Contribuição ao FGTS adicional da “multa rescisória” em 10% nas demissões sem justa causa (LC N.° 110/2001): tributo permanente ou provisório?

 

1. Introdução

O Poder Judiciário, através de manifestações do Superior Tribunal de Justiça[1] e do Supremo Tribunal Federal[2], reconheceu a ilicitude perpetrada pelo Governo brasileiro ao não aplicar a correção monetária adequada (expurgo inflacionário) nas contas vinculadas de trabalhadores no Fundo de Garantia do Tempo de Serviço, entre os anos 1988 e 1991, condenando a Caixa Econômica Federal à reposição de vultosos valores. Essa ilicitude se caracterizou pela edição de pacotes econômicos que simplesmente desconsideraram os efeitos corrosivos da inflação existente à época, ao aplicar aos valores depositados nas contas vinculadas do FGTS índices de atualização monetária que verdadeiramente não refletiam os índices inflacionários do período, causando prejuízos aos trabalhadores.

Atentos a essas ilicitudes cometidas pelo Governo Federal quando da edição de seus planos econômicos, o Judiciário determinou a correção da atualização monetária incidente sobre as contas vinculadas do FGTS, especificamente em relação ao denominado “Plano Verão” (expurgo de 16,65% em janeiro/1989) e parcela do chamado “Plano Collor I” (expurgo de 44,80% em abril/1990), em diversas demandas ajuizadas por trabalhadores, almejando a correção do saldo com base nos reais índices inflacionários ocorridos à época.

Diante da pacífica jurisprudência determinando a recuperação dos expurgos inflacionários (com a consequente correção monetária do saldo das contas vinculadas ao FGTS), o Governo Federal, sob a justificativa de evitar que um número excessivamente elevado de trabalhadores ajuizasse demandas para correção dos saldos na mesma proporção, e ao mesmo tempo com o objetivo de evitar o prolongamento de ações judiciais já em curso, entendeu por bem elaborar lei para fixar um acordo viabilizando administrativamente a todos os trabalhadores a correção de suas contas. Foram realizados diversos estudos, com a participação de algumas importantes entidades empresariais e também de representação dos trabalhadores, embora algumas instituições não tenham participado e outras não tenham tido suas sugestões aceitas no texto final.[3] O valor total estimado para cumprimento integral do acordo para todos os trabalhadores foi estimado em 40 bilhões de reais à época.

Concluiu-se que o dinheiro necessário para o pagamento do acordo deveria vir de diversas fontes[4]:

a) a maior parte resultaria da instituição e arrecadação de dois novos tributos (contribuições) à custa dos empregadores: i) uma contribuição com alíquota de 0,5% sobre a folha de salários, a ser cobrada mensalmente durante 5 anos; e ii) outra contribuição, com alíquota de 10% sobre o valor dos depósitos na conta do empregado durante seu contrato de trabalho, cobrada na demissão sem justa causa, sem prazo definido para ser extinta;

b) outra parte adviria de recursos do próprio FGTS;

c) também seriam destinados recursos do Tesouro Nacional mediante emissão de títulos públicos (receita estimada em R$ 6 bilhões);

d) e o restante necessário adviria de um deságio a ser aplicado nos valores a serem devolvidos nas contas vinculadas, à custa dos trabalhadores prejudicados (gerando uma economia estimada em R$ 5 bilhões para o governo).

O texto final do acordo, votado no Congresso Nacional, deu origem à Lei Complementar n.º 110/2001, prevendo a reposição dos valores nas contas dos trabalhadores prejudicados, parceladamente e mediante deságio de valor[5], além de dispensar o Governo do pagamento de honorários advocatícios de sucumbência no caso de condenações em ações já em curso que findassem em razão do acordo[6], tudo para reduzir o impacto desse passivo sobre o caixa governamental.

Para arrecadar a maior parte do valor necessário para cobrir esse gasto orçamentário adicional extraordinário, a Lei Complementar n.º 110/2001 instituiu dois novos tributos, nos seguintes termos:

“Art. 1o Fica instituída contribuição social devida pelos empregadores em caso de despedida de empregado sem justa causa, à alíquota de dez por cento sobre o montante de todos os depósitos devidos, referentes ao Fundo de Garantia do Tempo de Serviço – FGTS, durante a vigência do contrato de trabalho, acrescido das remunerações aplicáveis às contas vinculadas.  (…).

Art. 2o Fica instituída contribuição social devida pelos empregadores, à alíquota de cinco décimos por cento sobre a remuneração devida, no mês anterior, a cada trabalhador, incluídas as parcelas de que trata o art. 15 da Lei no 8.036, de 11 de maio de 1990.

