A penhora no rosto dos autos e o processo do trabalho

1. Previsão legal

A penhora no rosto dos autos está prevista no Código de Processo Civil, em seu art.. 674: “Quando o direito estiver sendo pleiteado em juízo, averbar-se-á no rosto dos autos a penhora, que recair nele e na ação que lhe corresponder, a fim de se efetivar nos bens, que forem adjudicados ou vierem a caber ao devedor”.

Como dizem Nelson Nery Junior e Rosa Maria de Andrade Nery, trata-se de penhora sobre direito disputado em juízo: “Se a penhora recai sobre direito objeto de disputa em juízo, far-se-á averbação no rosto dos autos, ou seja, na capa de autuação dos autos”1).

2. A aplicabilidade na Justiça do Trabalho

Parece não haver dúvida sobre a compatibilidade desse procedimento processual civil com o processo do trabalho. Nesse sentido, Manoel Antonio Teixeira Filho assevera que “o oficial de justiça lavrará o auto de penhora e intimará o escrivão para que o averbe no rosto dos autos – a que, vulgarmente, se tem denominado `capa’ (trata-se, na realidade, da primeira folha dos autos, tanto que é assim numerada)”(2).

Conforme assinala esse autor, “a eficácia da penhora por essa forma realizada fica, por assim dizer, em estado latente, vindo a ser ativada (=deflagrada) no momento em que, nesses mesmos autos, os bens forem adjudicados ou entregues ao devedor; ocorrendo quaisquer desses fatos, a penhora incidirá com a eficácia e os efeitos que lhe são inerentes, uma vez que os bens já se encontram individualizados, livres e desembargados e com propriedade definida”(3).

Conclui o mesmo jurista afirmando que “os bens são liberados do processo em que o devedor os obteve, passando a vincular-se à execução em que ele figure como devedor”(4).

Explicita Francisco Antonio de Oliveira que, uma vez feita a penhora, por meio de averbação no rosto dos autos “intimam-se os dois litigantes no processo: o autor, para que embargue a penhora, querendo (art. 669, CPC); o réu, para que não mais pague ao autor ou com ele transija (art. 938, CC), em se cuidando de execução de título de crédito. Nesse caso a penhora recairá sobre o produto obtido na execução, quer por meio de praceamento de bem, quer por meio de depósito em dinheiro pela parte”(5).

3. A penhora e o direito de preferência

O credor adquire, pela penhora, o direito de preferência sobre os bens penhorados. Isso porque a execução se realiza no interesse do credor. Ressalva-se, apenas, o caso de insolvência do devedor, em que tem lugar o concurso universal (art. 751, III). Trata-se da aplicabilidade ao processo do trabalho da regra do art. 612 do CPC.

A dicção da regra do art. 613 do CPC também é clara: “recaindo mais de uma penhora sobre os mesmos bens, cada credor conservará o seu título de preferência”.

Nada impede que mais de uma penhora recaia sobre o mesmo bem em execuções diversas promovidas por credores diferentes, como ensinam Nelson e Rosa Maria Nery, que assinalam: “não é a inscrição da penhora (LRP 167 I 5) que confere ao credor o direito de preferência, mas a anterioridade da constrição, como previsto no CPC 712″(6).

Ampla e profunda discussão realizou-se perante a Seção Especializada do E. TRT da 9.ª Região sobre o tema. Prevaleceu, por maioria, a seguinte interpretação do art. 711 do CPC “A expressão `a ordem das respectivas prelações’, guarda relação com o direito material. Num primeiro momento analisa-se dentre os credores a preferência dos créditos – trabalhista, fiscal, direito real de garantia, quirografários, etc. – a fim de verificar se algum deve ser satisfeito antes do outro. Não havendo direito legal à preferência, ou seja, sendo todos de mesma natureza, aplica-se a segunda parte do dispositivo. Desta forma, paga-se primeiro aquele que promoveu a execução, e, depois os demais credores na ordem das penhoras”(7).

4. Bloqueio de crédito trabalhista determinado pela Justiça Estadual.

Há uma antiga polêmica sobre a penhora no rosto dos autos determinada pela Justiça Estadual sobre créditos trabalhistas.

Como deve proceder o Juiz da Vara Trabalhista quando recebe um mandado determinando a penhora no rosto dos autos de um processo trabalhista? Recusa-se a cumpri-lo? Ou cumpre-o, determinando a penhora, e comunica ao exeqüente para que faça a devida defesa no Juízo Cível?

Embora a primeira alternativa seja a mais sedutora, a segunda opção é juridicamente a mais adequada.

