Província argentina de Jujuy é desafiadora por natureza

Berço de um povo orgulhoso de suas origens, que mantém até hoje hábitos do período pré-colombiano, Jujuy é a mais setentrional província da Argentina.

E o fator determinante da cultura do lugar o viajante percebe logo de cara: a maioria da população com cerca de 500 mil pessoas – é composta por mestiços de índios quechuas e calchaquis ou ainda por outras etnias emigradas dos elevados vales do país com que faz fronteira ao norte, a Bolívia.

Nas campanhas, os costumes e o vestuário fazem pensar mais à Bolívia e ao Peru que a Buenos Aires. O próprio nome, Jujuy (lê-se ?rurui? em português), foi dado devido a um grito dos indígenas que soava dessa forma aos ouvidos dos conquistadores espanhóis que lá chegaram no final do século XVI.

Mas não cometa o erro de se dirigir a esse povo como ?índios?. Seus antepassados lutaram contra a chegada do império inca e, mais tarde, contra os espanhóis. Assim, são avessos a denominações criadas pelos ?invasores? (lembre-se que a palavra ?índio? surgiu com os espanhóis, que pensavam estar nas Índias Orientais, quando na verdade tinham chegado à América). Tam pouco gostam das denominações ?nativos? e ?aborígenes?. Criaram para si o termo de ?originales?, ou ?originais?, em bom português.

Contado dessa forma, Jujuy parece ser lar de pessoas que não gostam de receber turistas. Nada mais falso. A província é hoje um dos principais destinos turísticos escolhidos pelos argentinos e também pelos vizinhos chilenos. Isso, em grande parte, pela amistosa acolhida do turista pelos jujeños.

Mas também porque a província tem quatro facetas distintas com suas características próprias: a quebrada, a puna, as yungas e os vales. Em cada uma delas, o viajante encontra atrativos e desafios diferentes, que podem ser desfrutados em uma única visita à Jujuy.

Vales e yungas

Para desfrutar Jujuy, a dica para os viajantes – especialmente os brasileiros, que gozam atualmente de um poder de compra que causa uma grande inveja aos vizinhos argentinos – é se basear na capital da província, San Salvador de Jujuy.

Única ?grande? cidade em toda a região (tem pouco mais de 200 mil habitantes), serve como uma confortável base para passeios em cada um dos variados destinos, além de contar com ótimos hotéis, restaurantes, museus e até cassinos.

San Salvador fica na região dos vales, bem ao sul, nas áreas mais baixas da província, o que permite ao turista uma aclimatação aos rigores da altitude que se encontram nas demais regiões de Jujuy.

Dali se chega fácil à zona da yunga, mais ao norte, conhecida como ?a outra cara de Jujuy?, pois ao contrário do aspecto desértico que predomina na província, a yunga é na verdade uma floresta subtropical. Ali fica o Parque Nacional Calilegua, com vertentes termais e diversas propostas de ecoturismo e trekking pelas matas.

Humahuaca conserva crenças, ritos, arte e música

A fotogênica Rodovia Nacional Número 9, que liga Buenos Aires à Bolívia, é o eixo entre a quebrada e a puna.

Declarada em 2003 Patrimônio Cultural e Natural da Humanidade pela Unesco, a Quebrada de Humahuaca é um impressionante cânion andino com cerca de 150 quilômetros de extensão, rodeado por altas e coloridas cadeias montanhosas e cavado pelo Rio Grande. As cidades na quebrada ficam, em média, a 2 mil metros de altitude.

Além da estonteante paisagem, os povoados quebradenhos são um atrativo à parte: unem história e as tradições das suas raízes ancestrais.

É uma paisagem cultural única no mundo, já que os povoados ?originais? da zona conservam crenças religiosas, ritos, festas, arte, música e técnicas agrícolas. Um verdadeiro ?patrimônio vivente? com mais de 10 mil anos.

Para o turista, o percurso da Quebrada de Humahuaca tem como eixo central a Rodovia Nacional Número 9, que liga Buenos Aires à Bolívia. Pela via rodeada de ?cardóns? (espécie de cactus local) se chega às importantes cidades de Purmamarca, Tilcara e Humahuaca. Por ela se vai às alturas da puna, que passa dos 4 mil metros de altitude. E é por essa rodovia que se chega à fronteira do Chile.

