No Natal, cientistas olham para a Estrela de Belém

Existem eventos que pela sua natureza quase que não são questionáveis. Um deles refere-se ao Natal. Habituados que estamos a comemorá-lo todos os anos em 25 de dezembro, jamais poderíamos supor que o nascimento de Jesus tivesse ocorrido em outra data. No entanto, é justamente o nascimento de Cristo o acontecimento histórico que mais tem atraído a atenção de astrônomos, em particular daqueles interessados em problemas históricos e preocupados com a procura de uma explicação racional para o grande mistério da Estrela de Belém.

Para alguns autores, ela teria sido um mero sinal divino cientificamente inexplicável. Todavia, nem todos pensam do mesmo modo. Assim, para alguns notáveis astrônomos, dentre eles o alemão Johannes Kepler (1571-1630), o fenômeno luminoso, que apareceu no céu na época do nascimento de Cristo, deve ter sido um evento astronômico transitório.

Talvez um cometa, um meteoro, uma conjunção de astros, a explosão de uma estrela. Considerando que alguns desses fenômenos astronômicos foram observados antes e depois do nascimento de Cristo, será conveniente, antes de tentar associá-lo à Estrela de Belém, determinar a data mais provável do nascimento de Jesus. Como ainda existem sérias dúvidas com referência ao dia e ano em que Cristo nasceu, os historiadores procuram utilizar-se de fatos históricos bem conhecidos, assim como de fenômenos astronômicos, para estabelecer uma cronologia comparada que possa conduzir à mais provável data do nascimento de Cristo e, desse modo, explicar a natureza da visão observada pelos Reis Magos, como se acha relatada na Bíblia.

Por definição, Jesus nasceu no ano 1 de nossa era, pois o seu nascimento é o evento que marcou o início da era cristã. Na realidade, a verdade é outra. Tudo começou em 525 d.C., quando Dionísio, o Pequeno (séc.VI), fixou o nascimento de Cristo em 25 de dezembro do ano 754 ab urbe condito (depois da fundação de Roma). Desde então esta é a data origem do nosso atual calendário. Ao corresponder o ano 1 depois de Cristo como correspondente ao ano 754 depois da fundação de Roma, Dionísio, o Pequeno, efetuou um erro de cálculo da ordem de pelo menos cinco anos. Ele não havia considerado nem o ano zero (algarismo que seria introduzido na Índia no século IX d.C.), nem os quatro anos que o imperador Augusto reinou com o seu próprio nome de batismo, Otávio.

Por outro lado, com o auxílio de acontecimentos históricos citados na Bíblia, poderemos determinar com maior precisão os prováveis anos nos quais teria nascido Jesus. De início, segundo São Mateus, sabe-se que Jesus nasceu durante o reinado de Herodes, que morreu no ano 4 a.C., talvez em abril ou maio. Essa última conclusão prende-se ao fato de que a morte de Herodes ocorreu antes da Páscoa dos judeus, e foi precedida por um eclipse da Lua. Ora, como o único eclipse lunar visível em Jericó foi o da noite de 12 para 13 de março do ano 4 a.C., como foi mencionado por Flavius Josephus, supõe-se que a morte de Herodes se deu provavelmente no mês seguinte ao do eclipse. Em síntese: tudo indica que Herodes morreu entre 13 de março e 11 de abril, pois foi nesse último dia que se iniciou a Páscoa dos judeus.

Uma outra ocorrência que tem auxiliado os historiadores foi o massacre dos inocentes, quando todas as crianças de menos de dois anos foram sacrificadas por ordem de Herodes, que se baseou nas informações dos Magos para enviar seus soldados a Belém com o fim de matar o novo Messias que tanto temia. Por esse fato se conclui que Jesus, na época, deveria ter menos de dois anos. Seria conveniente lembrar, por outro lado, que essa data pode corresponder à concepção e não ao nascimento, pois entre os orientais era tradição iniciar a contagem da idade a partir daquele instante.

