Os 70 anos de Carl Edward Sagan

h211_141104.jpgO interesse de Sagan pela astronomia começou muito cedo. Quando ainda tinha 12 anos, seu avô russo lhe perguntou, com ajuda de um intérprete – pois quase não sabia inglês -, o que desejaria ser quando crescesse.

– Astrônomo – respondeu Sagan.

Passados alguns instantes, após a tradução, seu avô disse:

– Compreendi. Mas como você vai ganhar a vida?

O menino Sagan acreditava que, como todos os adultos que conhecia, estaria condenado a um trabalho monótono, repetitivo, pouco criativo. A astronomia seria praticada nos fins de semana. Só no segundo ano do ginásio, Sagan descobriu que alguns astrônomos eram pagos para se dedicar à sua paixão. "Transbordei de alegria" – escreveu Sagan mais tarde. "Poderia dedicar-me ao meu real interesse o tempo todo. Há momentos em que o que faço parece-me um sonho improvável, embora extraordinariamente agradável".

Astrônomo e biólogo, Carl Edward Sagan nasceu em Nova York, a 9 de novembro de 1934. Bacharelou-se em Física pela Universidade de Chicago em 1954 e fez doutorado em astronomia e astrofísica em 1960. Foi nomeado conferencista e professor assistente de astronomia em Harvard, em 1962. Ensinou também em Stanford. Em 1971, foi designado professor de astronomia e ciências espaciais da Universidade de Cornell (EUA), assim como diretor do seu Laboratório de Estudos Planetários.

Suas principais pesquisas foram sobre superfície e atmosferas planetárias. Em 1960, concebeu um modelo-estufa para a atmosfera de Vênus, o que permitiu concluir que o vapor d?água das nuvens de Vênus, além de reforçar o efeito estufa de sua atmosfera de dióxido de carbono e impedir o escape do calor, favoreceria o estabelecimento de sua atmosfera muito quente. Propôs um esquema para torná-lo um planeta habitável, empregando algas para eliminar o dióxido de carbono e elevar o nível de oxigênio. Um esquema análogo foi sugerido para Marte. Em 1966, Sagan descobriu a existência de altas elevações em Marte por análise de ecos de radar, provenientes do planeta. Sugeriu também que ventos de areia poderiam causar alterações sazonais nas regiões escuras de Marte, mudanças atribuídas ao crescimento da vegetação. Fotografias da Mariner 9 confirmaram essa hipótese. Fez pesquisas sobre a origem da vida no universo. Em conseqüências desses estudos, escreveu Sagan, na época no Observatorio Astrofisico Smithsoniano da Universidade de Harvard, Intelligent life in the Universe (1966), em colaboração com o astrofísico russo Iosef S. Shklovskii (1916-1985), do Instituto Astronomico Sternberg da Academia de Ciências da URSS. Em 1968 passou para a Universidade de Cornell, onde, além da função de professor-associado em Astronomia, dirigiu o Laboratório de Pesquisas Planetárias. Em 1969, aceitou o convite para editar a revista astronômica Icarus, com o radio astrônomo Frank Drake. Sagan investigou o problema da comunicação interestelar, tentando com o radio telescópio de Arecibo escutar mensagens das estrelas próximas. É desde período o livro The Cosmic Connection: An Extraterrestrial Perspective (1973).

Com relação à comunicação com os habitantes da nossa galáxia, Sagan foi um grande otimista. Seu mais importante legado são as duas únicas mensagens interestelares enviadas aos extraterrestres. De fato, com sua ex-esposa, a artista plástica Linda Salzman, elaborou uma placa com mensagens que foi fixada nas naves Pioneer 10 e 11. Mais tarde, em 1977, com sua segunda esposa, a romancista e produtora de televisão Ann Druyan, elaborou – Voyager Interestelar Record – verdadeira descrição do atual conhecimento cultural, científico e social da Terra que foi incluída nas espaçonaves Voyager 1 e 2 que deverão deixar o sistema solar com destino ao espaço sideral.

Em 1978, recebeu o prêmio Pulitzer de literatura com o livro The Dragons of Eden: Speculations on the Evolution of Human Intelligence (1977). Apresentou e escreveu, em 1980, em colaboração com Ann Druyan, a série Cosmos para a televisão, vista por mais de 500 milhões de telespectadores em 60 países. O livro – Cosmos – associado a esta série passou 70 semanas na lista de best-sellers do New York Times, tendo permanecido no primeiro lugar da lista durante 15 semanas. Deixou também um romance de ficção científica Contact (1990) que Ann Druyan adaptou para o cinema. O filme, dirigido por Robert Zemekis, o mesmo de De volta para o futuro, estrelado por Jodie Foster, deverá chegar aos cinemas no próximo ano. O romance conta a história de uma astrônoma que enfrenta enormes problemas para provar que havia se comunicado com seres extraterrestres.

Foi uma mentalidade aberta, sem preconceitos. Não se recusava a discutir os mais diversos problemas, dentre eles, o relativo aos discos voadores. Editou em colaboração com seu colega, o astrofísico Thornton Page, o livro: UFO?s – a Scientific Debate (1972).

