TST: a insalubre jurisprudência sobre insalubridade

No último dia 4 de julho, voltou à tona discussão de grande interesse e repercussão no âmbito das relações trabalhistas.

Quando se imaginava que a questão envolvendo a base de cálculo do adicional de insalubridade seria, de uma vez por todas, pacificada, o Tribunal Superior do Trabalho (TST), ao alterar o enunciado de sua Súmula 228 para dizer que o adicional de insalubridade deve ser calculado sobre o salário básico do empregado e não mais o salário mínimo ou piso salarial da categoria, a pretexto de fazer observar a Súmula Vinculante n.º 4 do STF, acabou por desrespeitá-la, além de usurpar da competência do Poder Legislativo, senão vejamos.

As súmulas vinculantes foram recentemente incluídas no ordenamento jurídico pela EC 45/2004, a chamada ?Reforma do Poder Judiciário? e autoriza que o STF, mediante decisão de dois terços dos seus membros, após reiteradas decisões sobre matéria constitucional, institua-as com força vinculativa em relação aos demais órgãos do Poder Judiciário e à administração pública direta e indireta, nas esferas federal, estadual e municipal.

A referida Súmula Vinculante n.º 4, editada em 9/5/2008, tem a seguinte redação:

?Salvo nos casos previstos na constituição federal o salário mínimo não pode ser usado como indexador de base de cálculo de vantagem de servidor público ou de empregado, nem ser substituído por decisão judicial?.

O TST, em sua Súmula 228, como já dito, interpretava que os percentuais do adicional de insalubridade continuavam a incidir sobre o ?salário mínimo?, à exceção das hipóteses previstas na Súmula 17, ou seja, salvo para aqueles empregados que, por força de lei, convenção coletiva ou sentença normativa recebessem piso salarial, seria sobre este calculado.

Diante da jurisprudência vinculante do STF, o TST viu-se obrigado a alterar a redação de sua Súmula 228, publicando-a no Diário Oficial do dia 4/7/2008, com o seguinte teor:

?Adicional de Insalubridade. Base de Cálculo. A partir de 9 de maio de 2008, data da publicação da Súmula Vinculante n.º 4 do Supremo Tribunal Federal, o adicional de insalubridade será calculado sobre o salário básico, salvo critério mais vantajoso fixado em instrumento coletivo.? (grifos nossos)

É dizer: o TST, ao pretender alterar o entendimento adotado na Súmula 228, a pretexto de adequá-lo à Súmula Vinculante n.º 4 do STF, dizendo que o adicional de insalubridade será calculado com base no salário básico, acabou por contrariá-la, pois é bastante clara ao determinar que o salário mínimo não poderia ser substituído por decisão judicial.

A esse respeito, o próprio TST, antes mesmo da revisão do enunciado da sua Súmula 228 já havia se manifestado:

?ADICIONAL DE INSALUBRIDADE. BASE DE CáLCULO. SALáRIO MíNIMO (CLT, ART. 192). DECLARAçãO DE INCONSTITUCIONALIDADE SEM PRONúNCIA DE NULIDADE (?UNVEREINBARKEITSERKLARUNG?). SÚMULA N.º 228 DO TST E SúMULA VINCULANTE 4 DO STF. 1. O STF, ao apreciar o RE-565.714-SP, sob o pálio da repercussão geral da questão constitucional referente à base de cálculo do adicional de insalubridade, editou a Súmula Vinculante 4, reconhecendo a inconstitucionalidade da utilização do salário mínimo, mas vedando a substituição desse parâmetro por decisão judicial. 2. Assim decidindo, a Suprema Corte adotou técnica decisória conhecida no direito constitucional alemão como declaração de inconstitucionalidade sem pronúncia da nulidade (?Unvereinbarkeitserklarung?), ou seja, a norma, não obstante ser declarada inconstitucional, continua a reger as relações obrigacionais, em face da impossibilidade de o Poder Judiciário se substituir ao legislador para definir critério diverso para a regulação da matéria. 3. Nesse contexto, ainda que reconhecida a inconstitucionalidade do art. 192 da CLT e, por conseguinte, da própria Súmula n.º 228 do TST, tem-se que a parte final da Súmula Vinculante 4 do STF não permite criar critério novo por decisão judicial, razão pela qual, até que se edite norma legal ou convencional estabelecendo base de cálculo distinta do salário mínimo para o adicional de insalubridade, continuará a ser aplicado esse critério para o cálculo do referido adicional, salvo a hipótese da Súmula n.º 17 do TST, que prevê o piso salarial da categoria, para aquelas categorias que o possuam (já que o piso salarial é o salário mínimo da categoria). Recurso de revista provido.?