Um outro ponto de referência na fixação da data de nascimento de Jesus foi a época do recenseamento ordenado pelo imperador Augusto, levado a cabo por Quirínio, governador da Síria. Se aceitarmos o termo recenseamento como census, isto é, como um inventário de população, a data correspondente será 7 ou 6 a.C. Todavia, se tomarmos, como o fazem alguns autores, esse termo no sentido de cens, ou seja, de imposto, que deve ter sido posterior de um a dois anos ao citado inventário, é aceitável supor que o mesmo ocorreu entre 5 ou 4 a.C. Considerando todos esses elementos chegamos à conclusão de que a data de nascimento de Jesus deve situar-se entre os 7 e 5 a.C.

Ronaldo Rogério de Freitas Mourão, astrônomo, criador e primeiro diretor do Museu de Astronomia e Ciências Afins do Rio de Janeiro, autor de mais de 70 livros, dentre eles Anuário de Astronomia 2006.

Discussão teológica e astronômica sobre o corpo celeste

?Tendo pois, nascido Jesus, em Belém, de Judá, em tempo do Rei Herodes, eis que vieram do Oriente uns Magos a Jerusalém, dizendo: Onde está o Rei dos Judeus, que é nascido? Porque vimos no Oriente sua estrela: e viemos adorá-lo.? Esse primeiro versículo, do capítulo II do Evangelho de São Mateus, tem provocado uma enorme discussão teológica e astronômica sobre a natureza do corpo celeste descrito pelos Reis Magos.

Os mais diversos fenômenos astronômicos e meteorológicos foram sugeridos, no passado, para explicar a natureza da Estrela de Belém: auroras, meteoro globular (bola de fogo), luz zodiacal, meteoros, chuvas de meteoros, o planeta Vênus (estrela vespertina ou matutina) e estrelas variáveis (especialmente as do tipo semelhante a Mira Ceti).

A hipótese de que a Estrela de Belém foi um cometa parece ter sido proposta pela primeira vez pelo teólogo e perito cristão Orígenes (183-254), que supõe ter sido o cometa de Halley o astro visto pelos Magos.

No século VIII, o monge, cronologista e historiador inglês o Venerável Bede (673-735) em sua História Eclesiástica dos Ingleses (731), afirmou que os cometas não se deslocavam jamais para o sul e, por essa razão, a Estrela dos Magos não poderia ter sido um deles, uma vez que aquele sinal luminoso os conduziu em direção ao sul, quando eles se deslocavam de Jerusalém para Belém. Com uma explicação tão frágil, a teoria cometária continuou agrupando os seus adeptos. Desse modo, um notável contemporâneo do Venerável Bede e doutor da igreja grega, São João Damasceno (fim do séc. VII – 749), defendeu durante toda a vida a hipótese de a Estrela de Belém ter sido um cometa, assim como Geoffrey de Meaux, em 1338. Contra tal idéia se levantou o sacerdote católico Guillaume d?Auvergene (1180-1249), bispo de Paris de 1228 a 1248 e autor de De Universo. Em 1665, o astrônomo francês R. Lutz escreveu em sua obra Questões curiosas sobre o cometa de 1664:

?Analisando-se os registros chineses de cometas, verificou-se que a tese do cometa de Halley é inaceitável. De fato, tal hipótese exigiria um erro de onze anos, na data atualmente atribuída ao nascimento de Jesus Cristo, pois a passagem desse cometa no início da nossa era cristã deu-se em 25 de agosto do ano 12 a.C., quando astrônomos chineses assinalaram a sua presença na constelação(*) dos Gêmeos. Por outro lado, os outros dois cometas registrados nos anais chineses apareceram, respectivamente, o primeiro, em março do ano 5 a.C., na constelação do Capricórnio e o segundo, em abril do ano 4 a.C., na constelação da Águia. Todos os dois muito mais tarde. Se bem que não possamos afirmar com segurança, é pouco provável que a Estrela de Belém tenha sido um cometa?.