Para tanto, todavia, analisa-se, primeiro, dentre os credores, a preferência dos créditos – trabalhista, fiscal, direito real de garantia, quirografários, etc. – a fim de verificar se algum deve ser satisfeito antes do outro. Não havendo direito legal à preferência, paga-se primeiro aquele que promoveu a execução, e, depois, os demais credores na ordem das penhoras.

Com esse mesmo posicionamento orientou-se a Seção Especializada do TRT da 9.ª Região, a quem incumbe uniformizar a execução trabalhista no Paraná(8).

Não se estabelece aí nenhum tipo de conflito de competência, como já decidiu o C. STJ, em caso análogo(9).

Também o C. TST examinou a questão tratada, assim decidindo:

“REMESSA DE OFÍCIO – MANDADO DE SEGURANÇA – PENHORA NO ROSTO DOS AUTOS DE RECLAMAÇÃO TRABALHISTA. Ao juízo, diante do qual tramita o processo trabalhista, em cujos autos foi determinada penhora no rosto por juízo do mesmo grau e hierarquia jurisdicional, não compete impedir o cumprimento do mandado – que lhe foi dirigido por ofício do juízo de execução -, a pretexto de eventual impenhorabilidade do crédito respectivo. A impugnação sobre eventual ilegalidade da penhora tem sede própria e recurso específico, devendo ser mantida a segurança concedida, para fazer cessar a desconstituição da penhora, proveniente da autoridade judiciária trabalhista. Remessa de ofício desprovida”(10).

5. O recurso cabível

Embora nos casos citados tenham sido admitidos agravo de petição e mandado de segurança, tais orientações podem ser questionadas.

É que o despacho do juiz da Vara do Trabalho que indefere a penhora no rosto dos autos, determinada por Juiz de Vara Cível, configura mero ordenamento procedimental, do qual não caberia recurso (agravo de petição).

Também não se poderia falar em direito líquido e certo do terceiro, credor no Juízo Cível, e que pretende a penhora no rosto dos autos da Justiça do Trabalho.

Desse modo, não cabendo recurso, e não sendo o Mandado de Segurança meio hábil para obrigar o Juiz Trabalhista a dar seguimento à penhora no rosto dos autos, poder-se-ia falar na incidência da correição parcial, nos termos do art. 184 do Regimento Interno do TRT da 9.ª Região: “A prática de atos, no processo, que configurem abuso ou erro de procedimento, contra os quais inexista recurso específico ou possibilidade de serem corrigidos por outro meio de defesa admitido em lei, ensejará pedido de correição parcial”.

Esta medida deve ser dirigida ao próprio juiz da causa, que, assim, poderá reconsiderar seu ato ou, se não o fizer, providenciar o devido encaminhamento ao Juiz Corregedor Regional(11).

NOTAS:

(1) NERY JUNIOR, Nelson e NERY, Rosa Maria de Andrade. Código de processo civil comentado e legislação processual civil extravagante em vigor: atualizado até 15.03.2002. 6. ed. rev. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002. p. 1.013.

(2) TEIXEIRA FILHO, Manoel Antonio. Execução no processo do trabalho. 7. ed. rev. e atual. São Paulo: Ltr, 2001. p. 471.

(3) Ob. cit. p. 471-472.

(4) Ob. e p. cit.

(5) OLIVEIRA, Francisco Antonio de. Manual de penhora: enfoques trabalhistas e jurisprudência. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2001. p. 39.

(6) NERY JUNIOR, Nelson e NERY, Rosa Maria de Andrade. Código de processo civil comentado e legislação processual civil extravagante em vigor: atualizado até 15.03.2002. 6. ed. rev. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002. p. 984.

(7) TRT-PR-2247-1996-022-29-00-0 (AP 2223-2003) julgado em 03/11/03. Rel. Juiz Luiz Celso Napp.

(8) TRT-PR-AP 02596/1997-069-09-00-6 (AP 2.510/03). Rel. Juiz Luiz Celso Napp, julgado em 1.º/12/03.

(9) STJ. CC 31.918-MG. 2.ª S. Rel. Min. Carlos Alberto Menezes Direito. DJU 11/03/2002.

(10) RXOF 180191/95. Subseção II da SDI. Rel. Min. Leonaldo Silva. DJ 27/09/96. p. 36.390.

(11) A respeito do tema ver o nosso Regimento Interno do TRT da 9.ª Região Comentado. 2. ed. Curitiba: Juruá. 2003. p. 130-132.

Luiz Eduardo Gunther

e Cristina Maria Navarro Zornig, juiz do Trabalho e assessora no TRT da 9.ª Região.

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