            O art. 14 da LC n.º 110/2001 previu o início da vigência das referidas contribuições da seguinte forma: para a contribuição incidente no caso de demissão sem justa causa, entraria em vigor no 91º dia após a publicação da lei; e para a contribuição incidente sobre a folha de salários, somente a partir do início do mês seguinte ao 90º dia da publicação da LC n.º 110/2001, lembrando que ela foi publicada em 30/06/2001.[7]

            Quanto ao prazo para vigência, foi ele previsto apenas para a contribuição sobre a folha de salários: 60 meses contados da entrada em vigor do tributo, ou seja, do início de sua exigibilidade (vide §2º do art. 2º da lei).[8]

Já para a contribuição do art. 1º, incidente na demissão sem justa causa, não houve previsão expressa do seu prazo de vigência, como se pode interpretar também da análise do art. 4º, II e III, quando afirma, ipsis litteris:

“Art. 4o Fica a Caixa Econômica Federal autorizada a creditar nas contas vinculadas do FGTS, a expensas do próprio Fundo, o complemento de atualização monetária resultante da aplicação, cumulativa, dos percentuais de dezesseis inteiros e sessenta e quatro centésimos por cento e de quarenta e quatro inteiros e oito décimos por cento, sobre os saldos das contas mantidas, respectivamente, no período de 1o de dezembro de 1988 a 28 de fevereiro de 1989 e durante o mês de abril de 1990, desde que:

I – o titular da conta vinculada firme o Termo de Adesão de que trata esta Lei Complementar;

II – até o sexagésimo terceiro mês a partir da data de publicação desta Lei Complementar, estejam em vigor as contribuições sociais de que tratam os arts. 1o [10% na demissão sem justa causa] e 2o  [0,5% sobre a folha de salários] e

III – a partir do sexagésimo quarto mês da publicação desta Lei Complementar, permaneça em vigor a contribuição social de que trata o art. 1o.” (explicitamos entre colchetes).

            Embora a lei tenha classificado tais contribuições como “contribuições sociais”, houve intensa polêmica em torno da legitimidade e da real natureza jurídica dessas novas cobranças. Nós mesmos pugnamos, em artigo publicado à época em co-autoria com Leandro Marins, pela inconstitucionalidade das contribuições.[9] Mas o fato é que o Supremo Tribunal Federal, ao analisar as ações diretas de inconstitucionalidade (ADIs) n.ºs 2.556-2 e 2.568-6, propostas contra as contribuições, decidiu liminarmente (sessão plenária de 09/10/2002) pela constitucionalidade de sua cobrança, classificando essas contribuições como tributos da espécie contribuição social geral.

Nessa mesma decisão liminar, o STF considerou indevida a cobrança das contribuições da LC n.º 110 no exercício de 2001, pois, no caso, a vigência das contribuições só poderia iniciar-se em janeiro de 2002 devido à necessária obediência à regra da anterioridade do exercício financeiro (art. 150, III, “b”, da Constituição), modalidade de anterioridade aplicável às contribuições sociais gerais àquela época.[10]

Tal julgamento redefiniu o termo inicial e também o termo final de vigência da contribuição de 0,5% sobre a folha de salários dos empregadores, como notou Wladimir Novaes Martinez em estudo sobre o tema.[11]

As ADIs n.ºs 2.556-2 e 2.568-6 não receberam julgamento definitivo do STF até o presente momento (maio/2011), ainda permanecendo em vigor a decisão liminar deferida pelo Tribunal em 09/10/2002, pela qual as contribuições da LC n.º 110/2001 foram julgadas constitucionais. Particularmente, não acreditamos numa reversão desse entendimento quando o Tribunal vier a julgar em definitivo as citadas ações diretas.

            Nosso objetivo, no presente artigo, é analisar a situação jurídica da contribuição ao FGTS com alíquota de 10%, criada pela LC n.º 110/2001, e se é possível ou não a continuidade de sua vigência por tempo indeterminado, como parece pretender o Governo Federal.

Para facilitar a compreensão da matéria, faremos primeiramente uma sucinta abordagem da contribuição mensal dos empregadores, calculada em 0,5% sobre a folha de salários, já extinta conforme previsão da própria LC n.º 110/2001, para logo após abordarmos o regime jurídico da contribuição dos empregadores incidente nas demissões sem justa causa, calculada em 10% sobre o montante dos depósitos feitos em nome do trabalhador durante a vigência do contrato de trabalho.

2. A contribuição mensal de 0,5% sobre a folha de salários: extinta desde 2007

Como visto acima, o art. 2º da LC n.º 110/2001 instituiu uma contribuição ao FGTS incidente sobre a folha de salários dos empregadores, com alíquota de 0,5%, servindo, na prática, como espécie de adicional à contribuição não tributária ao FGTS cobrada com alíquota de 8% (prevista na Lei n.º 8.036/1990).

