de locação, o garante não respondia pelas obrigações futuras que não havia anuído, advindas após a prorrogação do contrato por tempo indeterminado, sendo irrelevante cláusula contratual prevendo que estaria obrigado até a entrega das chaves, nos termos da Súmula 214/STJ.

Contudo, vale ressaltar que tal matéria não vinha recebendo tratamento uníssono no âmbito das Turmas que compõem a 3ª Seção daquela Corte, tendo em vista que alguns recursos especiais não foram conhecidos ao entendimento de que a simples prorrogação do contrato de locação por tempo indeterminado não teria o condão de afastar a responsabilidade dos fiadores.

A Terceira Seção do Superior Tribunal de Justiça, no julgamento do EREsp 566.633/CE, ocorrido em 22/11/2006, em que foi relator o Min. Paulo Medina, firmou a compreensão no sentido de que: “havendo cláusula expressa no contrato de aluguel de que a responsabilidade dos fiadores perduraria até a efetiva entrega das chaves do imóvel objeto da locação, não havia que se falar em desobrigação por parte dos fiadores, ainda que o contrato tivesse se prorrogado por prazo indeterminado.” O voto condutor do referido acórdão foi assim concebido:

 

A fiança é a promessa, feita por uma ou mais pessoas, de satisfazer a obrigação de um devedor, se este não a cumprir, assegurando ao credor o seu efetivo cumprimento.

Esse tipo de garantia tem como características a acessoriedade, a unilateralidade, a gratuidade e a subsidiariedade.

Ante suas características, e nos termos do Código Civil, tanto o revogado (art. 1.483) quanto o novo (art. 819), o contrato de fiança não admite interpretação extensiva.

Nestes termos, pode-se extrair que a fiança: a) é um contrato celebrado entre credor e fiador; b) é uma obrigação acessória à principal; c) pode ser estipulado em contrato diverso do garantido, como também inserido em uma de suas cláusulas, mas sem perder a sua acessoriedade; d) não comporta interpretação extensiva, logo o fiador só responderá pelo que estiver expresso no instrumento de fiança, e, e) extingue-se pela expiração do prazo determinado para sua vigência; ou, sendo por prazo indeterminado, quando assim convier ao fiador (art. 1.500 do CC revogado e 835 do novo CC); ou quando da extinção do contrato principal.

 

Ao transportar este instituto para a Lei de Locação, imprescindível que os artigos do referido Diploma Legal se adaptem aos princípios norteadores da fiança.

Ainda que o artigo 39 da Lei n.º 8.245/91 determine que “Salvo disposição contratual em contrário, qualquer das garantias da locação se estende até a efetiva devolução do imóvel”, tal regramento deve se compatibilizar com o instituto da fiança, se esta for a garantia prestada.

Assim, a cada contrato de fiança firmado, diferentes conseqüências serão produzidas aos encargos do fiador.

Dessa forma, há que se fazer algumas considerações: 1º) se os fiadores concordaram em garantir a locação, tão-somente, até o termo final do contrato locativo (prazo certo), não responderão pelos débitos advindos da sua prorrogação para prazo indeterminado;2º) se os fiadores concordaram em garantir a locação até o termo final do contrato locativo (prazo certo) e expressamente anuíram em estender a fiança até a entrega do imóvel nos casos de prorrogação do contrato locativo para prazo indeterminado, responderão pelos débitos daí advindos.

Entretanto, na segunda hipótese, ante o caráter gratuito da fiança e a indefinição temporal para a entrega do imóvel, eis que depende exclusivamente da vontade do locatário, a garantia deve ser entendida como sendo por prazo indeterminado, a possibilitar ao fiador a sua exoneração, nos termos do artigo 1.500 do Código Civil revogado, se o contrato tiver sido celebrado na sua vigência, ou do artigo 835 do Novo Código Civil, se o contrato foi acordado após a sua entrada em vigor.”

 

Como já mencionado alhures, os fiadores obrigaram-se até a efetiva entrega das chaves do imóvel, ainda que o contrato se prorrogasse.

Assim, continuariam os fiadores responsáveis pelos débitos locatícios posteriores à prorrogação legal do contrato, uma vez que anuíram expressamente a essa possibilidade e não se exoneraram nas formas do art. 1.500 do Código Civil de 1916 (art. 835 do novo Código Civil), na medida em que não houve acordo entre as partes nem declaração judicial nesse sentido.

