Luminol, um detetive auto-iluminado

luminol230406.jpgNa série televisa CSI – Las Vegas impressiona a rapidez com que o Inspetor Grissom e seus colaboradores esclarecem crimes cruentos ao uso da lanterna de luz ultravioleta após nebulizar a cena do crime com um solução mágica constituída basicamente de luminol. Por vezes, o alvo da investigação são peças de roupa do suspeito, mesmo que lavadas. Sob o facho de uma lanterna de luz ultravioleta, manchas de sangue, ainda que imperceptíveis ao olho nu quando não pré-tratadas, saltam à vista com um notável reflexo verde-azulado. Trata-se de um fenômeno designado de quimioluminiscência. Embora a Química subjacente não seja tão simples, os resultados são do máximo interesse para a Medicina Forense.

Foi em 1913 que a dupla Curtuis e Semper descobriu que uma solução de luminol ou 3-aminoftalohidrazida em soda quando em reação com água oxigenada ou hipoclorito de sódio emitia uma forte luz esverdeada. Durante esta reação, o luminol, em função do meio alcalino, tem os grupos secundários amino desprotonados e é convertido no sal dissódico do ácido 3-aminoftálico. No caso de interesse forense, é o cátion ferro (Fe2+) da hemoglobina do sangue que catalisa a reação quimioluminescente ou seja de liberação de fótons :

O luminol não é um reagente caro, mas até recentemente foi objeto de importação. Se alguém estiver interessado na síntese basta ler russo (M.A. Ivanova and M.A. Kononova, Chemical Lecture Experiment, Moscow, Vyschaya Shkola, 1984, p. 147) ou ter acesso a uma biblioteca de química que tenha em seus títulos algumas preciosidades pré-2.ª Guerra Mundial (E.H. Huntress, L.N. Stanley and A.S. Parker, "The preparation of 3-aminophthalhydrazide for use in the demonstration of chemiluminescence", J. Am. Chem. Soc., 1934, 56, 241). Descontente com tal situação, o Prof. Carlos Lopes, do Laboratório de Síntese e Análise de Produtos Estratégicos no Departamento de Química da UFRJ desenvolveu, a partir de 2001, uma síntese inovadora de luminol, utilizando um insumo no qual o Brasil é o maior produtor mundial: nióbio e seu pentacloreto. O estratégico instrumento de investigação é fornecido regularmente ao Instituto de Criminalística Carlos Éboli e a tendência é o suprimento de toda demanda nacional.

O pesquisador carioca advoga vantagens para o luminol brasileiro: a) faculta detecção de sangue até mesmo na ínfima concentração de ppb (partes por bilhão) enquanto o análogo importado está muito aquém (na faixa de ppm ou partes por milhão); b) dispensa a aplicação de luz ultra-violeta para a geração de "cor quimioluminescente" (aplicável, portanto, em florestas e matagais ou na falta de tal acessório que não seja movido a baterias), bastando apenas que o ambiente seja escuro; c) seu custo é cerca de apenas 10% do material importado. Lopes trabalha agora numa outra vertente estratégica: derivados do luminol que alarguem o tempo de emissão da luz quimioluminescente de 30 segundos para 60. O produto nacional, disponibilizado em 2 borrifadores para otimizar a detecção de sangue, é comercializado pela Fundação José Bonifácio da Universidade Federal do Rio de Janeiro. A pesquisa recebeu financiamento da Fundação Carlos Chagas Filho de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro.

Numa visão mais ampla da reação envolvida, ela se presta também para a determinação do próprio luminol ou compostos assemelhados (bastando para isto fixar todos demais reagentes), para a quantificação de água oxigenada (peróxido de hidrogênio) e para determinar cátions metálicos (o ferro é o exemplo em tela mas cobalto – Co2+ – é um catalisador ainda mais eficiente; cobre – Cu2+ – também funciona).

À luz do que foi brevemente exposto, um detetive desonesto (ou um criminoso esperto) poderia também falsear facilmente uma cena de crime antiga que visasse apontar pequeníssimas manchas de sangue. Bastaria para tal um pouco de chocolate e menos ainda de uma solução de um sal de cobalto. Por outro lado, uma limpeza com Q-Boa também seria suficiente, pois o hipoclorito residual persiste como oxidante. Mas a equipe do Inspetor Grissom sabe que sangue (muitos eritrócitos, muita hemoglobina, nenhum DNA – pois são células não nucleadas, a não ser que se trate de sangue de galinha!) sempre vem acompanhado das células da série branca (leucócitos), estes sim provedores do DNA para as provas forenses complementares. Em resumo, uma polícia com equipe de Medicina Forense efetivamente qualificada e bem aparelhada para o combate, também em bases científicas, contra a criminalidade. Um filme é mais convincente quando baseado na realidade.

José Domingos Fontana (jfontana@ufpr.br) é professor emérito da UFPR junto ao Departamento de Farmácia, pesquisador do CNPq e prêmio paranaense em C&T.

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