Ficaram isentos dessa contribuição de 0,5% sobre a folha de salários os empregadores domésticos, assim como os empregadores produtores rurais pessoa física e as micro e pequenas empresas inscritas no regime tributário SIMPLES Federal (conforme Lei n.º 9.317/1996, vigente à época)[12], mas esses dois últimos apenas no caso de terem faturamento anual igual ou inferior a R$ 1,2 milhão.

A vigência da contribuição adicional de 0,5% sobre a folha de salários era claramente temporária, como previu o §2º do art. 2º da LC n.º 110/2001: vigoraria por apenas 60 meses contados do início de sua exigibilidade. Foi uma forma de deixar claro que a cobrança era vinculada à arrecadação dos valores necessários ao pagamento do passivo da União Federal (Caixa Econômica Federal) com as contas do FGTS prejudicadas pelos expurgos inflacionários, vide art. 4º, II, da referida lei (dispositivo já transcrito).

Ou seja, a própria LC n.º 110/2001 reconheceu expressamente que a necessidade de recursos para correção dos expurgos é limitada e temporária, não havendo razão para que a contribuição adicional de 0,5% instituída pela lei vigorasse indefinidamente, até porque era geradora de significativo ônus fiscal sobre os empregadores, representando fator de desestímulo à geração e manutenção de empregos formais no Brasil.

            Conforme previu o §2º do art. 2º e o art. 4º, II, da LC n.º 110/2001, conjugados com o decidido pelo STF na liminar nas ADIs n.ºs 2556 e 2568, a contribuição de 0,5% sobre a folha de salários foi extinta em dezembro de 2006, tendo em vista que iniciou sua vigência/exigibilidade somente em 1º.01.2002 e não em outubro de 2001 como previa originalmente a LC  n.º 110/2001. Desde janeiro de 2007 a referida contribuição não está mais em vigor, portanto.

Situação um pouco diversa é a da outra contribuição ao FGTS instituída pela LC n.º 110/2001, aquela incidente nas demissões sem justa causa à alíquota de 10% sobre os depósitos realizados na conta do empregado durante a vigência do contrato de trabalho, como veremos a seguir, pois na lei não ficou claro qual seria o término de sua vigência. De qualquer forma, é importante esclarecer, desde já, que, embora essa contribuição ainda permaneça de fato em vigor, pelas razões que vamos revelar, sua vigência também deve ser vista como provisória, pois vinculada a fundamentos que se extinguirão com o tempo, o que demanda vigilância dos contribuintes para identificar o momento em que a cobrança deverá expirar.

3. A contribuição na demissão sem justa causa calculada em 10% dos depósitos em nome do trabalhador no FGTS: continuidade da cobrança por prazo indefinido?

3.1. A possibilidade de obter a invalidação da contribuição na via judicial

Conforme previu o art. 1º da LC n.º 110/2001, desde seu surgimento, a contribuição de 10% passou, na prática, a servir como adicional à contribuição ao FGTS na forma de multa rescisória de 40% sobre o montante dos depósitos realizados durante o contrato de trabalho na conta do trabalhador, demitido sem justa causa, contribuição essa sem natureza tributária, e sim trabalhista sui generis, como já reconhecido pelo STF, ainda quando da vigência da CF/1969.[13]

Ou seja, a partir da vigência dessa nova contribuição instituída pela LC n.º 110/2001, a demissão sem justa causa passou a ser onerada com uma alíquota total de 50% a título de contribuições ao FGTS: 40% na forma da contribuição trabalhista indenizatória; e 10% a título de contribuição tributária, ambas recolhidas à Caixa Econômica Federal.

Ficaram isentos dessa contribuição de 10% nas demissões sem justa causa apenas os empregadores domésticos.

Conforme previu o art. 14, I, da LC n.º 110/2001, a contribuição de 10% nas demissões sem justa causa iniciaria seu vigor em 28.09.2001, para, pretensamente, atender à exigência de anterioridade nonagesimal. A lei previu o início da vigência da contribuição de forma equivocada, pois, pela contagem correta, o início da vigência ocorreria somente a partir do 91º dia após a publicação da lei, razão pela qual o dia 29.09.2001 seria o dia correto para entrada em vigor da nova contribuição. De qualquer forma, o STF (no julgamento liminar das ADIs n.ºs 2.556-2 e 2.568-6) firmou o entendimento de que tal contribuição deveria obedecer à regra de anterioridade do exercício financeiro, e não à regra de anterioridade nonagesimal. O Tribunal justificou afirmando tratar-se de uma contribuição social geral, naquela época uma espécie de tributo sujeito à regra de anterioridade do exercício financeiro.[14]

Em face do citado julgamento liminar do STF, a contribuição adicional de 10% na demissão sem justa causa passou a vigorar em 1º.01.2002, com prazo indefinido de vigência e sem nenhuma vinculação legal explícita entre sua cobrança e a existência presente ou futura de despesas do Governo com o pagamento/correção dos expurgos inflacionários nas contas dos trabalhadores no FGTS.

