Ensino Superior: crônica de um caos anunciado

O direito à educação é reconhecido pelo Direito Constitucional contemporâneo, com base nos princípios de Direito Internacional de Direitos Humanos, como verdadeiro direito fundamental. Como tal, se encontra revestido de uma tutela especialíssima, em virtude de ser direito inerente à natureza humana. Portanto, em se tratando de direito ou princípio fundamental do ser humano, não requer reconhecimento algum para sua existência e exercício. É oportuno e conveniente que o Estado o reconheça e o garanta.

Em 21 de agosto de 2000, o presidente Fernando Henrique declarou, numa solenidade: “Não temos feito outra coisa que preparar o Estado brasileiro para responder positivamente às novas exigências da sociedade. Estamos construindo um novo marco institucional de proteção ao interesse público diante das forças do mercado e do próprio Estado, com a criação das agências reguladoras e o fortalecimento do sistema de defesa da concorrência e da economia popular”.

A imprensa chegou a afirmar que: “De fato, embora o presidente tenha incorrido em um exagero retórico ao dizer `não temos feito outra coisa’, no mencionado discurso, é certo que a reforma da administração federal constitui, ao lado da conquista da estabilidade, uma das marcas essenciais da era Fernando Henrique”.

Se assim se chegou a professar, não é o que aconteceu na educação superior. Desde logo sustentamos que ela reclama uma adequação de metas, redefinição das atribuições e dos padrões de operação do setor público, que o distancie de qualquer intuito neoliberal de encolher o Estado para limitar a sua capacidade de intervir na vida econômica e nas relações entre as forças da sociedade, em especial na estratégica educação superior. Há que paralisar o momento predatório do ensino de qualidade que está a ocorrer.

A visão estratégica do Ministério da Educação, na atual gestão, conforme professa o ministro Cristovam Buarque, buscando a universidade do futuro, há que valorizar o Professor, motivando-o, mas há que tornar mais eficiente, de um lado, e mais democrática, de outro, a ação estatal orientada para o desenvolvimento social. Há que contribuir para a reforma da construção institucional.

Se o que se busca é o Estado que fizesse da melhor forma o que lhe compete em um país “mais injusto do que subdesenvolvido”, e deixasse de fazer o que já não conseguia, por ter-se esgotado a sua capacidade de investimento; o que o corrompia, pela influência avassaladora dos interesses corporativos, mas que a iniciativa particular poderia fazer melhor (com o que não concordamos, mas assumindo apenas para critério de discussão), não resta dúvida que o Estado-empreendedor deve ceder lugar ao Estado-regulador, e se o fez, dever exercer em sua plenitude o que lhe compete.

Em 1994 existiam um milhão seiscentos e sessenta e um mil e trinta e quatro alunos no ensino superior; 58% matriculados em escolas particulares e 42% em escolas públicas. Em 1997 o Brasil tem 136 Universidades, 39 Federais, 27 Estaduais e 66 particulares. Hoje, decorrido aproximadamente 5 anos, a situação caótica nem permite computar quantas universidades particulares, e de 42% se passou para 20% o matriculados em instituições de ensino superior públicas.

Em A eficácia dos cursos de Direito,(1) se afirma que dos dois primeiros cursos jurídicos criados no Brasil por decreto imperial aos dias de hoje, verifica-se uma explosão na oferta de faculdades, o que particularmente ocorreu no Estado do Paraná, com cerca de quatrocentos cursos superiores de Direito. Basta citar que 80% dos alunos de Direito estão nas escolas particulares. Uma das conseqüências desse “domínio de mercado” é a iniciativa privada passar a definir suas políticas de modo mais substancial e ativo, na defesa de suas prerrogativas e na organização de seus interesses.

Prossegue, afirmando que em meio a críticas ao sistema que aprovou um analfabeto no vestibular de uma faculdade de Direito, no Rio de Janeiro, é oportuna a publicação de um trabalho que faz a distinção entre o que é uma instituição de ensino e o que é um “armazém de secos e molhados”, como foi bem definida a tal escola num artigo do jornalista Elio Gaspari. Talvez não se tenha claro que a educação é um direito personalíssimo: corresponde ao patrimônio que nasce com o indivíduo.

Esta qualificação fica evidente em Direito e Ensino Jurídico, em que Eduardo Bittar(2), professor de Metodologia da Pesquisa Jurídica da Fundação Armando Álvares Penteado (Faap), em São Paulo, analisa a questão do estudo universitário no contexto da educação nacional, os aspectos da intervenção do Estado sobre o ensino, o reconhecimento dos cursos em face da legislação educacional e das exigências do Ministério da Educação.