Em 11 de novembro de 1572, o astrônomo Tycho-Brahe (1546-1601) descobriu uma brilhante estrela, próxima ao zênite, na constelação da Cassiopéia. Sua cintilação e magnitude atingiu uma tal intensidade que foi visível à vista desarmada mesmo durante a luz do dia. Ela permaneceu observável durante mais de 17 meses. Nesse período, inúmeras hipóteses surgiram para explicar o aparecimento dessa nova estrela, uma vez que a imutabilidade dos céus era um dogma aceito como divino e jamais posto em dúvida. Um tal aparecimento abalou totalmente os alicerces dum céu perfeito, fixo e imutável.

O médico, matemático e filósofo italiano Gerolamo Cardano (1501-1576) viu nessa nova estrela a mesma que conduziu a Belém os Reis Magos, enquanto o escritor e teólogo protestante suíço Théodore de Beze, em latim Theodorus Bez (1519-1605), discípulo de Calvino, que colocou o teatro a serviço da religião, afirmava que essa aparição anunciava a chegada à Terra do segundo Salvador, como a de Belém havia anunciado a chegada do primeiro.

Outros cronistas da época, entre eles Stoffer e Leovittius, achavam que o Anticristo teria nascido, enquanto alguns supunham que o fim do mundo se aproximava.

Hoje, sabe-se que as estrelas novas são estrelas que se tornam bruscamente muito luminosas. Elas aparecem subitamente. Para os astrônomos ingleses David H. Clark, John H. Parkinson, ambos pesquisadores do Muflord Space Science Laboratory da University College de Londres e F. Richard Stephenson, do Institute of Lunar and Planetary Sciences da University of Newcastle, a Estrela de Belém deve ter sido uma brilhante nova, registrada pelos astrólogos chineses na primavera do ano 5 a.C. O ano de ocorrência desse fenômeno não está em contradição com o provável ano de nascimento de Jesus, segundo os peritos católicos. No século XIX, o astrônomo inglês C. Pritchard, na revista da Royal Astronomical Society de Londres, confirmou que uma conjunção tríplice de Júpiter e Saturno, segundo os seus cálculos, ocorreu em 29 de maio, em 29 de setembro e em 4 de dezembro do ano 7 a.C., na constelação dos Peixes, que, astrologicamente, está relacionada com o povo judeu.

Todos os anos, por volta do Natal, uma nova hipótese é lançada para explicar, sob o ponto de vista astronômico, o aparecimento da Estrela de Belém. Em 1999, o astrônomo norte-americano Michael Molnar acrescentou uma nova variante a este conjunto de teorias. Para Molnar, a Estrela de Belém corresponde de fato ao desaparecimento, ou melhor, a ocultação do planeta Júpiter pela passagem em sua frente da Lua. Com efeito, em 17 de abril do ano 6 a.C., ocorreu este evento, sendo o ?reaparecimento? de Júpiter considerado como o Planeta Real , um sinal do nascimento de um rei. Tudo parece indicar que jamais se encontrará uma comprovação de qual estrela teria sido a que anunciou a chegada do Salvador. 

Data do nascimento de Cristo

Em que dia do ano nasceu Cristo? O Natal, em 25 de dezembro, começou a ser celebrado em todo o mundo como o dia do nascimento de Jesus depois do ano 336 d.C. Antes essa data era aceita como o solstício do inverno no hemisfério norte. Era o meio do inverno, dia depois do qual os dias começavam a se alongar. A festa pagã do dies solis invicti natalis, ou seja, o dia do nascimento do Sol invicto, era celebrada no dia que coincidia com os meados da saturnália, estação durante a qual os trabalhos cessavam.

Nesse dia em que o Sol começava a se dirigir para o norte, as casas eram decoradas com árvores, presentes eram trocados entre os amigos, ceias e procissões eram efetuadas pelos povos pagãos em homenagem ao Sol que voltava a sua posição elevada. Como os primeiros cristãos comemoravam esse feriado, a Igreja decidiu transformar tal cerimônia pagã numa festa cristã. Assim, o dia 25 de dezembro passou a representar o dia do nascimento de Cristo. No Oriente, o nascimento foi inicialmente celebrado em 6 de janeiro, data que estava associada à Estrela de Belém.