Entretanto, o art. 4º, II e III, da LC n.º 110/2001[15] nos permite verificar que a própria lei admitiu que a cobrança da contribuição era necessária para o pagamento das despesas com a correção dos expurgos inflacionários do FGTS, tanto quanto a cobrança da outra contribuição criada pela mesma lei e incidente sobre a folha de salários.

Outros dispositivos da lei complementar também corroboram essa idéia, pois deixam claro, embora de forma indireta, que tanto a contribuição de 10% nas demissões sem justa causa, como sua “irmã”, a contribuição de 0,5% mensal sobre a folha de salários, foram desde sempre destinadas apenas a um único fim: gerar a receita pública necessária para a União Federal, por intermédio da Caixa Econômica Federal, corrigir os expurgos que ela mesma causou nas contas dos trabalhadores no FGTS.

Portanto, da leitura integrada dos dispositivos da LC n.º 110/2001, é fácil verificar que a existência das contribuições ao FGTS instituídas por essa mesma lei só poderiam existir enquanto houvessem valores a serem arcados pela União Federal com a correção dos expurgos inflacionários do FGTS, seja por ocasião do cumprimento do acordo proposto pela mesma lei, seja por ocasião do pagamento das condenações judiciais já existentes ou a serem apuradas em ações judiciais ainda em curso (lembrando que o prazo prescricional para os trabalhadores prejudicados requererem a correção dos expurgos é de 30 anos, conforme iterativa jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, razão pela qual ainda existem milhares de ações em trâmite).

            Mas, afinal, ainda existem valores a serem pagos pelo Governo Federal em relação aos expurgos inflacionários do FGTS? A resposta é sim, e são montantes não desprezíveis, já que, mesmo diante do acordo oferecido pelo Governo (cujo prazo de adesão já expirou em 2003), muitos trabalhadores não aderiram. Parte deles porque já tinham ações judiciais em curso e não quiseram ter o valor de seu crédito reduzido pelo deságio integrante do acordo; e outra parte porque simplesmente deixaram de requerer até o momento, sujeitando-se ao risco de prescrição de seu direito no futuro.[16]

A realidade mostra que o pagamento integral do acordo oferecido pela LC n.º 110/2001 aos trabalhadores não resolveu integralmente o passivo do Governo Federal com relação aos expurgos do FGTS. Grande parte dos trabalhadores simplesmente continua pleiteando no Poder Judiciário a condenação da Caixa Econômica à correção dos expurgos. Esses valores em litígio atualmente podem ser estimados e controlados pelo Governo graças às informações obtidas junto às instituições que eram depositárias dos valores do FGTS à época dos expurgos.[17]

Embora ainda existam valores a serem pagos pelo Governo, na via judicial, aos trabalhadores prejudicados pelos expurgos inflacionários nas contas do FGTS, percebe-se que a cobrança da contribuição de 10% da LC n.º 110/2001 é temporária. Caso seja comprovada a extinção do débito governamental que gera a necessidade arrecadatória o tributo que supria tal gasto perderá aplicabilidade, ficando sem fundamento sua cobrança.

            Tendo em vista todo o exposto, pode-se concluir que a cobrança da contribuição ao FGTS adicional de 10% na demissão sem justa causa pode ser cobrada dos empregadores apenas até que se constate que a arrecadação obtida com esse tributo seja suficiente para cumprir com o gasto orçamentário previsto para a cobertura dos expurgos inflacionários aqui indicados. Trata-se de um caso típico de tributo com vigência condicionada a circunstâncias excepcionais temporárias.

Isso não causa surpresa. A Constituição Federal inclusive prevê esse tipo de situação, por exemplo, no caso de imposto extraordinário de guerra (art. 154, II)[18], ou no caso do empréstimo compulsório (art. 148)[19]. Ambos tributos possuem pressupostos de fato que autorizam a sua instituição (por meio de lei da União Federal) e sua cobrança. Em determinado momento, sendo extinto o pressuposto de fato que deu causa à instituição do tributo, cessa também a autorização para sua cobrança, ainda que a lei que o instituiu seja válida e ainda esteja em vigor.[20]

Entender o contrário, permitindo a continuidade de uma cobrança tributária sem fundamento, seria placitar o enriquecimento ilícito do Estado, em gravíssimo prejuízo aos direitos fundamentais dos cidadãos-contribuintes, notadamente o direito à liberdade e à propriedade (art. 5º da CF/1988), que em última análise devem ser expressão da vida e do merecimento dos indivíduos.