(TST, RR 955/2006-099-15-00.1; Sétima Turma; Rel. Min. Ives Gandra da Silva Martins Filho, DJU 16/5/2008. P. 338)

Além disso, ao ?legislar?, o TST acabou invadindo as competências privativas do Poder Legislativo e das negociações coletivas, incorrendo em inconstitucionalidade.

Afora esse grave equívoco, a mais alta Corte Trabalhista, ao determinar que se conte o adicional de insalubridade sobre o ?…salário básico, salvo critério mais vantajoso fixado em instrumento coletivo?, acabou por desprestigiar outra garantia constitucional, qual seja, aquela que reconhece a validade dos acordos e convenções coletivos de trabalho (art. 7.º, inc. XXVI), inclusive quando da diminuição de direitos trabalhistas, como ele próprio já reconheceu, quando expressamente admite o pagamento de adicional de periculosidade em percentual inferior ao legal (Súmula 364, item II).

A prevalecer esse novo entendimento, as empresas sofrerão consideráveis impactos financeiros em suas folhas de salários. Tome-se, como exemplo, o caso de um empregado que recebe salário básico de

R$ 800,00 e tem direito ao adicional de insalubridade no percentual de 20% (risco médio). Até maio/08, o seu crédito era de R$ 83,00 (salário mínimo/R$ 415,00 x 20%), após, frente à nova interpretação judicial pelo TST, o seu crédito saltou para R$ 160,00 (salário básico/R$ 800,00 x 20%), ou seja, um extraordinário aumento de quase 93%. Uma empresa com 500 trabalhadores que antes gastava R$ 41.500,00 passará a gastar R$ 80.000,00…

Dessa forma, em casos de processos judiciais, com base na nova Súmula 228 do TST, as empresas deverão questionar, com firmeza, o entendimento da Justiça do Trabalho, valendo-se, inclusive, da permissão constitucional (art. 103-A), que admite a reclamação direta ao STF, visando a ?cassação? da decisão judicial dada, com fundamento na nova súmula 228/TST, exatamente porque contrária à Súmula Vínculanten.º 4 daquela Corte Constitucional.

Assim, nosso entendimento é no sentido de que as empresas continuem utilizando o salário mínimo como base de cálculo para o pagamento do adicional de insalubridade para os seus empregados, exceto para aqueles que possuam piso salarial (acordos e convenções coletivos) salário profissional (estabelecidos em leis, p. ex.: médicos e engenheiro) ou salário normativo (fixados por sentença normativa da Justiça do Trabalho), questionando, caso a caso, esse entendimento, até que outro critério venha a ser instituído por quem detenha esta atribuição, ou seja, o Congresso Nacional.

Não se admite a ruptura da jurisprudência feita pelo TST que, além de confrontar o entendimento vinculante do STF, impôs às empresas, em uma só penada, custo absolutamente imprevisto, injustificável e injusto.

Luís Alberto G. Gomes Coelho é advogado

especialista em Direito do Trabalho,

mestrando em Direito Empresarial e professor de Processo do Trabalho. Sócio de Gomes

Coelho & Bordin – Sociedade de Advogados.

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