A proposta de aplicar o Código de Defesa do Consumidor aos serviços dos cartórios de notas e de registro de títulos e do

Oscar Ivan Prux

A Lei nº 8.078/90 (Código de Proteção e Defesa do Consumidor) patrocinou uma revolução na sociedade brasileira, basta observar a diferença na qualidade dos produtos e serviços desde sua entrada em vigência. Ao que se acresce, as vantagens que os consumidores conseguiram ao ter acesso as informações sobre seus direitos, bem como, as formas judiciais e extrajudiciais de solução de conflitos em relações de consumo. Esse contexto ajudou a evoluir o país economicamente. Todavia, em serviços nos quais há algum envolvimento do Estado, o progresso não foi de mesmo nível. Numa lógica racional, independente do pagamento ser direto (pelo consumidor) ou indireto (pela população, via tributos), não existe motivo para um serviço público ter qualidade diferente de um serviço privado. Entretanto, essa lamentável circunstância faz parte da realidade e da cultura brasileira (note-se: – as diferenças quanto aos serviços de saúde na esfera privada e na esfera pública; – a qualidade das estradas conservadas com dinheiro dos tributos e as pedagiadas, etc.). Enquadrar um Estado cuja máquina é dominada por políticos forjados numa cultura que considera irrelevante o descumprimento de padrões de qualidade dos serviços e de prazos, representa um desafio para o Século XXI. O Código de Proteção e Defesa do Consumidor, embora sem conseguir abranger todos os serviços públicos (ficaram de fora os uti universii, custeados através da arrecadação de tributos), deu um primeiro passo prevendo sua aplicação aos serviços públicos remunerados de forma específica (os uti singulii), mas ainda existe muito por evoluir. E, nesse contexto, gravitam aquelas prestações de serviços que são realizadas pelos cartórios de notas e registro de títulos e documentos.

Diz a Constituição Federal, em seu artigo 236: “Os serviços notariais e de registro são exercidos em caráter privado, por delegação do poder público”.

No sentido funcional, essa sistemática pela qual a iniciativa privada exerce serviços originariamente de prerrogativa do poder público e que são pagos pelos consumidores, evidentemente, se justifica que estejam abrangidos pelo Código de Proteção e Defesa do Consumidor. Reconhecidamente, os serviços de cartórios são de interesse geral ou coletivo e diante do contido no artigo 22, do CDC, que arrola aqueles prestados por concessão, permissão ou qualquer outra forma de empreendimento, essa concepção merecia que fosse automática, sem contestações, inclusive por conta de que o consumidor remunera em específico o serviço que contrata. Entretanto, diante da resistência de prestadores desses serviços, agora essa determinação vem expressada textualmente pelo Projeto de Lei nº 4.330/08 aprovado pela Comissão de Finanças e Tributação, devendo seguir em caráter conclusivo para exame da Comissão de Constituição de Justiça e de Cidadania.

O lobby dos cartórios é dos mais conhecidos e poderosos do país quando busca seus interesses corporativos, principalmente quando o assunto envolve valor de custas. E não deverá ser diferente no sentido de batalhar contra a aplicação do Código de Proteção e Defesa do Consumidor à esse serviços. Entretanto, se espera que prevaleça o interesse social, pois o consumidor, sempre que necessita de serviços cartoriais, não encontra alternativa senão pagar as custas que lhe são apresentadas, sob pena de ver seus processos (como uma escritura de imóvel ou registro) não serem efetivados. Vale frisar que não existe livre iniciativa no setor de cartórios (que geram rendimento para seus titulares e não para a coletividade) e o consumidor está subjugado a ter de procurar unicamente os serviços apenas daquele que recebe a delegação do Poder Público.

Assim, conforme o previsto pelo CDC, com a imposição do dever de qualidade nos serviços e com custas em valores condizentes, se estará protegendo o consumidor individual e coletivamente, forma pela qual se pode atender ao interesse social. A par disso, se oportunizará uma sensível evolução em um setor no qual a população sempre percebeu vínculos muito estreitos com práticas políticas pouco recomendáveis e serviços de qualidade questionável (ao modelo de alguns setores do serviço público).

Será um avanço, se consolidar-se a esperança de que o Século XXI confirme que o Código de Proteção e Defesa do Consumidor deve ser aplicado a todos os serviços para destinatário final, quer eles sejam praticados pela iniciativa privada, quer sejam pelo Poder Público. Quando este dia chegar, não haverá dúvida de que o Brasil será uma nação desenvolvida, na qual existirá respeito aos direitos dos consumidores, inclusive por conta de que estes são os mais próximos dos direitos humanos.

Oscar Ivan Prux é advogado, economista, professor, especialista em Teoria Econômica, mestre e doutor em direito. Coordenador do curso de direito da Universidade Norte do Paraná – Unopar. Diretor do Brasilcon para o Paraná.