Trânsito em Curitiba: reflexões sobre a mobilidade urbana

Com o encerramento das férias escolares, voltou-se a discussão a respeito do trânsito em nossa cidade. Com razão, pois se depara com a realidade de viver na cidade com maior número de veículos per capita do país (1,7 milhão de pessoas para quase 1 milhão de veículos).

Entretanto, a abordagem sobre o assunto reveste-se quase sempre de parcialidade. Parcialidade aqui entendida no seu duplo sentido: como contraposição de interesses entre particulares e estes com o Poder Público e, de outro lado, como uma pequena fração de um problema maior.

Os proprietários de veículos reclamam por uma circulação mais ágil, por vagas de estacionamento, etc.. Os não proprietários queixam-se por novas e melhores alternativas de transporte coletivo, imprudência dos motoristas, etc.. Recentemente, houve um episódio que retrata bem a parcialidade que envolve o assunto: a proibição de estacionamento em grande parte da Rua Visconde de Guarapuava para a implementação de mais duas faixas de circulação.

A justificativa administrativa veio da engenharia de trânsito: a rua Visconde de Guarapuava é enquadrada pelo Código Brasileiro de Trânsito como via arterial (Código Brasileiro de Trânsito, anexo I) e pelo zoneamento da cidade, como estrutural, onde a fluidez é a principal característica que deve ser preservada para não comprometer o tráfego da área central (4.500 veículos/hora em horários de pico e 3.800 a 4.000 em entre picos). Pelo controle e planejamento das vias públicas, foi necessária a intervenção para a abertura de mais duas faixas de acesso antes destinadas ao estacionamento, liberando somente para os horários de menos trânsito (20 h 07 h nos dias úteis e, em algumas quadras, aos sábados).

As opiniões anunciadas nos periódicos sobre tal alteração foram de toda a ordem: alguns comerciantes do local alegavam que a medida era ilegal, pois não haviam sido consultados; ?inconstitucional?, por supostamente impedir o livre exercício da atividade comercial, interrompendo a expectativa de lucro sob as propriedades.

De outro lado, a grande parte da população aplaudiu a medida, notando de imediato a fluidez no tráfego.

Os agravos bateram à porta do Poder Público requerendo soluções definitivas que atendam a cada qual dos interesses envolvidos.

Sem abrir mão do dever legal do cumprimento da mencionada intervenção, a Administração Pública vem mediando os interesses envolvidos.

A latere deste enfoque, a parcialidade da sociedade na análise sobre o assunto trânsito reveste-se da característica de abordá-lo isoladamente, ou seja, de não percebê-lo em relação a um fenômeno do qual faz parte: o processo de urbanização e a mobilidade urbana em uma capital de região metropolitana.

Dentre tantos desafios que o fenômeno da urbanização apresenta e dentre estes, o da mobilidade urbana (sistema de transporte integrado, transporte coletivo e particular, vias públicas, calçadas, sinalização, eixos de estruturação viária da cidade e metropolitano, compatibilização com preservação ambiental, abastecimento e distribuição de bens, ocupação e utilização do solo urbano, etc.), o trânsito de veículos é tão somente um de seus aspectos.

Assim, o preâmbulo para o enfrentamento da questão está em refletir que se trata de um processo urbano, e por conseqüência, sua dinâmica impõe a figura do planejamento como ferramenta principal para tal desiderato.

Desta forma, o planejamento urbano reveste-se de figura de convivência com a urbanização, cujo mister é antecipar tecnicamente, o gravame inerente a tal processo, sem a pretensão de equação dos problemas de forma definitiva. Aliado a isto, a necessária vontade política de seguir o planejamento.