 

A propósito, já decidiu esta Câmara Cível:

 

AÇÃO DE EMBARGOS À EXECUÇÃO. RECURSO PRINCIPAL. PRORROGAÇÃO DO CONTRATO DE LOCAÇÃO POR TEMPO INDETERMINADO. ANUÊNCIA DO FIADOR, ATRAVÉS DE CLÁUSULA CONTRATUAL PELA QUAL SE RESPONSABILIZA ATÉ A EFETIVA ENTREGA DAS CHAVES. RESPONSABILIDADE QUE SE ESTENDE ATÉ A EFETIVA DEVOLUÇÃO DO IMÓVEL. INAPLICABILIDADE DA SÚMULA N° 214 DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA AO CASO CONCRETO. DECISÃO REFORMADA. RECURSO ADESIVO. VERBA HONORÁRIA. APELO PREJUDICADO.

1. Em se tratando de hipótese em que os fiadores expressamente anuíram à prorrogação automática do contrato, através de cláusula segundo a qual se responsabilizaram até a devolução do imóvel e a efetiva entrega das chaves, continuam responsáveis pelos débitos locatícios, se não se exoneraram nas formas dos artigos 1.500 do CC/16 ou 835 do CC/02.

2. Diante do provimento e do recurso principal, com a conseqüente inversão dos ônus de sucumbência, resta prejudicado o recurso adesivo que pleiteava a majoração dos honorários advocatícios.

3. Recursos principal conhecido e provido. Recurso adesivo prejudicado.

(APELAÇÃO CÍVEL Nº 416.114-4, DE CURITIBA – 18ª VARA CÍVEL – RELATOR : DES. FERNANDO WOLFF BODZIAK).

 

Portanto, no presente caso, por ter sido prorrogado o contrato de locação e não ter sofrido nenhum aditamento, não tem aplicação ao caso o enunciado da Súmula 214 do STJ, não sendo caso de exonerar o fiador apenas pelo decurso do prazo certo inicialmente estabelecido no contrato.

No entanto, comporta acolhimento a pretensão deduzida pelo segundo apelante de se eximir da obrigação porque não foi notificado a respeito da separação da locatária e da conseqüente sub-rogação do contrato de locação por prazo indeterminado.

A doutrina e a jurisprudência mais recentes entendem que o contrato de fiança deve ser interpretado restritivamente e, sendo ela de natureza intuito personae, não pode o fiador se responsabilizar mais pelas cláusulas e encargos contratuais, em caso de sub-rogação do contrato de locação, em favor de pessoa distinta daquela para qual foi prestada a fiança.

Comungo desse posicionamento e entendo, portanto, que não pode o segundo apelante, no caso em questão, ser responsabilizado pelo pagamento de qualquer encargo contratual, a partir da data em que ocorreu a sub-rogação. E, assim, deve ser porque inexistiu renovação da fiança em relação a Fábio Aparecido Franz.

Na espécie, conforme já mencionado, no dia 22 de janeiro de 2007, em razão da expressa disposição do art. 12 da Lei n. 8.245/91, a locatária Maria de Lourdes Pinheiro enviou a notificação de fl. 16 à Imobiliária Vécio Lúcio de Oliveira S/C Ltda, responsável pela locação, dando ciência da separação de fato e requerendo a exoneração de sua responsabilidade pela locação.

Cabia à Locadora dar fiel cumprimento ao disposto no parágrafo único do art. 12 da Lei de Locações (com a redação vigente à época) e, querendo, exigir “no prazo de trinta dias, a substituição ao fiador ou o oferecimento de qualquer das garantias previstas nesta lei”. Se assim não o fez no momento oportuno, assumiu o risco da exoneração do fiador então existente.

Diante de todo o exposto, voto pelo desprovimento da apelação interposta por Fabio Aparecido Franz e pelo provimento da apelação manejada por Evanildo Pinto Rodrigues para, em relação ao fiador, julgar improcedente o pedido inicialmente deduzido, respondendo a parte autora pelo pagamento dos honorários do respectivo advogado do fiador, estes arbitrados em R$500,00 (quinhentos) reais, corrigíveis a partir desta data, em atenção ao trabalho exigido e realizado e ao rápido processamento do feito, atendidas, assim, as recomendações do art. 20, §4º, do Código de Processo Civil..

 

3. Dispositivo:

ACORDAM os Magistrados integrantes da 11ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná, por unanimidade de votos, em negar provimento à apelação nº 1 (de Fabio Aparecido Franz) e em dar provimento à apelação nº 2 (de Evanildo Pinto Rodrigues), nos termos do voto do Relator.

O julgamento foi presidido pelo Excelentíssimo Senhor Desembargador FERNANDO WOLFF BODZIAK, e acompanharam o Relator os Excelentíssimos Senhores Magistrados RUY MUGGIATI e CARLOS HENRIQUE LICHESKI KLEIN.

Curitiba, 04 de maio de 2011.

 

Juiz ANTONIO DOMINGOS RAMINA JUNIOR Relator Convocado

 

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