            Portanto, se e quando for possível comprovar em juízo, mediante análise dos relatórios de gestão do FGTS ou de outros documentos oficiais, que o quantum necessário à cobertura total das despesas com os expurgos inflacionários do fundo já foi arrecadado com a cobrança da contribuição ao FGTS adicional de 10% na demissão sem justa causa, será de plena justiça a declaração de inexigibilidade imediata do referido tributo pelo Poder Judiciário.

Nesse caso, tecnicamente não se tratará de julgar inconstitucional o art. 1º da LC n.º 110/2001 no que prevê a incidência da contribuição em comento, e sim declarar sua inaplicabilidade por ausência do pressuposto de fato ao qual se prende a cobrança da contribuição. Trata-se aqui de um tributo vinculado a determinada finalidade arrecadatória não renovável no tempo. Atingida e cumprida tal finalidade, perde razão de ser a aplicação da lei tributária. A lei continua válida, mas não é mais aplicável.

Se considerarmos a posição do STF no julgamento liminar das ADIs n.ºs 2.556-2 e 2.568-6, por meio do qual entendeu que a contribuição adicional ao FGTS instituída pelo art. 1º da LC n.º 110/2001 é uma espécie de contribuição social, temos de reconhecer que tal contribuição se baseia no art. 149 da Constituição. Esse dispositivo prevê a norma de competência geral que autoriza a União a instituir contribuições. E nesse dispositivo constitucional se depreende que as contribuições especiais são todas, por natureza, finalísticas. Ou seja, a cobrança de uma contribuição se justifica diretamente na necessidade de arrecadar recursos para cumprir determinadas finalidades, especificadas no texto constitucional. Isso significa que se em um dado momento não há mais a finalidade a ser cumprida pela arrecadação de uma contribuição, sua cobrança perde o pressuposto fático que lhe dá razão para existir.

3.2. As iniciativas para extinguir a contribuição na via legislativa

            De qualquer forma, em face da longa e incômoda permanência da cobrança da referida contribuição adicional, no Congresso Nacional estão em trâmite diversas propostas legislativas para extingui-la, por meio de lei complementar. A extinção do referido tributo é tema de nada menos que oito projetos.

Na Câmara dos Deputados está em trâmite o PLC n.º 51/2007, que prevê simplesmente a revogação da LC n.º 110/2001, e tem como apensos os PLCs n.ºs 407/2008 e n.º 391/2008, ambos com fundamentalmente o mesmo teor. Ainda na Câmara aguarda análise e decisão definitiva da Casa o PLC n.º 378/2006, que primeiramente pretendia estabelecer prazo fixo à vigência da contribuição adicional aqui em comento, mas que ganhou substitutivo para prever simples e imediata extinção da contribuição social aqui em comento. A esse projeto foi apenso o PLC n.º 46/2011 propondo a extinção da contribuição apenas em 31/12/2011. No mesmo sentido, também transitou o projeto de n.º 3756/2008, mas já arquivado.

No Senado Federal estão em tramitação o PLC n.º 198/2007 e o PLC n.º 373/2007. Este último pretende a imediata revogação da contribuição, enquanto o primeiro prevê uma data certa e futura para a extinção do tributo: 31/07/2012, conforme consta da última emenda no texto do projeto, aprovada na Comissão de Assuntos Econômicos da Casa.

Todas essas iniciativas demonstram que, se depender da atual vontade política do Congresso, a contribuição adicional ao FGTS exigida nas despedidas sem justa causa pode estar com seus dias contados. É o que esperamos, preocupados com a alta carga tributária que onera a relação de emprego no Brasil e desestimula a formalidade. Por outro lado, temos ciência de que a data da extinção da cobrança não é tão facilmente determinável sem um exame amplo dos resultados da gestão do fundo e da recomposição dos expurgos na via judicial, como já apontamos.

De qualquer forma, o Fundo já provou estar muito saudável financeiramente, gozando de vultoso patrimônio líquido (ativo menos passivo). Tal fato incentivou o Governo federal a instituir fundo de investimento especial baseado na boa liquidez do FGTS, ampliando suas funções de financiamento para abarcar também outros diversos projetos ligados à infraestrutura.[21] O objetivo final seria o de alavancar com isso o Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), lançado pelo Governo no início de 2007 para melhorar a performance da atividade econômica brasileira.[22]

 

3.3. A ameaça de metamorfose e permanência da contribuição

Enquanto aguarda a extinção da contribuição adicional ao FGTS, seja pela via legislativa, seja pela via judicial, o empregador brasileiro convive com o temor de que a cobrança acabe se tornando permanente. E esse temor não é despropositado. Cumpre alertar que o Governo já chegou a cogitar em tornar definitiva a cobrança da contribuição adicional de 10% na demissão sem justa causa. A mudança seria operada mediante a transformação de sua natureza jurídica, por meio da qual a contribuição em questão deixaria de ser um tributo para passar a ser caracterizada como um simples adicional da indenização de 40% devida ao empregado pelo empregador no caso de demissão sem justa causa. Ou seja, a chamada “multa rescisória” do FGTS passaria de 40% a 50%.

