Sempre no limite

Transtorno de Personalidade Borderline leva a extremos

Na série Dupla Identidade, exibida nas noites de sexta-feira, Ray, a personagem interpretada pela atriz Débora Falabella, é uma jovem emocionalmente instável que sofre em excesso cada vez que enfrenta algum problema no relacionamento com seu namorado Edu, o serial killer vivido por Bruno Gagliasso. Na trama, Ray cria sua filha sozinha e mantém uma relação cheia de altos e baixos com o personagem de Gagliasso, alternando momentos felizes com outros de descontrole e raiva.

Emocionalmente dependente, ela só se realiza por meio de suas relações afetivas e passa por crises de identidade quando enfrenta alguma crise ou rompimento (o que já aconteceu algumas vezes desde o início da série).

Especialista em abordar e promover o debate de problemas como a dependência química, transplantes de órgãos e desaparecimento de crianças, para criar esta personagem, Glória Perez, a autora da série, se inspirou nas pessoas que apresentem Transtorno de Personalidade Borderline (TPB), um distúrbio mental ainda pouco conhecido no Brasil, também conhecido como Transtorno de Personalidade Limítrofe.

Mas, apesar desse desconhecimento da população em geral, o TPB, caracterizado pela instabilidade emocional nos relacionamentos, medo do abandono, impulsividade, manifestações de raiva, baixa autoestima, insegurança, dificuldade lidar com críticas, intolerância a frustrações e tendência à automutilação e ao suicídio, afeta muitas pessoas no país. “Segundo estudos, cerca de 5% da população brasileira é portadora deste transtorno. Deste grupo, a maioria é do sexo feminino, com uma proporção de cinco mulheres para cada homem”, afirma o psiquiatra da Unidade Intermediária de Crise e Apoio à Vida do Grupo Marista (Uniica) João Luiz da Fonseca Martins.

Ele ainda explica quais são as principais características desse transtorno: “Há um ditado popular que diz que algumas pessoas são oito ou oitenta. Para os borderliners, tudo é oitenta. Eles vivem intensamente seus relacionamentos e todas as situações de suas vidas, mudando de opinião e apresentando oscilações de sentimentos de maneira muito rápida. Esta instabilidade emocional, aliada à sensação de rejeição e à raiva, pode fazer com que eles apresentem episódios de automutilação e de agressividade contra si e contra outras pessoas”.

Como prejuízo, as consequências para os borderliners costumam aparecer no cotidiano, em dificuldades nos relacionamentos com o parceiro, brigas com amigos e familiares e problemas no trabalho. Estas situações geram sensação de vazio e de abandono que podem levar ao risco de suicídio. De acordo com Martins, muitos pacientes chegam a tentar tirar a própria vida. “Felizmente, poucos conseguem, mas as tentativas são comuns”.

Confusões podem dificultar diagnóstico

Os sinais de alerta costumam aparecer na adolescência, mas os sintomas podem ser confundidos com características comuns da idade, como rebeldia e impulsividade. E, de acordo com a psicóloga Rosangela Mara Martins, fazer o diagnóstico do transtorno não é tão simples.

“Não é fácil fechar um diagnóstico de Transtorno de Personalidade Borderline. Essa figura clínica não faz parte das classificações clássicas da doença mental, trata-se de nomenclatura proposta pela psiquiatria e psicanálise anglo-saxã há apenas de três décadas. Além disso, avaliações psicológicas dos pacientes que chegam para tratamento (quando chegam) põem em questão algum mal-estar psicológico, que, muitas vezes, nos levam a pensar em outros transtornos de humor, entre eles, a depressão e a bipolaridade”.

Para tratar o distúrbio, psicólogos e psiquiatras podem atuar separadamente ou em conjunto. “O portador de TPB tem dificuldades de associa,r livremente e subjetivar seus atos. A terapia, de início, trata de acolher e facilitar a construção das condições para que ocorra um trabalho psicológico. Isso é um desafio, mas não é impossível”, diz Rosangela.

Segundo o psiquiatra da Uniica, o transtorno necessita tratamento, mesmo nos casos mais leves. “A psicoterapia é fundamental para a maior estabilidade emocional futura. Nos casos leves a graves, realizamos tratamento psicoterápico, com uso de medicamentos para as patologias associadas. Internações em clínicas psiquiátricas também podem ser necessárias, para proteger o paciente ou seus familiares”.