Separação e divórcio extrajudiciais: pontos polêmicos da Lei Nº 11.441/2007 – Final

A Lei n.º 11.441/07, que permitiu que a separação e o divórcio consensuais sejam feitos em Cartório, extrajudicialmente, não se lembrou da reconciliação para o mesmo fim. Mas não seria razoável supor que a lei pretendeu facilitar a separação e o divórcio, mas não a reconciliação. Parece-nos forçoso entender que também a reconciliação possa ser feita por escritura pública em Cartório, sem intervenção judicial, se assim desejarem as partes(63).

Além de a lei dever facilitar a reconciliação, mais do que a separação ou o divórcio, também serve de argumento a este entendimento o fato de que a reconciliação tem procedimento bem mais simplificado do que o procedimento da separação ou do divórcio. Mesmo sendo feita em Juízo, a reconciliação é bem simples, bastando a ouvida do Ministério Público e a subseqüente homologação judicial. Mais simples ainda será se for ela feita em Cartório, já que se dispensará a ouvida do Ministério Público e a homologação judicial. Ademais, não há qualquer inconveniente para a reconciliação extrajudicial, e nenhuma dúvida sobre a constitucionalidade de tal procedimento, ao contrário dos muitos inconvenientes e questionamentos que já apontamos para os procedimentos extrajudiciais de separação e divórcio. Não há, portanto, razão para não se permiti-la em Cartório.

Deve-se acrescer que não só quando a separação tiver sido feita em Cartório é que será possível a reconciliação em Cartório, como já se pretendeu. A reconciliação sempre poderá ser feita em Cartório, ainda que a separação tenha sido judicial. Não há qualquer razão para tal restrição, sobretudo em face da redação irrestrita do art. 1.577 do Código Civil (?seja qual for a causa da separação judicial e o modo como esta se faça…?). Convém lembrar ainda que a reconciliação só é possível antes do divórcio; casais já divorciados não podem se reconciliar; querendo restabelecer a sociedade conjugal, terão que casar novamente.

3.10. Aplicação à Separação de Corpos

A separação de corpos pode ser requerida por um dos cônjuges ou por ambos. Neste aspecto se reconhece sua utilidade para que os cônjuges, de comum acordo, possam pleitear o alvará de separação de corpos antes do decurso do prazo de dois anos necessário à separação consensual, não havendo impedimento legal a este pedido, já que só se proíbe a separação judicial consensual antes de transcorrido um ano de casamento, não a mera separação de corpos. Neste sentido a doutrina(64) e a jurisprudência amplamente majoritária(65). O Tribunal de Justiça de Minas Gerais, no entanto, já decidiu de forma contrária(66).

Não é possível, entretanto, no pedido de separação de corpos, formularem os cônjuges acordo nos termos em que fariam na separação judicial, estabelecendo cláusulas que desta deveriam constar(67). Não é aceitável também, data venia, a proposta de Lúcia Stella Ramos do Lago de ?estender a aplicação do art. 223 do Código Civil [de 1916; art. 1.562 do NCC] aos casais separados de fato …que, pelos mais diversos motivos, não queiram ou não possam se separar judicialmente, por mútuo acordo?(68). A proposta teria o condão de substituir os efeitos da separação judicial pela simples separação de corpos; ou seja, criar uma ?subseparação judicial?, ou, como quer a autora, uma ?separação judicial temporária?(69), o que se nos afigura incabível.

Admitindo-se a separação de corpos consensual, deve-se também admitir que ela seja feita em Cartório, à semelhança do que foi permitido pela Lei n.º 11.441/07 para a separação judicial. É que, sendo a separação de corpos ainda mais simples que a separação judicial, não se pode negar àquela o que se permitiu a esta, a simplificação do procedimento. Ademais, como já dissemos em relação à reconciliação, também para a separação de corpos pode-se elencar um outro motivo preponderante para se admiti-la em Cartório: não há nela os óbices e questionamentos apontados para a separação e para o divórcio extrajudiciais.

4 – Conclusão

De todo o exposto, podemos concluir, em primeiro lugar, que a Lei n.º 11.441/07 é de constitucionalidade no mínimo duvidosa. A Constituição Federal fala em separação ?judicial?. Parece-nos que somente por Emenda Constitucional poder-se-ia permitir a separação e o divórcio consensuais em Cartório. Acresça-se, ainda, para justificar provável inconstitucionalidade da lei, o fato de ela praticamente dispensar a prova da separação de fato para embasar o pedido de divórcio direto, o que é constitucionalmente exigido, sendo mesmo o seu único requisito.

Ademais, ao contratualizar ao extremo a dissolução do casamento, descura a lei de importantes questões no âmbito pessoal dos cônjuges separandos/divorciandos e, sobretudo, torna extremamente volátil a verificação do único requisito constitucional para a obtenção do divórcio: o prazo de separação de fato, como já dissemos.

Por fim, em sua simplicidade espartana, a lei deixa de regular diversas situações semelhantes às legalmente previstas, não deixando claro se seria possível também a conversão da separação em divórcio em Cartório e omitindo-se completamente quanto à possibilidade de reconciliação e separação de corpos da mesma forma.

Por tudo isso, cremos que a Lei n.º 11.441/07 deve, no mínimo, passar por uma reforma estrutural, repensando-se as questões sérias que ela envolve sob o prisma do Direito de Família, não se pensando apenas em desafogar o Judiciário ou em interesses financeiros de certos setores. E, enquanto essa reforma não vem, cremos que deve ela ser aplicada com cautela, evitando-se prejuízos aos cônjuges desavindos.

