Acidente do Trabalho em atividade normal de risco

Questão instigante consiste em fixar o real alcance do parágrafo único do art. 927 do novo Código Civil, in verbis:

?Haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem?.

Em primeiro lugar é preciso destacar que a cláusula geral em comento abrange não apenas atividade perigosa, mas qualquer atividade de risco a terceiros decorrente da execução normal do contrato. São, pois, os casos em que o risco já se encontra previsível e intrínseco na natureza da atividade da empresa, vista esta em condições normais de exercício.

?A responsabilidade do empregador, nos casos em que sua atividade regular proporcione riscos à integridade física do trabalhador, pelo acidente de trabalho é objetiva, baseada na teoria do risco, conforme prevê a regra do parágrafo único do art. 927 do Código Civil, perfeitamente aplicado ao direito material do trabalho. Na hipótese dos autos, ainda que se abstraísse ser caso de responsabilização objetiva, restou demonstrada a culpa do empregador, o que só ratifica a sentença de 1.º grau?. (TRT 8.ª R. RO 00312-2005-101-08-00-7 – 1.ª T. – Rel. Marcus Augusto Losada Maia – J. 18/11/2005)

Registre-se que o novo Código Civil Brasileiro de 2002, ao contrário de outros diplomas equivalentes (Código Civil Italiano e Português), adotou posição de vanguarda, pois enquanto naqueles a responsabilidade objetiva se limita às ?atividades perigosas normalmente exercidas? e desde que o empregador não consiga demonstrar que se utilizou ?de todos os meios para evitar o prejuízo?, no sistema pátrio basta o ?exercício de atividades que impliquem riscos a terceiros?.

Oportuno consignar o profícuo critério trazido por Sebastião Geraldo de Oliveira delimitando o que vem a ser atividade normal de risco:

?Pelos parâmetros desse enunciado, para que haja indenização, será necessário comparar o risco da atividade que gerou o dano com o nível de exposição ao perigo dos demais membros da coletividade. Qualquer um pode tropeçar, escorregar e cair em casa ou na rua, ser atropelado na calçada por um automóvel descontrolado, independentemente de estar ou não no exercício de qualquer atividade, podendo mesmo ser um desempregado ou aposentado. No entanto, acima desse risco genérico que afeta indistintamente toda coletividade, de certa forma inerente à vida atual, outros riscos específicos ocorrem pelo exercício de determinadas atividades, dentro da concepção da teoria do ?risco criado?. Se o risco a que se expõe o trabalhador estiver acima do risco médio da coletividade em geral, caberá o deferimento da indenização, tão somente pelo exercício dessa atividade?(1).

Na prática, a configuração de ?atividade normal de risco? aludida no parágrafo único do art. 927 do Código Civil se dá por uma técnica que pode ser alcunhada de ?método comparativo setorial?. Com efeito, é possível asseverar que determinado acidente em determinado ramo de atividade empresarial encontra-se, estaticamente, abaixo ou acima da média. Assim, por exemplo, a queimadura é um tipo de acidente raro na estatística do setor da construção civil, contudo o traumatismo craniano decorrente de queda livre é um acidente comum e bem acima da média em relação aos demais ramos de atividade. Ainda, a contração de doença pulmonar é rara no setor bancário, contudo a LER (lesão por esforço repetitivo) constitui moléstia amiúde aos bancários.

Destarte, constatada a atividade de risco exercida pelo autor não há como eximir a empresa da responsabilidade pela indenização do dano, conforme já decidiu a 6.ª Turma do TST:

?Se existe nexo de causalidade entre a atividade de risco e o efetivo dano, o empregador deve responder pelos prejuízos causados à saúde do empregado, tendo em vista que a sua própria atividade econômica já implica situação de risco para o trabalhador. Assim, constatada a atividade de risco exercida pelo autor, não há como se eliminar a responsabilidade do empregador, pois a atividade por ele desenvolvida causou dano ao empregado, que lhe emprestou a força de trabalho.? (TST, 6.ª T., RR 155/2003-045-03-00.1, Aloysio Veiga, DJ 8/6/2007)

Logo, é possível concluir que toda espécie de sinistro, ocorrido em determinado setor empresarial, que se encontra dentro de faixa estatística acima da média na tabela de notificações acidentárias do INSS, será considerada como decorrente de ?atividade normal de risco?, de que trata o parágrafo único do art. 927 do Código Civil. Assim, o empregado acidentado deverá demonstrar que o tipo de acidente de que foi vítima é comum naquele ramo de atividade da empregadora; para tanto poderá carrear aos autos a respectiva tabela comparativa do INSS.

Em sede judicial, caberá ao Reclamante requerer seja oficiado o INSS para que informe os dados das notificações acidentárias. É possível também comprovar que o acidente se insere em atividade normal de risco através de outros meios em direito admitidos, como exemplo eventual tabela do MTE (Ministério do Trabalho e Emprego), Fundacentro ou proveniente de outros órgãos idôneos.

Pode acontecer da empresa demandada em ação trabalhista ter interesse em carrear aludida tabela de notificações acidentárias do INSS para demonstrar o inverso, ou seja, que aquele tipo de acidente naquele ramo de atividade empresarial, traduziu-se em mera fatalidade e, portanto, fora da chamada atividade normal de risco.

Nessa esteira, registre-se a edição da Lei 11430 (DOU 26/12/2006) que introduziu o art. 21-A na Lei 8213/91, determinando que a perícia médica do INSS considerará caracterizada a natureza acidentária quando constatar nexo técnico epidemiológico entre o trabalho e o agravo.

Vale dizer: para fins de concessão de benefícios ligados à incapacidade (auxílio-doença acidentário, aposentadoria por invalidez) presumir-se-á configurada a natureza ocupacional da doença (equiparada a acidente de trabalho) cada vez que a patolologia elencada na CID (Classificação Internacional de Doenças) encontrar-se relacionada com a atividade da empresa (CNAE- Classificação Nacional de Atividade Econômica)(2). Não se negue que o NTEP não restringe seus efeitos à órbita previdenciária, mas os repercute também na esfera da responsabilidade civil.

Destarte, aludido critério legal (NTEP), pautado em estatísticas epidemiológicas, constitui eficaz critério de enquadramento da atividade como sendo ?normal de risco? para efeitos de caracterização de doenças ocupacionais em ações trabalhistas indenizatórias.

Seminário de Acidente do Trabalho

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Notas:

(1)     OLIVEIRA, Sebastião Geraldo de. Responsabilidade civil objetiva por acidente do trabalho teoria do risco. Revista LTr, vol. 68, abril de 2004, pág. 412.

(2)     Nesse sentido é o art. 2.º, § 3.º, da IN INSS/PRES n. 16, DOU 28/3/2007.

José Affonso Dallegrave Neto é mestre e doutor em Direito pela UFPR; advogado membro do Instituto dos Advogados Brasileiros; diretor da Abrat e da Academia Nacional de Direito do Trabalho;
neto@dallegrave.com.br.

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