Além dos aspectos legais do assunto, Bittar apresenta a história da universidade e do ensino jurídico no mundo ocidental, ressaltando que conhecê-la é importante para compreender a função social da universidade e seu destino.

Segundo ele, dos primeiros aglomerados de estudos na Antigüidade, restritos a iniciados de comunidades místicas ou filosóficas, aos centros de estudo medievais, às primeiras escolas e à independência filosófica, atravessou-se um profundo processo de modificação, dispersão, amplificação e ensino de ciências.

No Brasil, a história da universidade não possui tantas sagas: data do Século XX, apesar de sua previsão como necessidade nacional desde a Constituição de 1824, três anos antes da criação dos primeiros cursos de ensino superior no país, as faculdades de Direito de Olinda e de São Paulo.

Bittar examina ainda o ensino jurídico universitário sob o prisma da vivência acadêmica e da pedagogia do Direito. O corpo docente e a representação dos alunos são estudados em um capítulo, seguido da análise da estrutura, administração, manutenção e recursos humanos de uma escola superior. Sobre os professores de Direito, afirma que sua experiência, seriedade, dedicação, empenho e titulação fazem grande diferença na qualidade do ensino oferecido.

Além de apontamentos sobre a autonomia universitária, a legislação de ensino superior e do Direito, a parte final do livro trata da fiscalização de cursos jurídicos e dos direitos do estudante. O objetivo da obra é divulgar as normas que regulamentam o setor do ensino jurídico do Brasil. Com seu enfoque pragmático, o texto levanta a questão do ensino universitário em meio ao contexto da educação nacional, para depois avaliar os aspectos relevantes da intervenção do Estado sobre o ensino e do reconhecimento dos cursos em face da legislação educacional e das exigências do MEC.

O autor sistematizou o tema de forma clara e o resultado são textos de leitura fácil e clara, abordando a relação que engaja direitos e deveres dos estudantes, direitos e deveres das instituições de ensino, responsabilidade e outras conseqüências da relação de ensino, de direito público ou de direito privado.

São explicados os direitos do estudante de escolas particulares em grande parte ligados ao direito do consumidor. A aplicação da legislação de consumo nos contratos de prestação de serviços de ensino é abrangida pelo Código de Defesa do Consumidor (CDC). Isso acontece não apenas em função da lógica do CDC e de seus conceitos legais, mas pela expressão remissão da legislação federal de ensino à aplicabilidade da Lei n.º 8.078/90. Neste novo tempo, autorizadas faculdades e cursos superiores em regiões onde não há necessidade social, critério que o movimento neo-liberal predatoriamente retirou da legislação, que se entende não ser necessário, deixando às leis do mercado para regular a atividade da educação superior.

Observamos, na verdade, no Senado Federal a questão vem sendo enfrentada por Senadores que denunciam da tribuna a guerra que ocorre, sem ética e fronteiras, quando telefones das mantenedoras particulares e seus diretores são grampeados, plantam funcionários em concorrentes, oferecem pequenas vantagens salariais para professores que sequer tem horário disponível para as horas que deveriam lecionar.

Na verdade, neste momento, elaborado o projeto, preenchido os requisitos formais e materiais, estes não albergando critérios que são dever do Estado-regulador cria-los, mantê-los; vez que cabe ao Estado os papéis de indutor, articulador, catalisador, orientador e controlador dessas atividades ao lado, logicamente, das suas responsabilidades diretas quanto às iniciativas de caráter social e educacional, há a aprovação.

Assim reza a cartilha deste final de século, período de transição para resultados imprevisíveis. Segundo pitonisas neoliberais mais radicais, a regulação tornar-se-á a principal e talvez a única atividade do Estado e hoje quanto às Faculdades e Cursos Superiores entendemos que o Estado não vem cumprindo a missão, pois, na essência, autoriza mais cursos do que viáveis economicamente, quer por não existir alunos (existem turmas de jornalismo com oito alunos em sala de aula, turmas de fisioterapia que são fechadas por falta de alunos etc.) sem qualquer planejamento estratégico, admitindo que o sistema predatório continue, sem qualquer regramento, como se o Estado não tivesse qualquer responsabilidade, enquanto, em verdade, é das poucas atribuições que se lhe permite o neo-liberalismo, a função de regulatória em casos como este, de direito fundamental que é o ensino superior.

Colocando de lado considerações de natureza conceitual, o MEC estabelece as diretrizes curriculares, sem assumir qualquer responsabilidade quanto ao direcionamento da autorização de novos cursos quanto a realidade social onde serão oferecidos, em relação à própria viabilidade de execução dos projetos.

