Diabetes está mais perto do controle

A descoberta se deu quase que por acaso: ao observarem que pacientes submetidos à cirurgia bariátrica, também conhecida por redução do estômago ou cirurgia da obesidade mórbida, médicos perceberam que quando esses pacientes eram portadores de diabetes do tipo 2, na sua imensa maioria, tinham suas taxas de glicose muito diminuídas ou quase normalizadas já nos primeiros dias do pós-operatório. A princípio, acreditavam que isso se devia a uma importante modificação nos hábitos alimentares, devido à dieta imposta aos pacientes, muitas vezes obrigando-os a um jejum prolongado.

?Estudos demonstraram que o controle do diabetes era mais rápido do que a própria perda de peso para o qual a cirurgia fora indicada?, reconhece o cirurgião do aparelho digestivo Marcos Cury Neubauer. O especialista acrescenta que os níveis de glicose continuaram se mantendo em índices baixos na maioria dos pacientes operados. Também se constatou que, quando um determinado segmento do tubo digestivo ficava desviado dentro do abdômen, portanto sem contato com os alimentos, as taxas de glicose após as refeições se apresentavam normalizadas.

Baseado nessas evidências, o cirurgião italiano Francesco Rubbino, desenvolveu uma cirurgia que veio confirmar este achado clínico. Outros pesquisadores confirmaram que num determinado segmento do tubo digestivo é que ocorre a absorção rápida dos açúcares e que se este segmento for desviado, a absorção dos fatores glicogênicos não ocorre e conseqüentemente controla-se o diabetes.

Estímulo à insulina

Respaldados nessa comprovação científica, vários serviços de cirurgia em todo o mundo vêm realizando essas cirurgias com resultados animadores no controle do diabetes tipo 2 em pacientes incluídos num protocolo de tratamento cirúrgico. ?Temos que deixar bem claro que o procedimento não promove a cura do diabetes, mas, sim, o controle progressivo da doença?, frisa Marcos Cury, que desde o mês de março deste ano já realizou mais de cinqüenta cirurgias desse tipo, no Hospital Pilar e na Clínica Gandhi, ambos em Curitiba. Uma delas, conseguiu controlar a doença descoberta tardiamente pela dona-de-casa Solange (que não quer ser identificada). Ela, que mora no interior do Estado, se submeteu à cirurgia e diz que com os resultados ?ganhou mais anos de vida e, o que é melhor, com qualidade?.

Por enquanto, a cirurgia não é indicada para todos os portadores de diabetes (Veja no box as restrições). Cury salienta que a cirurgia também não tem efeito sobre a perda de peso, pois o alimento continua chegando ao estômago, só que mais precocemente. A técnica que vem sendo chamada de ?exclusão duodenal? cria um atalho para o alimento no aparelho digestivo. Esse desvio tem o objetivo de fazer com que o alimento chegue mais rápido à parte final do intestino, lugar em que ocorre a parte mais importante da digestão, onde é absorvida a maior parte dos nutrientes. ?Se a comida chega mais cedo, o hormônio fabricado pelo aparelho digestivo é produzido mais rapidamente?, esclarece o especialista, completando que ao cair na corrente sanguínea são levados até o pâncreas, onde estimulam a fabricação de insulina.

A maior parte dos diabéticos que passou pela cirurgia manteve um controle da doença. Já nos primeiros dias, após o procedimento, esses pacientes tiveram suas taxas de glicose muito diminuídas ou já normalizadas. Aqueles que eram obrigados a tomar diariamente injeções de insulina se livraram por completo do desconforto. Outros, como a dona-de-casa Solange, ainda precisam fazer uso de antidiabéticos orais, mas se encaminham para dizer adeus aos medicamentos. ?Não vejo a hora de que isso aconteça?, completa ansiosa.

Amargo diagnóstico

Vizinhos dos fundos do fígado, o pâncreas tem diversas funções, inclusive ajudar no processo digestivo. Ele também produz insulina – o hormônio que ajuda o corpo a estocar e usar glicose. Toda vez que a pessoa come, a glicose entra no fluxo sangüíneo.

A insulina é o carteiro e a glicose a correspondência. Assim, a insulina é responsável por levar a glicose (açúcar) da corrente sangüínea para a maioria das células, para que o organismo a use como combustível.

