Fernando Vernalha Guimarães

Por que as PPPs podem ser um instrumento relevante para a recuperação da infraestrutura pública no Brasil?

Na virada de 2004 para 2005, nossa Lei de Parceria Público-privada (PPP) foi editada. Nos seus primeiros anos de vida, pouquíssimos projetos saíram do papel. Complexidades contábeis e fiscais desestimularam as administrações a lançarem seus programas de PPP.

Porém, o tema voltou à moda. Mais recentemente, após a edição de diversos regulamentos que completaram a disciplina jurídica da PPP, estados brasileiros começam a tirar da gaveta seus projetos. Parece estar surgindo o ciclo das primeiras PPPs brasileiras.

É o que pude testemunhar em recentes palestras que proferi em alguns estados brasileiros, como consultor da unidade de PPP do Ministério do Planejamento e Gestão.

E porque estes contratos vêm despertando o interesse do Poder Público? Por razões bem convincentes. A principal delas é econômica. O formato da PPP, importado em traços gerais de experiências européias (especialmente da experiência britânica), representou, onde implantado, economias de até 17% comparativamente aos modelos convencionais. Isso foi possível pela combinação de diversos fatores que se prendem à concepção do modelo: (1) redução de custos administrativos; (2) distribuição de riscos eficiente entre Poder Público e iniciativa privada; e (3) sistema de remuneração atrelado a variantes de desempenho do parceiro privado etc. Além disso, estes contratos mostraram-se menos suscetíveis a atrasos no cumprimento de seus objetivos.

Em traços bem gerais, as PPPs são contratos que possibilitam a reunião e a combinação de diversas prestações para que sejam executadas e administradas pelo parceiro privado.

Com isso, ao invés de mera “terceirização” de um serviço ou de uma obra, opera-se a transferência de um empreendimento completo ao parceiro privado, para que este financie a construção da infraestrutura necessária e possa explorá-la posteriormente, sempre por um prazo necessário à amortização de seus investimentos.

Interessantes ferramentas de controle e de estímulo ao setor privado para uma execução eficiente do contrato fazem o diferencial deste tipo de contrato. Como regra, a remuneração do parceiro privado será sensível a variantes de performance: ele ampliará sua rentabilidade se ampliar a eficiência; mas a reduzirá se não atingir parâmetros desejáveis para um serviço eficiente.

Logo, a filosofia PPP trabalha com a lógica do incentivo, extraindo das habilidades do setor privado externalidades positivas para o Poder Público. Estas vicissitudes fazem da PPP um modelo particularmente interessante à recuperação e a expansão da infraestrutura pública no Brasil.

É notável também que a PPP propicia a ampliação da participação do setor privado no mercado de obras e serviços públicos. Abre novas frentes para os privados colaborarem com a execução de serviços públicos.

Setores como os presídios e a saúde pública podem agora receber a participação dos privados sob essa específica modelagem. E a iniciativa privada, por razões historicamente conhecidas e demonstradas, tem capacidade e habilidade para desempenhar obras e serviços a um custo muito menor do que o Estado. Algumas razões genéricas poderiam ser lembradas para justificar essa pressuposição:

(1) a Administração não conta com um modelo de /gestão/ satisfatório de obras e serviços. Não se privilegia a meritocracia ou o controle de metas e resultados como estímulos ao incremento da eficiência;

(2) a atuação estatal está presa às amarras próprias que lhe são impostas pela legislação, decorrentes de um esquema burocrático de controle preventivo dos atos estatais. Isso produz custos adicionais não apenas temporais, mas também quanto ao desenvolvimento material da burocracia;

(3) as decisões administrativas, especialmente de gestão, são fortemente influenciadas por posições e intervenções políticas. Atenua-se o caráter técnico e especializado que deveria marcar as decisões de gestão;

(4) o setor público não produz tecnologia na mesma intensidade e qualidade que o setor privado. Todos estes pontos exemplificam a ausência de vocação do Estado ao desempenho de atividades econômicas, seja como executor de atividades envolvidas na máquina administrativa burocrática, seja como executor de atividades empresariais.

Daí se louvar a possibilidade de ampliação da participação dos privados pelas novas frentes que se erguem com a implantação do modelo da PPP. A disseminação destes contratos, contudo, não deve olvidar cautelas fundamentais, como a obediência à responsabilidade fiscal e a manutenção de uma adequada estrutura de controle sobre a implantação das parcerias.

A formatação da PPP nos casos concretos, assim como poderá propiciar resultados excelentes, poderá dar lugar a empreendimentos mal engendrados, com desastrosas consequências para o futuro. Um olhar às experiências estrangeiras nos oferece esta alerta.

Mas o fato é que o Brasil apostou na importação do modelo. E o fez em boa hora. São prementes investimentos em infraestrutura para superação de problemas que ameaçam o crescimento do país, como, a exemplo, os gargalos de logística. É preciso investir em infraestrutura. E a PPP, neste contexto, será uma ferramenta relevante, não há dúvida.

É lamentável, no entanto, que certas Administrações ainda resistam à idéia. E em grande parte desses casos a resistência é de inspiração puramente ideológica. Mas a PPP, como é óbvio, não pode ser pensada à luz de pura ideologia.

Trata-se apenas de um sistema de contrato, cuja dignidade será encontrada na prática, não no discurso. A despeito disso, a exemplo de tantas outras relevantes possibilidades de desenvolvimento, a PPP tem sido recusada por alguns governos estaduais, sempre sob a legenda das mofadas ideologias nacionalistas e anticapitalistas. Só espero que, no futuro, ainda tenhamos tempo para a reconciliação com o desenvolvimento. E com a PPP.

Fernando Vernalha Guimarães é doutor em Direito do Estado (UFPR). Foi Consultor da Unidade de PPP do Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão em 2009.

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