Viver outra vez

Se soubesse que amanhã morreria, morreria contente. Pensei assim, se tivesse as razões de Fernando Pessoa.

Eu não tenho nenhuma razão para morrer amanhã, nem depois de amanhã. Sou refém de sentimentos que impõem continuar a viver. Um deles é sofrer pelo Atlético.

Já não tinha mais ilusões, como ninguém deveria ter ilusões àquela altura do jogo, que era a própria vida. Mas eis que, quando já se foram as ilusões, surge um repente divino: aos 95 minutos, quando tudo já estava consumado, Rafael Moura, um irresponsável predestinado, bate de cabeça a bola vinda do último cruzamento de Netinho, e faz o gol que devolveu a vida que estava perdida ao Atlético.

Atlético 1 x 0 Sport Recife. Não houve jogo. Houve um drama, diria Nelson Rodrigues. O Atlético, por não jogar, provocou um dos maiores sofrimentos à sua torcida. Passou todo o tempo sem chutar uma única bola em gol, num jogo em que a vitória era a única solução de vida.

Se não fraquejou antes, foi porque a sua torcida não deixou. Sempre a torcida. A certa altura, bem que merecia, porque estava perdido, sem rumo, sem alma, sem nada. Ou quase sem nada. Uma ou outra esperança com o extraordinário Valencia, que mais do que o corpo, dá alma pela causa atleticana.

Um gol depois do tempo, como esse de Rafael Moura, não explica uma vitória. Explica um milagre, talvez. Lembrei de Churchill, às vésperas da batalha da Grã-Bretanha contra os alemães: “Alegrai vossos corações. Tudo terminará bem!”.