Tal comemoração tinha como objetivo substituir a cerimônia pagã, que em 6 de janeiro se comemorava no templo de Kore em Alexandria e em algumas regiões da Arábia, quando se celebrava Kore, a virgem, que deu à luz Aion.

Em 194 d.C., Clemente de Alexandria propôs a data de 19 de novembro do ano 3 a.C., enquanto outros pretendiam que o nascimento ocorresse em 30 de maio ou 19/20 de abril. Mais tarde, em 214 d.C., Epifânia propôs o dia 20 de maio. Nessas datas existem confusões entre a época da concepção e o nascimento. No entanto, tais datas parecem concordar com a velha tradição de que Cristo teria sido concebido na primavera e nascido em meados do inverno (essas estações referem-se ao hemisfério Norte).

Segundo os relatos da Bíblia, o nascimento de Cristo pode ser determinado em função de São João Batista. Assim, Zacarias, o pai de João Batista, foi o sacerdote da travessia de Abia (Lucas 1, v 8) que teria servido no templo na sexta semana depois da Páscoa, semana anterior ao Pentecostes. Como todos os sacerdotes também serviram durante o Pentecostes, Zacarias teria deixado Jerusalém para sua casa no décimo segundo dia do mês do calendário israelita Sivan, ou seja, em 12 de junho do nosso calendário. Ora, como Isabel, sua esposa, concebeu seu filho depois do seu retorno (Lucas 1, v 24), conclui-se que João Batista deve ter nascido 280 dias mais tarde, ou seja, nas vizinhanças do dia 27 de março. Lucas (1, v 36) registrou ser Cristo seis meses mais jovem que João Batista, o que faz supor ter o nascimento de Cristo ocorrido em setembro seguinte, ou seja, no outono do ano 7 a.C.

A primitiva tradição cristã registrava que Jesus nasceu um dia depois de um Sabbath judeu, isto é, em um domingo. Crenças astrológicas tradicionais indicam, como o dia mais provável, o sábado, dia 22 de agosto de 7 a.C. Seria conveniente lembrar que, no calendário judeu, o dia começa ao pôr do sol, de modo que, se considerarmos a legenda que Cristo nasceu depois do pôr do Sol, podemos aceitar que o seu nascimento ocorreu em 23 de agosto do ano 7 a.C.

Estes são os elementos históricos que permitem determinar a época do nascimento de Cristo. Se bem que todas as hipóteses racionais deixem uma dúvida sobre a data exata em que Jesus veio ao mundo, os peritos em problemas religiosos são unânimes em afirmar que ela teria ocorrido nos meados do inverno nos anos 7 a 5 a.C.

Se aceitarmos que o nascimento de Cristo ocorreu em fins de agosto, a visita dos Reis Magos deve ter ocorrido no início do mês de setembro, o que aliás coincide melhor com a idéia de que a Estrela de Belém tenha sido a conjunção tríplice de Saturno e Júpiter ocorrida em 7 a.C. Assim, a primeira conjunção visível em maio teria sido o sinal que levou os Reis Magos a se afastarem em direção a Jerusalém, onde devem ter chegado no início de setembro. Por outro lado, tal conclusão torna mais fácil a aceitação de que Jesus Cristo tenha nascido numa manjedoura.

De fato, como era verão no hemisfério Norte em agosto/setembro, não era necessário um abrigo que os protegesse melhor do frio. Nada mais lógico aceitar a beleza desses três eventos, quer pelos seus aspectos religiosos como pelo fato de serem festas sazonais, só comparáveis às da Semana da Páscoa. Para aqueles que não têm a graça de fé, o Natal e a Páscoa são, respectivamente, uma festa solsticial e equinocial, ambas de rara beleza cósmica. (RRFM)

Voltar ao topo