Traição virtual com intenções bem reais

Conhecer pessoas pela internet, hoje em dia, é uma das coisas mais comuns em todo lugar. A rede permite ao usuário fazer amigos e se relacionar com pessoas de vários cantos do mundo.

Mas a facilidade da modernidade trouxe com ela a traição virtual, que pode resultar ou não em um encontro ou um relacionamento real. Para quem está em uma relação estável no mundo real, o ato pode configurar quebra do dever de fidelidade, mesmo que só haja troca de mensagens virtuais.

Este tipo de traição tem tomado tamanha proporção que até já motivou a criação de um “detetive online”. Procurando em sites de buscas, é fácil encontrar a página da Investigação Virtual (www.investigacao-virtual.org).

Solicitam o serviço pessoas que desconfiam que estejam sendo traídas pelos parceiros, os quais embarcam em relacionamentos baseados na internet. “A pessoa passa a desconfiar quando o outro não sai do computador ou quando chega perto e a pessoa fecha rapidamente a página que estava visitando”, comenta Carlos Rodrigues, um dos responsáveis pelo site. De acordo com ele, 60% dos clientes são mulheres entre 20 e 50 anos.

Por R$ 1,2 mil, compra-se um aplicativo. Este é instalado no computador “suspeito”. O programa levanta e-mails ocultos e senhas, dando acesso às mensagens.

A própria pessoa que procurou pelo serviço pode, a partir da instalação, fazer a sua investigação. “Nenhum antivírus detecta o aplicativo. Existe a possibilidade de instalar remotamente também”, explica Rodrigues.

A pessoa traída pode pedir a separação judical com base na traição virtual. A advogada Juliana Marcondes Vianna, do Escritório Katzwinkel e Advogados, em Curitiba, explica que o envolvimento virtual configura quebra do dever de fidelidade porque demonstra a intenção de cometer determinato ato.

Se a traição virtual abalar o casamento e causar outros problemas, o traído pode pedir indenização por danos morais. “Pode basear o pedido se a traição causou prejuízo substancial, se a pessoa se sentiu ofendida ou exposta. Nestes casos, o pedido de indenização pode ser avaliado. No entanto, por si só, a quebra do dever de fidelidade não gera dano moral”, afirma a advogada.

Em 2008, a Justiça do Distrito Federal concedeu uma indenização de R$ 20 mil a uma esposa traída pelo marido, que praticou sexo virtual. Ela descobriu, no computador, correspondência eletrônica trocada entre o marido e outra mulher.

O encontro virtual passou a ser real e o marido começou a viajar muito para encontrar a amante. Segundo o argumento do processo judicial, ele passou a faltar com assistência material e imaterial. A esposa ainda descobriu que o marido contava a vida dela para a amante.

“Tais atitudes lhe fizeram sofrer, tendo que passar por acompanhamento psicológico, por atingirem sua honra subjetiva, e seus direitos personalíssimos”, cita o documento.

Os e-mails e o histórico de mensagens encontrados pela pessoa traída em um computador de uso coletivo, como o equipamento de casa, podem ser usados como prova no processo de separação e de pedido de indenização.

“Se for em um computador extremamente pessoal, a validade desta prova pode ser questionada pela garantia de intimidade da vida privada. A utilização de outros artifícios (como o aplicativo do Investigador Virtual) também podem ser questionados”, ressalva Juliana Vianna.

Web paixão: possível e provável

A traição virtual tem o mesmo motivo da traição real: algo está faltando no relacionamento. Quem afirma é a professora Lidia Weber, coordenadora do Núcleo de Análise do Comportamento da Universidade Federal do Paraná (UFPR).

“A internet facilita algumas questões. É um risco menor, é mais fácil expressar as fantasias, é mais fácil para se abrir, testar personagens. É possível se apaixonar pela internet, sim”, explica.

Ela realizou uma pesquisa sobre o comportamento do internauta universitário e suas relações no mundo virtual (ver quadro). Para a pesquisadora, quem está à procura ou já está se rel,acionando com alguém virtualmente precisa pensar que existe uma pessoa do outro lado da conexão.

“É um novo tipo de relação e um novo tipo de traição. Esta pode ser tão devastadora quanto a traição ‘carnal’. Depende de como você define a traição. No meu entender, configura estar ligado emocionalmente a uma pessoa no sentido romântico ou sexual. Fantasiar, tudo bem. Assistir a um filme e ter prazer sozinho é diferente de atingir o prazer em um contato com outra pessoa em uma ligação emocional”, esclarece.

A relação virtual permite um conhecimento de “dentro para fora”. A aparência, tão importante no mundo real, fica em segundo plano. “Já tive relatos de pessoas que só querem o caso virtual. E nada mais. Como se fosse um aditivo para a vida real”, revela Weber.

Mas, se a pessoa realmente estiver gostando da outra, vai querer promover um encontro e, nesse caso, corre o risco de se decepcionar. Afinal, nada substitui a realidade do olhar e do toque. (JC)

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