Einstein visita o Museu Nacional

Continuando sua segunda visita ao Brasil, Albert Einstein visitou o Museu Nacional, a essa época já instalado no paço da Quinta da Boa Vista, residência da família imperial, tendo sido o último hóspede D. Pedro II. Na ausência de Arthur Neiva, diretor do Museu, que se encontrava em São Paulo, o seu substituto, o antropólogo Edgar Roquette Pinto, acompanhou Einstein.

Ficou encantado pelo jardim diante do Museu. Interessando-se, em especial, pelas seções de geologia e antropologia. Além da "beleza da espinha dorsal de uma serpente como construção" e "a cultura dos índios, as múmias reduzidas, as flechas envenenadas" foram registradas em seu Diário, referência à estatística da "mistura racial" concluindo que "os negros vão pouco a pouco desaparecendo através da mistura, em virtude da pouca resistência dos mulatos [às doenças]". "Índios [são] relativamente pouco numerosos". Esse registro, em seu Diário, deve-se à explicação de Roquette Pinto, segundo a qual em virtude da superioridade dos brancos estariam os negros destinados a desaparecer em conseqüência da mistura racial, pois com o surgimento de uma quantidade cada vez maior de mulatos, eles desapareceriam, ou melhor, se extinguiriam em virtude da sua baixa resistência. Acreditava-se que o mesmo iria ocorrer com os índios. Na realidade, essa teoria de fundo racista tinha como um dos defensores no Brasil, o naturalista Batista Lacerda que dirigiu o Museu, no período de 1895 a 1915.

Em seguida, lhe foi mostrado o meteorito de Bendengó, de cerca de 10 toneladas encontrado, em 1785, às margens do rio do mesmo nome no interior da Bahia, que foi transferido para o Museu Nacional em 1888.

Ao responder a questão sobre o local onde havia sido encontrado, Roquette Pinto relatou todas as dificuldades que foram necessária ultrapassar para conseguir transportá-lo até o Rio de Janeiro. Nesta ocasião, uma foto de Einstein foi tomada, ao lado do meteorito.

Depois dessa visita, foi almoçar na residência de Aloysio de Castro, membro da Liga das Nações, da qual também fazia parte Einstein.

Almoço

No almoço na residência de Aloysio de Castro estiveram presentes, além do anfitrião e sua esposa, Getúlio de Moura, Henrique Morize, Daniel Henninger, escritora Rosalina Coelho Lisboa, arqueólogo e egiptólogo russo Alberto Childe, do Museu Nacional; Antônio Silva Mello e Assis Chateaubriand.

Dois dias mais tarde, o jornalista R. de R., na coluna Notas Sociais do Jornal do Brasil, descreveu como se passou este almoço:

Uma hora da tarde de anteontem na formosa residência do ilustre casal Aloysio de Castro.

Flores estranhas debruçam-se de jarras claras, despetalam-se sobre a toalha fina, miram-se cristais transludidos. Entra, do jardim lindo, pelas janelas abertas, um aroma tropical de folhas verdes, árvores novas, e flores e frutos, mordidos de sol.

Albert Einstein, risonho e simples, almoça em companhia de outros convidados do professor Aloysio de Castro e de sua encantadora esposa.

Há um enlevo consciente na assistência. Todos se irmanam na ventura de ver e ouvir de perto o gênio.

Einstein – o sábio nobre cuja teoria, há alguns anos já se publica um livro, cada vinte e quatro horas, o homem que todo o mundo da ciência aclama como um semideus é, qual todo senhor de uma surpresa expressão de inteligência, indizivelmente simples.

Tudo que vive, tudo que é, o interessa e, conversador maravilhoso, sobre cada assunto, singelo ou grave, que o acaso trazia á baia, o sábio dissertava fascinantemente.

Paradoxal, brilhante, mestre de ironia amável, falou, ora em alemão, ora em francês, sobre os problemas russos, a civilização americana do norte, os destinos dos povos como sobre os destinos dos indivíduos com a mesma profunda beleza de idéia e a mesma espontânea beleza da frase com que, logo após, fez paradoxos sobre a amizade, e sinceridade, a vida, enfim.

 O Brasil, seus aspectos, seus usos, seus hábitos o interessam vivamente.

Imaginem, conta alguém, -imaginem que Einstein pediu a Silva Melo que o levasse a um restaurante de comidas brasileiras, pois bem, Silva Melo o levou…..o "Minho".

 Dr. Silva Melo sorri, sem remorsos, a quantos protestam contra isso.

Alguém explica ao sábio alemão a causa desses protestos.

Albert Einstein ri-se, alegre. Seu riso é comunicativo e freqüente.

A propósito de índios o professor Childe tem ocasião de dizer ao grande sábio da beleza de quanto existe, no Museu Nacional, como recordação dos habitantes deste país em épocas anteriores à descoberta.

Alguém fala em sertão, nas regiões mais brasileiras do Brasil.

Assis Chateaubriand conta que entusiasmo por elas se embrenha, neste momento, à procura de uma cidade milenar de índios brancos, uns estudiosos ingleses.

E assim, encantadoramente, passou, ontem à tarde do grupo que a fidalguia do casal Aloysio de Castro fez conhecer Einstein, a mais alta expressão de inteligência deste século.

O registro desse almoço no Diário de Einstein é deveras curioso. Com referência ao anfitrião diz o seguinte: "verdadeiro tolo, cercado de companhias muito interessantes: arqueólogo russo, jornalista inteligente, escritora bonita e inteligente e um pouco arrogante". Para quem mais tarde conheceu todos eles não têm dúvida em dar razão a Einstein.

Ronaldo Rogério de Freitas Mourão é pesquisador-titutar do Museu de Astronomia e Ciências Afins, no qual foi fundador e primeiro diretor, autor de mais de 70 livros, entre outros livros, do "Explicando a Teoria da Relatividade". Consulte a homepage: www.ronaldomourao.com

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