A exemplo, no Paraná foram autorizados dezenas de Cursos de Administração, dezenas de Cursos de Direito, sem um estudo de impacto na região onde autorizados.

Exige-se, singelamente, estatística de candidatos/vaga, sem aferir que os mesmos candidatos participam de vestibulares em várias instituições, muitas vezes em quase todas as instituições públicas e a estatística não reflete, ainda que de longe, a realidade.

As universidades que tiveram cem vagas autorizadas, no primeiro vestibular elevaram o número de vagas para setecentas, em nome de autonomia universitária…

As turmas não são preenchidas, ficam comprometidos quaisquer programas de qualidade, tais como capacitação de docentes. Aliás, quanto a capacitação de docentes, uma instituição dita séria investe, paga a formação de mestrado ou doutorado e assim que forma, seguindo a lei do mercado, outra instituição não tão séria oferece algumas migalhas a mais de salário e alguns que durante dois ou mais anos obtiveram os benefícios, deixam qualquer compromisso ético e moral e buscam tais migalhas, como abutres que seguem a lei do mercado. Esquecem prontamente todo o compromisso assumido na construção do ensino de qualidade diante da lei do mercado. Professores que são remunerados com regime de 20 ou 40 horas/aula, que se realizado o cruzamento do CPF verificar-se-á que lecionam em mais faculdades do que o horário diário permitiria. E o que é pior, professores que emprestam nome em projeto dos quais não vão participar por impossibilidade física, não há ubiqüidade.

A ausência de candidatos leva a uma situação que beira a imoralidade, os apelos na imprensa, as rádios que incessantemente informam que esta ou aquela instituição aceita que quem participou de vestibular em outra aproveite a classificação e venha matricular-se. Os apelos que até tal dia venham a confirmar a matrícula, um apelo desesperado, conformam parte da situação de risco e assinalam o precipício para onde caminha o ensino superior privado, com mais de 80% (oitenta por cento) dos alunos.

O Estado desenvolveu e implantou agências reguladoras. Na verdade, a função reguladora é do Estado, que também tem que exercer quanto ao ensino superior.

Não há mercado de trabalho para tantos bacharéis deste ou daquele curso, são muitos os cursos que estão funcionando sem um mínimo número de alunos e que demonstram a fatalidade que se avizinha.

É preciso verificar quem está em sala de aula e não quem consta nos projetos, quem cumpre os programas de capacitação de docentes.

Algumas instituições permitem que os alunos ingressem e cursem quantas disciplinas desejarem, pagando somente por aquelas cursadas, destruindo qualquer programa pedagógico e a formação transdisciplinar que deve formar e informar aquele, mas há que se ter alunos, como é a lei do mercado.

As possibilidades de pequenas instituições de ensino superior com projetos de qualidade, estão caminhando para o insucesso. A formação de parcerias com grandes grupos econômicos, que nem sempre aparecem que estão por trás de tais instituições, como manda a lei do mercado, destruindo os projetos em função do lucro rápido, implicará, se assim continuar, na universidade do grande irmão que tudo vê e que ocupa todos os espaços.

Se assumirmos que o Estado consegue ter uma população mal informada e intelectualmente inapta para fazer uma análise critica de sua situação de vida e para buscar soluções para seus problemas, é o momento histórico para aqueles que assumem a visão necessária reverter o quadro. Esta formação de massas estéreis intelectualmente nos reporta a Montesquieu: “A extrema obediência supõe ignorância em quem obedece; supõe-se mesmo em quem comanda; este nada tem a deliberar, a duvidar, nem a raciocinar; basta querer.”

Chega de acreditarmos naquilo que querem que acreditemos! Educação significa: “Processo de desenvolvimento da capacidade física, intelectual e moral da criança e do ser humano em geral, visando à sua melhor integração individual e social.” A Constituição da República Federativa do Brasil (CF), em seu artigo 205, a CF dispõe sobre os três objetivos básicos da educação, a saber: I-) Pleno desenvolvimento da pessoa; II-) Preparo da pessoa para o exercício da cidadania; e III-) Qualificação da pessoa para o trabalho.

Parece-nos que esses objetivos não estão sendo observados! Impreterivelmente, a “educação preestabelecida” vem muito bem camuflada a fim de passar desapercebida por aqueles mais esclarecidos, contudo, não passa.

A Lei de Diretrizes e Bases da Educação (Lei n.$ 9.394, de 20 de dezembro de 1996 – LDB) surgiu para ajudar a melhorar a educação confeccionada do Brasil. Mas a questão é: Melhorar a educação para o povo servir melhor a elite ou melhorar a elite para dominar melhor o povo?!