Puna

Se você é um daqueles que acham que o ?mal da altitude? é desculpa de jogador de futebol preguiçoso, vai pensar novamente após um passeio pela puna de Jujuy. Trata-se de um altiplano escassamente povoado com grandes contrastes térmicos diários e pouca vegetação. Mas é exatamente nas alturas que estão algumas das vistas mais belas da região.

Dirigindo pela Cuesta de Lipan através da Rodovia Nacional Número 9, sucessivas curvas abrem caminho a uma paisagem de incomparável beleza por entre as Sierras onde se alcança incríveis 4,3 mil metros de altitude! – até deslanchar no manto branco da Salina Grande, um imenso deserto de sal dono de uma paisagem de se tirar o fôlego.

Ao passear pela puna o viajante deve se lembrar de levar roupa variada por causa da à amplitude térmica. Deve-se beber e comer com moderação e não caminhar de forma apressada. Para aliviar os efeitos do ?apunamento?, aconselha-se drágeas de alho ou até mesmo tomar um chá de coca. Mas faça isso sob a supervisão de um guia local.

Um mosaico de atrativos

Diogo Dreyer

Da mesma forma que a população negra e indígena contribuiu para o aparecimento de um catolicismo bem particular no Brasil, o sincretismo religioso no norte da argentina transformou a religião trazida pelos europeus.

Em Jujuy, as missas e o culto aos santos cristãos dividem espaço com crenças andinas herdadas dos incas. A ?Pachamama?, a mãe terra, é o similar local da Virgem Maria.

Fotos: Diogo Dreyer

Salina Grande: branco absoluto forma a paisagem fantástica em meio à desértica puna.

Freqüentemente as duas imagens dividem os mesmos lugares de adoração, como se fossem uma única divindade.

A crença na Pachamama é muito forte entre os jujeños. A ela é preciso agradecer pelas dádivas alcançadas.

Por isso, os habitantes da província sempre deixam alguma oferenda – comida, bebida ou até cigarros – em montinhos de pedras à beira de quase todas as estradas ou em lugares considerados sagrados, como os topos das montanhas.

Os cemitérios na província costumam ser construídos em lugares altos, para que o falecido descanse perto do céu. O de Maymará é o mais visitado de Jujuy.

Festa da Carne

O Carnaval de Humahuaca, na região da quebrada, conta com uma entusiasmada participação popular e é um dos mais famosos da Argentina. Durante seus oito dias os participantes usam máscaras de diabos (?Pujllay?), que garantem o anonimato durante o período em que os jujeños acreditam que o lado obscuro das pessoas emerge.

Compras e descanso

Procissão em Uquia revela um pouco da cultura dos jujenõs.

Em Jujuy não faltam opções para os viajantes que gostam de boa comida, quartos de hotéis confortáveis e fazer compras.

Neste último quesito, o destaque é o artesanato. O turista pode escolher entre ponchos, tapetes e mantas feitos a partir da lã de lhama, vicunha e guanaco. Tudo decorado com temas andinos.

E como em qualquer lugar turístico, os preços são mais salgados próximos aos locais de maior visitação. E como o brasileiro por lá anda com fama de endinheirado, os vendedores logo dobram o valor que cobrariam de um consumidor argentino. Mas talvez por esse motivo, os comerciantes são abertos a negociações. Pechinche.

Alimentação

Como regra geral, a comida na Argentina não recebe muito tempero. Até mesmo o sal e a pimenta são bem controlados pelos chefes. Por isso, visitantes com estômagos sensíveis não terão problemas com a alimentação. Por outro lado, se você é vegetariano, a coisa muda drasticamente. Mesmo sempre tendo alguns legumes, a carne é a base de 90% dos pratos em Jujuy.

E a carne de lhama é a iguaria local mais apreciada. Você a encontrará em diversas apresentações: guisados, ensopados, assada, frita. Mas apesar de ter pouca gordura, não é das mais saborosas.

Caso fique com saudade de um bom filé, lugares para comer uma boa ?parrilla? argentina não faltam em Jujuy. Além disso, a maioria dos restaurantes serve os suculentos bifes de chorizo.

O jornalista viajou a convite da Secretaria de Turismo do Estado de Jujuy.

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