Nessa visão, exposta já em 2006 pelo Ministro da Fazenda Guido Mantega[23], a transformação do adicional de 10% em uma cobrança permanente, a ser implementada por lei complementar, encontraria fundamento no art. 7º, I, da Constituição, quando prevê como direito dos trabalhadores “relação de emprego protegida contra despedida arbitrária ou sem justa causa, nos termos de lei complementar, que preverá indenização compensatória, dentre outros direitos;”.[24] O governo afirmou, à época, que a arrecadação obtida com essa nova cobrança serviria para subsidiar a aquisição de casas populares por famílias de baixa renda, apelo social fácil quando se quer aumentar a carga tributária.

Temos a esperança de que o Governo já tenha definitivamente abandonado a idéia dessa prejudicial iniciativa, que só mais embaraços geraria para a criação de empregos no Brasil. Isso porque encareceria a rotatividade da mão-de-obra, que é uma reação natural e necessária para as empresas que enfrentam contingências sazonais ou ajustes estruturais urgentes. O empresariado sabe que contratar empregados no Brasil é custoso, porém mais custoso ainda pode ser o ato de demissão. Nesse sentido, um encarecimento do já alto custo demissional servirá de desestimulo à contratação de novos empregados.

Note-se que o índice de emprego formal tende a variar de forma inversamente proporcional ao índice de carga tributária que recai sobre a relação empregatícia. Por meio de uma inteligente política fiscal, o Governo pode ampliar a base contributiva, gerando postos de emprego, se reduzir a carga tributária que onera os empregadores direta ou indiretamente. Sob essa perspectiva, o Governo brasileiro precisa manter a consciência de que, muitas vezes, também em matéria de tributação, “menos é mais”.


[1] Ver os seguintes julgamentos do Superior Tribunal de Justiça, entre outros: REsp n.º 262.347/PR, Rel. Min. Francisco Peçanha Martins, Segunda Turma, 16/04/2001, DJ de 24/09/2001; REsp n.º 281.085/RJ, Rel. Min. José Delgado, Primeira Turma, 05/04/2001, DJ de 13/08/2001; REsp n.º 326.843/PB, Rel. Min. Garcia Vieira, Primeira Turma, 14/08/2001, DJ de 24/09/2001; REsp n.º 130.892/SC, Rel. Min. Milton Luiz Pereira, Primeira Turma, 26/06/1997, DJ de 08/09/1997; Resp n.º 134.419/RS, Rel. Min. Demócrito Reinaldo, Primeira Turma, 17/03/1998, DJ de 11/05/1998.

[2] Ver julgamento do Recurso Extraordinário n.º 226.855-7, Rel. Min. Moreira Alves, Tribunal Pleno, 31/08/2000, DJ de 13/10/2000.

[3] Foi o caso da CUT e da Confederação Nacional da Indústria (CNI). Esta última defendeu no Congresso uma solução que não implicasse em aumento da carga tributária nem prejuízo aos trabalhadores. A proposta apresentada pela instituição previa a internalização, quanto possível, dos gastos necessários para recomposição dos saldos das contas dos trabalhadores, mediante a potencialização dos recursos do próprio FGTS. Mas o governo e o Congresso não aceitaram, por entenderem que a solução não seria eficaz. Resultado: o governo dividiu o prejuízo de sua ilicitude (expurgos inflacionários) com os empresários/empregadores e trabalhadores.

[4] Conforme notícia publicada no Jornal DC de 28.03.2001, sob o título “FHC comemora o acordo para devolver o FGTS”, disponível em “http://www.senge-sc.org.br/acaofgts.htm#propostaemp”, acesso em 25.12.2010.