O pedido de demissão do filósofo José Arthur Giannotti do Conselho Nacional de Educação (CNE) acentuou o debate sobre o ensino superior brasileiro.

As universidades, públicas ou privadas, com a autonomia garantida, podem abrir ou fechar cursos sem a autorização do Ministério da Educação. Agora a autonomia financeira e educativa é uma das principais razões para a transformação das faculdades em universidades; a ordem é LIBERALIZAR.

A Globalização e o Neoliberalismo agradecem; é este o sistema de ensino que lhes agradam, excessivamente liberal – induzindo os jovens “a aceitar tudo (p. ex. ler um jornal) de forma passiva e sem crítica”.

Une-se mercado e educação liberais, ótima receita para o futuro.

Vejamos o que o professor aposentado da Faculdade de Educação da USP, Roque Epencer tem para comentar a respeito do liberalismo: “Só uma política econômico-financeira não vai resolver o problema do desemprego, da violência, das injustiças, por exemplo. Tudo isso e muito mais continua sem solução. Não sabemos de forma nenhuma qual será o cenário do mundo no século.”

A atual estrutura social, além das investidas propositais, não nos oferece tempo para que possamos, ao menos, sobreviver! Assim, dificulta e torna quase impossível a união; união de pessoas e união de desígnios na realização do bem, da solução, da humanidade e da humildade entre os povos. Hoje, a única união que interessa é a dos “espertos”, qual seja, a econômica, união que oferece lucro para a camada social minoritária, egocêntrica e, acima de tudo, infeliz e solitária. A razão disto é evidente e triste, esta camada solitária nunca estendeu a mão para os outros, a não ser para receber vantagem, voto, dinheiro ou sangue!

O egoísmo, a ganância, a arrogância, o nervosismo, a falta de compreensão, de dignidade, de personalidade, de caridade, de paciência, de humildade e amor fazem do “homem moderno” um homem solitário, infeliz, doente e completamente indiferente, inclusive a ele mesmo, à sua vida (família, religião, lazer, amizades, educação, etc.).

Um certo sentido de destino imutável toma conta de sua consciência, parece que o país não tem jeito, a justiça é lenta e não satisfatória, os políticos não mudam, as leis são caducas e não “pegam”!!!

<%2>Agora os jornais trouxeram o relatório da Contradoladoria Geral da União a respeito da atuação da SeSu, notadamente no ano de 2002. Segundo membro da Associação Brasileira de Docentes de Direito, é um retrato do que aconteceu de grave nesses oito anos, lá estão os nomes dos funcionários da SeSu que seriam responsáveis por uma série de desvios na política de ensino superior do país. <%0>

Há críticas quanto aos pareceres, jamais ocorrendo uma sistematização do que apontado. Lembra que ano de 1998 no qual a Comunidade Acadêmica de Direito estabeleceu uma série de critérios para a política de avaliação, totalmente alterados pela SeSu.

É hora de parar e apurar. O articulista clama por uma reflexão da memória de fatos graves ocorridos quanto a política do ensino superior.

Nada de novo escrevi, na verdade montei uma colcha de retalhos de artigos que são facilmente encontráveis na internet.

Por fim, nesta nova fase, pós-intervencionista, adotou-se um sistema onde o governo exerce o papel de órgão fiscalizador, fomentador e de incentivo, regulando a ordem econômica, de modo determinante para o setor público e indicativo para o setor privado, conforme dispõe a Constituição Federal nos artigos 174 e 175. Com isso, no tocante ao Direito, com a reunião de três áreas, a saber: Direito Administrativo, Econômico e Constitucional, formou-se um novo, o Direito Regulatório.

O Ministério da Educação, neste momento, precisa exercer o Direito Regulatório, parar de autorizar novos cursos que estão fadados à inviabilidade, promessas vãs que se evidenciam.

Ética, moral e legalmente, não pode, neste momento, autorizar quaisquer cursos, em especial o Curso de Direito, sem antes estabelecer um política (que hoje não existe) para o ensino superior, tão prometida na campanha de Lula, pois tão necessária para o desenvolvimento estratégico do País.

É hora de mudar o Brasil!

NOTAS

(1) Gazeta Mercantil, 12/2/2003 ? São Paulo,

(2) Membro da comissão de Ensinos Jurídicos da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB-SP), Bittar é doutor pelo Departamento de Filosofia e Teoria Geral do Direito da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, é professor de Metodologia da Pesquisa Jurídica, da Fundação Armando Álvares Penteado (Faap), onde também é coordenador de Propedêutica do curso de Direito. (Jurema Aprile)

J. S. Fagundes Cunha

é juiz de Direito no Paraná, doutor em Direito pela UFPR.

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