Recebeu o prêmio "Public Interest", da American Physical Society, com o livro The Nuclear Winter: The World After Nuclear War (1985), ao denunciar a ameaça de um "inverno nuclear" provocado por uma Guerra Nuclear, que causasse aumento da poluição atmosférica, obscurecendo a luz do Sol. Sobre o mesmo assunto escreveu A Path where no man thought – Nuclear winter and the end of the arms race (1990), em colaboração com Richard Turco.

Em 1994, viu editado o livro Pale Blue Dot, no qual, ao visualizar o futuro da humanidade nos próximos séculos, conclui que os seres humanos precisam colonizar os outros mundos com objetivo de sobrevivência.

Em 1994, detectaram uma grande enfermidade desconhecida até então mielodisplasia que não foi tratado de imediato. Que se não fosse tratada de imediatamente, acabaria com a sua vida em poucos meses. Felizmente um transplante de medula óssea (doação da sua irmã Caris) e sessões de radioterapia, sua vida voltou de novo a normalidade. Conclui várias investigações, terminou o que seria o seu último livro publicado em vida – O mundo e seus demônios -, e começou a co-produção com Ann Druyan, sua esposa, o filme Contact: the movie (para qual ambos escreveram um longo roteiro cinematográfico baseado num romance Contact: A novel) só uns meses depois da sua melhora reapareceu a enfermidade tendo que se submeter a um novo e severo tratamento. De novo parece que iria se recuperar.

Em 1995, ele publica The Demon-Hauted World: Science as a Candle in the Dark, Random House, NY, 1995 (O mundo assombrado pelos demônios, Companhia das Letras, São Paulo, 1996), no qual faz uma crítica bem argumentada com relação às superstições e crenças sem base científica que assolam a humanidade.

Em 20 de dezembro de 1996, com a idade de 62 anos, Carl Sagan faleceu em Seattle, EUA, deixando a esposa e cinco filhos.

Em 1997, Contact, filme foi exibido nos cinemas, assim como foi editada a sua obra póstuma Billions and billions, uma série de ensaios de diversos temas científicos e de caráter geral, que escreveu em sua última etapa da vida sofrendo da enfermidade que o levaria desse mundo.

Uma vez, ao ser questionado como explicava o insaciável interesse do público por ensaios esotéricos, Sagan respondeu: "Algumas vezes pretendemos que algumas coisas sejam verdade não porque existem indícios para isto, mas porque desejamos que isto seja verdade". "Confundimos a realidade com as nossas esperanças e ansiedades", concluindo: "Pensar cientificamente é tão natural como respirar".

Ronaldo Rogério de Freitas Mourão (www.ronaldomourao.com) é pesquisador-titutar do Museu de Astronomia e Ciências Afins, do qual foi fundador e primeiro diretor, autor de mais de 70 livros, entre outros, o Dicionário Enciclopédico de Astronomia e Astronáutica.

Obras de Carl Sagan

LIVROS

Intelligent Life in the Universe, Random House, NY, 1966 (Vida Inteligente no Universo, Publicações Europa América, Lisboa,1968).

The Cosmic Connection: An Extraterrestrail Perspective, Doubleday, NY, 1973 (A civilização cósmica: uma perspectiva extraterrestre, Editora Artenova, Rio de Janeiro, 1976).

The Dragons of Eden: Speculations on the Evolution of Human intelligence, Random House, NY, 1977 (Os Dragões do Éden, Francisco Alves Editora, Rio de Janeiro, 1984).

Murmurs of Earth: The Voyager Interstellar Record, Random House, NY, 1977 (Murmúrios da Terra: Disco Interestelar Voyager, Francisco Alves Editora, Rio de Janeiro, 1984).

Broca?s Brain: Reflections on the Romance of Science, Random House, 1979 (O Romance da Ciência, Francisco Alves Editora, Rio de Janeiro, 1982).

Cosmos, Random House, NY, 1980 (Cosmos, Francisco Alves Editora, Rio de Janeiro, 1981).

Comet, Random House, NY, 1985 (Cometa, Francisco Alves Editora, Rio de Janeiro, 1986).

Contact: A Novel, Simon and Schuster, NY, 1985 (Contato, Editora Guanabara, Rio de Janeiro, 19…).

The Nuclear Winter: The World After Nuclear War, Sidgwick & Jackson, London, 1985 (O Inverno Nuclear: o mundo depois da Guerra Nuclear, Francisco Alves Editora, Rio de Janeiro, 1985).

A Path Where no Man Thought: Nuclear Winter and the End of the Arms Race, de Carl Sagan e Richard Turco, Random House, NY, 1990 (O caminho que nenhum homem trilhou, Gradiva Publicações, Lisboa, 1990).

Shadows of Forgotten Ancestors: A Search for who We Are, Random House, NY, 1992.

Pale Blue dot: A Vision of the Human Future in Space, Random House, NY, 1994 (Pálido ponto azul: uma visão do futuro da humanidade no espaço, Companhia das Letras, São Paulo, 1996).

The Demon-Hauted World: Science as a Candle in the Dark, Random House, NY, 1995 (O mundo assombrado pelos demônios, Companhia das Letras, São Paulo, 1996)

FILME

Contato – (Contact: The movie), 1997, EUA, Dir. Robert Zemeckis. Um dos melhores filmes sobre ET, baseado no único romance escrito por Carl Sagan.

TELEVISÃO

Cosmos, novembro de 2000. Série de TV vista por mais de 60 milhões de pessoas em mais de 20 países.

Voltar ao topo