[5] O deságio não foi aplicado a todos os valores de complementação de correção monetária nas contas vinculadas dos trabalhadores, pois não atingiu os trabalhadores com créditos de até R$ 2.000,00. Para aqueles que tinham direito a valores mais significativos, a LC n.º 110/2001 previu descontos de 8%, 12% e 15%, conforme maior fosse o valor do crédito. Veja-se o art. 6º da referida lei complementar, ipsis litteris:

“Art. 6o O Termo de Adesão a que se refere o inciso I do art. 4o, a ser firmado no prazo e na forma definidos em Regulamento, conterá:

 I – a expressa concordância do titular da conta vinculada com a redução do complemento de que trata o art. 4o, acrescido da remuneração prevista no caput do art. 5o, nas seguintes proporções:

a – zero por cento sobre o total do complemento de atualização monetária de valor até R$ 2.000,00 (dois mil reais);

b – oito por cento sobre o total do complemento de atualização monetária de valor de R$ 2.000,01 (dois mil reais e um centavo) a R$ 5.000,00 (cinco mil reais);

c- doze por cento sobre o total do complemento de atualização monetária de valor de R$ 5.000,01 (cinco mil reais e um centavo) a R$ 8.000,00 (oito mil reais);

d – quinze por cento sobre o total do complemento de atualização monetária de valor acima de R$ 8.000,00 (oito mil reais);”

[6] Condição essa atacada pela OAB por prejudicar os advogados que atuaram no processo como patronos do trabalhador, conforme nota de alerta publicada pela instituição à época.

[7] “Art. 14. Esta Lei Complementar entra em vigor na data de sua publicação, produzindo efeitos:

I – noventa dias a partir da data inicial de sua vigência, relativamente à contribuição social de que trata o art. 1o; e

II – a partir do primeiro dia do mês seguinte ao nonagésimo dia da data de início de sua vigência, no tocante à contribuição social de que trata o art. 2o.” A diferença de data entre os inícios de vigência deveu-se a razão de ordem prática: a contribuição sobre a folha de salários tem como período de apuração o mês, daí o interesse de iniciar a incidência do tributo apenas no início de um novo período de apuração. Evita-se assim polêmica quanto ao período de salários a considerar na base de cálculo da incidência, o que fatalmente ocorreria caso a vigência da lei fosse iniciada no meio de um período de apuração mensal já em curso. Já não há a mesma dificuldade prática para o caso da contribuição sobre a demissão sem justa causa, que possui fato gerador mais simples, não ligado a um período ou ciclo de apuração.

[8] “§ 2o A contribuição será devida pelo prazo de sessenta meses, a contar de sua exigibilidade.”

[9] PETRY, Rodrigo Caramori; MARINS, Leandro. As teratológicas “contribuições sociais para o FGTS” criadas pela Lei Complementar n.º 110, de 29 de junho de 2001. Revista Dialética de Direito Tributário n.º 77. São Paulo: Dialética, fevereiro/2002, p. 74-86.

[10] A anterioridade do exercício (art. 150, III, “b” da CF) exige que a lei tributária entre em vigor apenas no início do exercício financeiro seguinte ao da sua publicação, e nunca antes disso.

[11] MARTINEZ, Wladimir Novaes. Prazo de 60 Meses da Alíquota do FGTS – Lei Complementar n.º 110/01. In Revista Dialética de Direito Tributário n.º 135, dez/2006, p. 53-57.

[12] Regime substituído atualmente pelo SIMPLES Nacional da Lei Complementar n.º 123/2006 e suas alterações posteriores.

[13] Vide RE n.º 100.249-2/SP, Relator original o Ministro Oscar Corrêa, Relator para o acórdão o Ministro Néri da Silveira, julgamento por maioria em 2.12.1987, DJU em 1o.07.1988. Posteriormente, em 1993 (RE n.º 134.328-1/DF, Rel. o Ministro Ilmar Galvão, julgado em 02.02.1993, DJU em 19.02.1993) e em 1998 (RE n.º 120.189-4/SC, Rel. o Ministro Marco Aurélio, julgado em 26.10.1998, DJU em 19.02.1999) o STF veio a se manifestar novamente sobre a questão, tendo por base ainda a Constituição de 1969, e repetiu os mesmos fundamentos já exarados no RE n.º 100.249-2/SP para não caracterizar as contribuições ao FGTS como tributo. Posteriormente, o STF não teve oportunidade de julgar especificamente sobre a natureza jurídica das contribuições ao FGTS com base na Lei n.º 8.036/1990 e em face da CF/1988. De qualquer forma, temos fundadas razões para entender que o Tribunal deverá continuar julgando que essas contribuições ao FGTS estão fora do campo tributário, já que os fundamentos do RE n.º 100.249-2/SP ainda podem (em parte) sustentar essa idéia mesmo na vigência da Constituição de 1988.

[14] A anterioridade do exercício (art. 150, III, “b” da CF) exige que a lei tributária entre em vigor no início do exercício financeiro seguinte ao da sua publicação.