A Lei de Adequação do Plano Diretor de Curitiba, como instrumento principal do planejamento urbano, contempla as diretrizes sobre as questões do tráfego de veículos, pessoas e bens, nos tópicos ?Do Sistema Viário, De Circulação e Trânsito? e ?Da Mobilidade Urbana?. Pinçando-se algumas das diretrizes, encontra-se:

– Planejar, executar e manter o sistema viário segundo critérios de segurança e conforto da população, respeitando o meio ambiente, obedecidas as diretrizes de uso e ocupação do solo e do transporte de passageiros;

Melhorar a qualidade do tráfego e da mobilidade, com ênfase na engenharia, educação, operação, fiscalização e policiamento do trânsito;

– Planejar e operar a rede viária municipal, priorizando o transporte público de passageiros, em consonância com o Plano Municipal de Mobilidade Urbana e Transporte Integrado;

– Priorizar no espaço viário o transporte coletivo em relação ao transporte individual;

– Promover a acessibilidade, facilitando o deslocamento no Município, através de uma rede integrada de vias, ciclovias e ruas exclusivas de pedestres, com segurança, autonomia, especialmente aos que têm dificuldade de locomoção (Lei Municipal n.º 11.266/04 – ?Dispõe sobre a adequação do Plano Diretor de Curitiba ao Estatuto da Cidade, Lei Federal nº 10.257/01, para orientação e controle do desenvolvimento integrado do Município?).

Para dar cumprimento as tais diretrizes legais, a URBS – Urbanização de Curitiba S.A. é o órgão municipal responsável. Com o auxílio do IPPUC – Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano e da Secretaria Municipal de Urbanismo, tem o compromisso legal de implementar ações norteadas por estas diretivas.

Além disso, é da URBS a competência de órgão gestor para planejar, projetar, regulamentar e operar o trânsito das vias públicas determinada pelo Código Brasileiro de Trânsito.

Ainda que a Cidade de Curitiba seja conhecida como um município de há muito regido por Planos Diretores e, conseqüentemente, pelo planejamento, cotidianamente o processo dinâmico da urbanização impõe novos desafios, fazendo com que os instrumentos de adequação à mobilidade urbana, exijam alterações no tráfego conforme previsão e acompanhamento da Engenharia de Operação de Trânsito e Diretran da URBS.

A realidade metropolitana da Capital traz consigo um outro ingrediente ainda mais grave: o sistema viário não está acompanhando o crescimento do número de veículos, problema inerente a todas as metrópoles.

As alternativas até agora encontradas para as metrópoles são duras principalmente para os donos de veículos.

Na cidade de São Paulo o alto número de automóveis e a poluição por eles gerada fizeram com que houvesse a necessidade de rodízio como política de trânsito. Em Londres, ainda pior, projeta-se o pedágio para ir de automóvel ao centro da cidade em vista dos congestionamentos, poluição e falta de estacionamento.

Em Curitiba, a Capital brasileira onde há a maior freqüência no transporte coletivo (40% em relação à média de 30% das demais capitais) os problemas estão sendo enfrentados com acompanhamento e intervenções no sistema viário, no transporte, na ocupação e utilização do solo, portanto, alternativas de planejamento urbano.

Os ?males? da urbanização não serão extintos, ter-se-á que aprender a conviver com eles da melhor forma. Para tanto, o planejamento, acompanhamento e controle dos órgãos responsáveis é essencial. Da mesma forma, é essencial o compromisso político dos governantes de seguir suas diretrizes de planejamento.

Do mesmo lado do balcão para tal enfrentamento está a sociedade. A parcialidade gerada pelo conflito de interesses dos particulares é inevitável.

Entretanto, o que se espera no futuro próximo, não haja parcialidade na compreensão e participação, deslocando-se o problema do trânsito dos demais aspectos da complexidade da mobilidade urbana.

Inexoravelmente, o interesse público será sempre o determinante nesta mediação, técnica e politicamente, albergado pela legalidade.

Luis Miguel Justo da Silva é advogado, professor da Escola de Direito da Unibrasil, procurador do Município e membro do Conselho Municipal de Urbanismo, Conselho Municipal do Meio Ambiente e do Conselho Consultivo do Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano de Curitiba IPPUC.

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