Notas:

(63)  No mesmo sentido: SANTOS, Romualdo Baptista dos. Op. cit., p. 2; LÔBO, Paulo Luiz Neto. Op. cit., p. 5.

(64)  ?Embora não haja disposição autorizativa expressa, a separação de corpos pode ser pedida pelos cônjuges, posto que também não vedada, enquanto aguardam o decurso de dois anos do casamento, necessários para a realização da separação consensual, pouco importando que esse biênio venha a se completar após trinta dias da concessão do alvará. O que a lei veda é a homologação da separação judicial e não a separação de corpos? (FONSECA, Gilson; CALANZANI, José João. Op. cit., p. 50-51). ?…nada obsta a que seja deferido alvará de separação quando requerido por ambos os cônjuges, com a declaração de que aguardam o decurso do biênio do casamento para ajuizar pedido de homologação de separação consensual? (CAHALI, Yussef Said. Op. cit.,, p. 475).

(65)  ?Podem os cônjuges pleitear alvará de separação de corpos, à espera do decurso do prazo de dois anos para consumarem o desquite por mútuo consentimento? (TJSP -4.ª Câm. Cív. – Ap. Cív. 269.807 – Rel. Des. Flávio Torres – RT 518/95). ?A questão de mérito tem relevância. O alvará de separação de corpos é medida provisional, na pendência da lide principal ou antes de sua propositura (CPC, art. 888, inc. VI). Em geral está submetida a um período de validade quando vem como medida preparatória. No caso, o prazo de trinta dias seria inconseqüente, pois, como afirmam os reqtes., a demanda principal (indicada como separação judicial por mútuo consentimento) só poderia ser proposta dentro de mais de ano. No entanto, a separação do casal, formalizada por alvará, estava amplamente justificada para o longo compasso de espera querido e consentido pelos agvtes. Eram casados há poucos meses e viram o matrimônio malograr irremediavelmente; não concorreram para a frustração societária causas ou fatores que possam ser imputados como incontinências a qualquer deles, aptos para antecipar uma dissolução contenciosa com incriminação personalizada. É certo que confessam ter acordado uma separação de fato; mas tal separação, sem o endosso de autorização do Juízo competente para a futura dissolução, pode comprometer, ulteriormente, uma solução justa e eqüitativa, por força da presunção fluente, de jure, do vínculo consorcial ainda subsistente (alimentos, deveres conjugais, paternidade, abandono injurioso etc.). Expungir qualquer dúvida, no apartamento do casal, principalmente quando ambos os cônjuges querem a medida cautelar, não se oferece como demanda inepta? (TJSP – 6.ª Câm. Cív. – AI 31.429-1 – Rel. Des. Macedo Costa – RJTJSP 84/303 – no corpo do acórdão). ?O alvará de separação de corpos, cujo pedido fora feito em comum acordo, pode ser concedido pelo juiz mesmo antes do biênio legal para separação judicial consensual, pois tal medida não contraria nenhum dispositivo de lei, posto que a vedação legal, antes de decorridos dois anos do casamento, refere-se à homologação da separação judicial e não à separação de corpos? (TJMG – 5.ª Câm. Cív. -Ap. Cív. 87.894/5 – Rel. Des. Pedro de Lima – RF 321/202).

(66)  ?Já ficou dito ser o casal separado de fato, como declarado na inicial, não havendo ?mal maior? a ser atalhado pela medida cautelar, desprovida, assim, de fumus boni juris e de periculum in mora, únicas justificativas em que se pretende apoiar a tolerância? (TJMG – 2.ª Câm. Cív. – Ap. Cív. 85.379/2 – Rel. Des. Bernardino Godinho – JM 116/159).

(67)  Neste sentido, confira-se: ?…Assim, não sendo possível o ajuizamento da ação principal em 30 dias e, ainda, consubstanciando o pedido acordo com requisitos e características de separação judicial, com evidente intuito de fraude à lei, inadmissível a homologação judicial, concedendo-se apenas o alvará de separação de corpos? (TJSP -4.ª Câm. Cív. – Ap. Cív. 107.122-1 – Rel. Des. Olavo Silveira – RT 640/98).

(68) LAGO, Lúcia Stella Ramos do. Op. cit., p. 240.

(69) LAGO, Lúcia Stella Ramos do. Op. cit., p. 242.

Inacio de Carvalho Neto é especialista em Direito pela Universidade Paranaense-Unipar. Mestre em Direito Civil pela Universidade Estadual de Maringá-UEM. Doutor em Direito Civil pela Universidade de São Paulo-USP. Pós-Doutorando em Direito Civil pela Universidade de Lisboa-Portugal. Professor Titular de Direito Civil nas Faculdades Integradas Curitiba-FIC. Professor de Direito Civil na Escola do Ministério Público e na Escola da Magistratura do Paraná. Promotor de Justiça no Paraná. Autor dos livros (entre outros): Separação e divórcio: teoria e prática, pela ed. Juruá, em 8.ª edição; Abuso do direito, pela ed. Juruá, em 4.ª edição; Responsabilidade civil no direito de família, pela ed. Juruá, em 2.ª edição; Curso de direito civil: teoria geral do direito civil, v. 1, pela ed. Juruá; Direito sucessório do cônjuge e do companheiro, pela ed. Método; e de diversos artigos publicados em diversas revistas jurídicas.

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