[15] Note-se aqui especialmente o inciso III do artigo, ipsis litteris: “Art. 4o Fica a Caixa Econômica Federal autorizada a creditar nas contas vinculadas do FGTS, a expensas do próprio Fundo, o complemento de atualização monetária resultante da aplicação, cumulativa, dos percentuais de dezesseis inteiros e sessenta e quatro centésimos por cento e de quarenta e quatro inteiros e oito décimos por cento, sobre os saldos das contas mantidas, respectivamente, no período de 1o de dezembro de 1988 a 28 de fevereiro de 1989 e durante o mês de abril de 1990, desde que:

I – o titular da conta vinculada firme o Termo de Adesão de que trata esta Lei Complementar;

II – até o sexagésimo terceiro mês a partir da data de publicação desta Lei Complementar, estejam em vigor as contribuições sociais de que tratam os arts. 1o [10% na demissão sem justa causa] e 2o  [0,5% sobre a folha de salários] e

III – a partir do sexagésimo quarto mês da publicação desta Lei Complementar, permaneça em vigor a contribuição social de que trata o art. 1o.” (explicitamos entre colchetes).

[16] A prescrição é trintenária no caso, como já esclarecemos.

[17] O art. 10 da LC n.º 110/2001 previu a obtenção das informações necessárias nesse sentido: “Art. 10. Os bancos que, no período de dezembro de 1988 a março de 1989 e nos meses de abril e maio de 1990, eram depositários das contas vinculadas do FGTS, ou seus sucessores, repassarão à Caixa Econômica Federal, até 31 de janeiro de 2002, as informações cadastrais e financeiras necessárias ao cálculo do complemento de atualização monetária de que trata o art. 4º. (…).”

[18] “Art. 154. A União poderá instituir: (…) II – na iminência ou no caso de guerra externa, impostos extraordinários, compreendidos ou não em sua competência tributária, os quais serão suprimidos, gradativamente, cessadas as causas de sua criação.”

[19] “Art. 148. A União, mediante lei complementar, poderá instituir empréstimos compulsórios: I – para atender a despesas extraordinárias, decorrentes de calamidade pública, de guerra externa ou sua iminência; II – no caso de investimento público de caráter urgente e de relevante interesse nacional (…).”

[20] Especificamente no caso da eventual instituição de imposto extraordinário de guerra, o Código Tributário Nacional, recepcionado pela Constituição de 1988 nessa parte, regulamenta a cessação da cobrança em face do término da sua causa mediata: a guerra. É o teor do art. 76 do CTN: “Na iminência ou no caso de guerra externa, a União pode instituir, temporariamente, impostos extraordinários compreendidos ou não entre os referidos nesta Lei, suprimidos, gradativamente, no prazo máximo de 5 (cinco) anos, contados da celebração da paz.” Note-se que a cessação da cobrança aqui não se dá de imediato, porque os gastos relacionados à guerra externa (causa imediata da cobrança do tributo) são mais difíceis de serem mensurados e prosseguem ainda muito tempo depois da cessação do conflito. Não ocorre da mesma forma com os gastos do Governo com a correção dos expurgos inflacionários das contas vinculadas do FGTS aqui em comento. Assim, a cessação da cobrança da contribuição da LC n.º 110/2001 deve ser operacionalizada de forma imediata, tão logo seja comprovada a extinção de sua causa.

[21] Lembramos que os valores arrecadados com a cobrança das contribuições comuns ao FGTS (Lei n.º 8.036/1990), enquanto não sacados pelos trabalhadores, podem ser utilizados para financiar projetos de habitação popular e saneamento básico, como forma de manter e ampliar os valores do fundo ao longo do tempo. A criação do chamado “FI-FGTS” permite a utilização dos recursos excedentes do Fundo (recursos/ativo que superam as obrigações/passivo para com os trabalhadores titulares de contas no FGTS e outras) também para investimentos em energia e transportes (rodovias, ferrovias, hidrovias e portos).

[22] Vide Lei n.º 11.491/2007 (conversão da MP n.º 349/2007).

[23] Conforme notícia divulgada em 28/11/2006 pela CNC em seu sítio na internet, disponível em www.cnc.org.br/notícias/adicional-sobre-multa-do-fgts-pode-ser-permanente, acesso em 25/05/2011.

[24] Lembramos que o inciso I do art. 10 do ADCT da CF/1988 limita em 40% a chamada “multa rescisória” devida na demissão sem justa causa de empregado, ao menos até que seja editada a lei complementar indicada pelo art. 7º, I, da CF: “Art. 10. Até que seja promulgada a lei complementar a que se refere o art. 7º, I, da Constituição: I – fica limitada a proteção nele referida ao aumento, para quatro vezes, da porcentagem prevista no art. 6º, caput e §1º, da Lei n. 5.107, de 13 de setembro de 1966 [percentagem essa de 10%, que multiplicada por 4 resulta em 40%];”.

 

Rodrigo Caramori Petry é Mestre em Direito Econômico e Social pela PUC-PR . Professor, Advogado e Consultor Tributário em Curitiba-PR.

rcp@rodrigopetry.com.br

 

Voltar ao topo