As custas judiciais em foco

Ultimamente o assunto “custas judiciais” vem ocupando o noticiário, em face dos desencontros sobre o espírito da Lei n.º 16.741, de 29 de dezembro de 2010, que reajustou os valores das custas e emolumentos, previstos no Regimento de Custas.

A confusa redação dessa lei deu margem a várias interpretações, entre as quais aquela adotada pelo Decreto Judiciário n.º 48, que reajustou as custas em 45%, mais tarde revogado.

Impende considerar que o Plenário do Conselho Nacional de Justiça deliberou, no PCA Nº 004149-54.2009.2.00.0000, um estudo sobre o regime de cobrança de custas, em todo o Brasil, com foco na Justiça Estadual, em virtude das discrepâncias.

Realizou-se uma pesquisa, sob a coordenação do Conselheiro Jefferson Kravchychyn, em julho de 2010, concluindo existir uma grande heterogeneidade nas leis de custas adotadas em cada uma das vinte e sete unidades da federação. Na comparação dos valores praticados, simulou-se o ajuizamento de uma ação de conhecimento, na área cível e em procedimento ordinário de, respectivamente, R$ 2.000,00; R$ 20.000,00; R$ 50.000,00 e R$ 100.000,00.

Neste comparativo, na ação de R$ 2.000,00 enquanto no Paraná se cobravam custas de R$ 176,95 havia estados em que o valor chegava a R$ 610,99, como, por exemplo, o Ceará. Neste tópico, o Paraná ficou em 16.º lugar entre os estados.

Numa hipotética ação cujo valor da causa fosse R$ 20.000,00 o Paraná ficou em 20.º lugar entre os que cobravam custas mais baratas. Numa ação de R$ 50.000,00 o Paraná ficou em 8º lugar e na ação de R$ 100.000,00, o Paraná ficou em 2º lugar entre os estados que cobravam custas mais baratas, abaixo apenas do Distrito Federal que, como se sabe, tem natureza distinta porque compete à União organizar e manter o Poder Judiciário (CF, art. 21, XII). Aliás, essa a razão pela qual a justiça federal e trabalhista, com verbas da União, não passam pelas mesmas dificuldades.

Por fim, nessa pesquisa, elaborada pelo Conselho Nacional de Justiça, o Paraná figurou em 8º lugar entre os estados que cobravam menores custas, considerando os valores médios, abaixo do Distrito Federal, Santa Catarina, São Paulo, Rio Grande do Norte, Pernambuco, Minas Gerais e Roraima.

Verificou-se, ainda, que a Região Sul do País era a que cobrava menores valores médios, enquanto os valores médios mais altos eram encontrados na Região Nordeste. Paradoxalmente, as três unidades da federação que possuem os Índices de Desenvolvimento Humano – IDHs mais elevados eram as que adotavam o regime de custas mais baixos (neste comparativo), destacando-se, na outra ponta, Piauí, Maranhão e Paraíba como os três estados com valores mais elevados.

Efetuou-se correlação também com o PIB per capita e, novamente, das cinco UFs com os valores de PIB mais elevados (DF,SP,RJ,ES,SC), três são as que praticavam valores mais baixos para as custas judiciais (DF,SP e SC). Nesse contexto, o Paraná, 7.º lugar no PIB per capita, praticava o 8.º lugar entre as custas mais baixas.

Como disse o Conselheiro autor da pesquisa, não existe razão para que regiões e unidades federativas, comparativamente mais pobres adotem custas mais elevadas que nas localidades mais desenvolvidas, sob pena de influir diretamente no valor constitucional do acesso à justiça.

Ampliou-se a pesquisa para analisar a cobrança de custas na segunda instância. Enquanto o valor máximo para cobrança de custas e taxas judiciárias, no Paraná, em caso de apelação, era de R$ 12.894,00 e R$ 500,00 respectivamente, havia estados em que esses valores chegavam a R$ 22.335,26 (Rio de Janeiro), R$ 49.260,00 (São Paulo) ou R$ 50.000,00 (Tocantins). Como não havia teto limite na legislação de Rondônia, ocorreu o ajuizamento da ADI Nº 4186 que o STF julgou procedente, motivando a edição de uma nova lei estadual (2.094, de 30/06/2009), agora apresentando o teto de R$ 50.000,00.[1]

É evidente que a pesquisa poderia ser mais abrangente porém foi suficiente para dar uma ideia de como são díspares os entendimentos nas várias regiões do país.

O Paraná, sob o imperativo de assumir paulatinamente todas as serventias judiciais privatizadas vagas, ou que forem vagando, nesse processo de estatizaç&a,tilde;o previsto no art.31 da Constituição, deve oferecer um serviço à população ainda melhor que o atualmente oferecido. Deve ter número suficiente de funcionários, bem qualificados e bem remunerados, além de tecnologia de ponta, nesta era de informatização. Esse serviço de qualidade tem um custo bastante elevado, que é suportado pelo orçamento do Judiciário, reforçado pelas custas.