No entanto, seria bom que a oração sagrada dos carteiros:

“Nem o sol, nem a chuva, etc.”, servisse para a insulina: nem as doenças do sangue, nem as células de gordura, nem as doenças hereditárias a impediriam de entregar a glicose pelo corpo todo. Só que isso não funciona exatamente assim e em algumas pessoas a interrupção do fluxo da insulina leva ao diabetes. As pessoas com diabetes têm, basicamente, excesso de açúcar no sangue porque o pâncreas não produz insulina suficiente ou porque seus músculos, camada de gordura, fígado e outras células fecham as portas para a insulina, não permitindo que a glicose seja entregue.

O diabetes do tipo 1, por exemplo, geralmente diagnosticado na infância, ocorre quando o pâncreas produz pouco ou nada de insulina.

O diabetes do tipo 2, o mais comum, se instala quando o corpo não é capaz de processar a glicose para transformá-la em combustível.

A obesidade é o maior fator de risco e uma das razões para termos níveis tão altos da doença. Segundo dados da Organização Mundial da Saúde (OMS) existem hoje no mundo cerca de 200 milhões de diabéticos e a estimativa é que esse número salte para 333 milhões até o ano de 2025.

Artérias envelhecidas

Há outros problemas associados com o diabetes, incluindo micção freqüente, fadiga, impotência, envelhecimento arterial acelerado e, até mesmo, problemas de visão que podem causar cegueira. As medidas mais importantes para reduzir o risco da doença são manter o peso baixo, manter uma atividade física regular e manter a pressão arterial sob controle. Isso porque, tanto a hipertensão quanto o alto nível de açúcar no sangue aceleram o processo de envelhecimento das artérias. Com efeito, elas deixam de levar o sangue para órgãos importantes, como o coração e o cérebro, aumentando a possibilidade de ataques cardíacos e derrames cerebrais. O diabetes também pode causar uma série de infecções que ameaçam a saúde dos seus portadores, como infecções de bexiga, rim ou órgãos genitais, além de doenças bucais. Mesmo um pequeno corte no pé, por exemplo, pode não ser curado totalmente e desenvolver-se como uma potencial ameaça à vida. O tratamento correto do diabetes significa manter uma vida saudável, evitando diversas complicações que surgem em conseqüência do mau controle da glicemia.

Os eleitos

A cirurgia de “exclusão duodenal” ainda não é indicada para todos, devendo seguir um rígido protocolo. Confira as condições para se candidatar ao procedimento.

* Ser portador de diabetes tipo 2

* Ter menos de 60 anos de idade

* Apresentar taxa de hemoglobina glicolisada menor que 7,5

* Ser portador da doença há menos de 10 anos

* Índice de massa corpórea (IMC) menor que 35

* Não apresentar obesidade mórbida

Hormônios em sintonia

Na pessoa sadia

1 durante a digestão, quando o alimento chega ao duodeno, ocorre a liberação do hormônio GIP

2 Ao passar pelo íleo, o alimento deflagra a produção do hormônio GLP-1

3 Os hormônios GIP e GPL-1 estimulam o pâncreas a produzir insulina

4 Ao cair na corrente sangüínea, a insulina se liga às moléculas de glicose, principal combustível das células do organismo

5 Como uma espécie de chave, a insulina abre a porta das células para a entrada da glicose

No diabético

1 A doença compromete a ação do hormônio, não conseguindo estimular o pâncreas a secretar insulina

2 Um diabético sintetiza, em média, um décimo do volume de hormônio produzido por uma pessoa sadia

3 Sem os estímulos dos hormônios, o pâncreas tem dificuldades para sintetizar insulina

4 Com efeito, nem toda a glicose proveniente da digestão é transportada para dentro das células

5 O acúmulo de glicose no sangue caracteriza o diabetes

Na cirurgia de interposição do íleo

Um pedaço do íleo é deslocado para a porção superior do jenuno, aproximando-o do estômago. Assim, o alimento chega mais rapidamente – e menos degradado – ao íleo, facilitando a secreção de insulina.

Na cirurgia de exclusão do duodeno

O duodeno e 40% do jenuno são desviados para a porção inferior do intestino delgado. Com isso, o alimento chega mais rapidamente e menos degradado ao íleo, facilitando a secreção de insulina.

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