A exemplo do que ocorre em vários países, também no Brasil as custas ou taxas judiciárias são utilizadas para cobrir os custos operacionais dos tribunais. Por isso, a quantia arrecadada é extremamente relevante no cômputo da arrecadação, de vez que os orçamentos destinados às cortes de justiça são, em geral, insuficientes. Nesse estudo, chegou-se à conclusão de que não se pode prescindir da relevância econômica das custas para o financiamento de parte das despesas relativas à prestação jurisdicional, sob pena de não se ter, como é imprescindível, uma prestação de melhor qualidade.

De outra parte, estudo recente e bastante aprofundado feito pelo Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, deu conta que, do universo de ações de toda natureza em tramitação naquele estado, 71% estão sob a égide da gratuidade da justiça, o que causou perplexidade e grande apreensão. Assim, de cada dez ações ajuizadas, apenas três pagam despesas custas.

Preocupado com essa situação, o Conselho Nacional de Justiça tem promovido reuniões periódicas com representantes dos tribunais, e de outros segmentos da sociedade, visando colher sugestões e aprimorar ideias com o fito de propor valores mais consentâneos com a realidade de cada UF.

Foi criado um grupo de trabalho, composto por Conselheiros do CNJ, magistrados e técnicos de Tribunais, representantes da Ordem dos Advogados do Brasil, Ministério Público e Defensoria Pública, e dos servidores do Departamento de Pesquisas Judiciárias do CNJ, e que, de forma conjunta com os Tribunais de Justiça, vem desenvolvendo estudos técnicos que apoiem formulação de parâmetros para a cobrança de custas e despesas processuais.

A última reunião aconteceu em Curitiba, no dia 11 de março de 2011, com representantes de todos os estados da Região Sul e após proveitosos debates, sob a Presidência do Des. Miguel Kfouri e coordenação dos Conselheiros Jefferson Kravchychyn e Morgana Richa, do CNJ, incluindo juízes e técnicos do TJPR, representantes da OAB, Assembleia Legislativa e do Sindicato de Escrivães, Notários e Registradores, chegou-se à inarredável conclusão de que é preciso, com urgência, rever a lei de custas do Paraná (que é de 1970 e, portanto, tem mais de 40 anos). Houve também o pronunciamento do Des. Rui Stocco, do TJSP, ex-conselheiro do CNJ e estudioso do assunto, que tem um modelo esboçado do que poderia ser um regimento de custas mais justo.

Foi predominante o entendimento de que, embora as custas no Paraná não sejam exageradas, o sistema privilegia, com custas mais módicas, as causas de grande valor, enquanto taxa com custas mais caras, proporcionalmente, as causas de menor valor.

Convergiram os presentes que:

a) é preciso instituir mecanismos de incentivo para os litigantes finalizarem rapidamente a lide, com redução das custas processuais à medida que o processo finda mais cedo, por desistência ou acordo, já que existe um custo-dia para o processo;

b) a nova lei deve separar as custas judiciais das extrajudiciais, em diplomas distintos;

c) o modelo hoje prevalecente, de cobrar valores elevados para causas de baixo valor e custas proporcionalmente menores para causas de maior valor, deve ser substituído por uma política progressiva, que não onere os presuntivamente mais pobres;

d) é preciso rever o valor das custas em segundo grau, para desestimular os recursos procrastinatórios;

e) é preciso que a tabela seja enxuta e mais facilmente entendível por qualquer pessoa do povo;

f) é preciso que os jurisdicionados hipossuficientes, contem não apenas com isenção de custas, como também com a com efetiva proteção estatal dos seus direitos, mediante adequada implementação e atuação da Defensoria P&uac,ute;blica;

g) os tribunais devem adotar programas de incentivo à conciliação antes do ajuizamento das ações judiciais, e ainda, em segundo grau, antes do julgamento dos recursos;

h) enquanto a OAB promove uma conscientização dos advogados, os juízes de primeiro e segundo grau devem encontrar mecanismos mais eficientes de coibir os abusos e excessos nos pedidos de justiça gratuita, ao mesmo tempo em que, no campo federal, se busca aperfeiçoar a Lei n.º 1.060, de assistência judiciária, editada em 1950;

i) deve haver apoio aos tribunais de justiça, por parte de todos os segmentos da sociedade, na busca de orçamentos mais compatíveis com suas necessidades, junto aos governos estaduais.

Ficou acertado o compromisso de constituir uma comissão, composta por representantes da Presidência e Corregedoria do TJPR, da OAB, do Sienoreg, e da Assembleia Legislativa, entre outros, para estudar uma nova forma de cálculo das custas, que corrija as distorções existentes, como aliás é o comando da Lei n.º 16.741.

Louvável a iniciativa dessa pesquisa, por parte do CNJ. É, também, uma oportunidade de a atual administração do TJPR, logo no início de sua gestão, propor um novo sistema de cobrança de custas, que garanta maior eficiência e maior justiça nos seus critérios, não penalizando os mais humildes, porém capaz de possibilitar uma arrecadação suficiente para cobrir os custos operacionais e poder oferecer um serviço cada vez de melhor qualidade à população.

Nota:

[1] Dados extraídos do artigo ‘Perfil da fixação das custas judiciais no Brasil’, editado em julho de 2010 pelo Departamento de Pesquisas Judiciais do CNJ, encontrável no endereço http://www.cnj.jus.br/dpj/seer/index.php/CNJA/article/view/36

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