Histórico do homicídio no direito brasileiro

A incipiente sociedade existente no Brasil durante o período do descobrimento demandava a formação de um ordenamento jurídico. Contudo, como exemplo do que ocorreu em todo o continente Americano, a civilização local não pôde rivalizar com a européia. Os costumes e as Leis do mundo antigo se impuseram totalmente, de forma que a civilização indígena não exerceu nenhuma influência no Direito Penal Brasileiro.

Durante o período colonial foi acentuada a influência portuguesa, uma vez que o Brasil pertencia a Portugal e a legislação da metrópole (Lisboa) era aplicada na colônia. Evoluindo nessa linha histórica, registram-se como leis que vigoravam no Brasil as Ordenações Afonsinas, Manuelinas e Filipinas.

Segundo a orientação do doutrinador CERNICCHIARO "as Ordenações Afonsinas e Manuelinas não chegaram a ter grande influência no Direito Penal Brasileiro, eis que a incipiente vida social, imediata aos descobrimentos não ensejava vastas relações jurídicas."1

É preciso relembrar que o Brasil passou por um largo período de esquecimento após sua descoberta. Dessa forma, a inexistência de uma organização judiciária e a dificuldade de implementação de normas jurídicas orientava a solução dos litígios aos moldes dos usos e costumes.

Surgidas em um momento histórico posterior, as Ordenações Filipinas 2 lograram destino diverso. Considerada como a primeira legislação que orientou o Brasil, as Ordenações Filipinas dedicaram o Livro V ao Direito Penal e o delito do homicida era punido com a morte, largamente empregada na época, porque as referidas ordenações situaram-se na fase da vingança pública, antecedentes ao Iluminismo.3

As ordenações não previam qualquer sistemática regular ou fixa, imprimindo a outros crimes, tais como o de lesa-majestade ou mesmo o de homicídio de mulher adúltera, penas consoante o patamar de importância que a família da vítima ou do autor, ocupavam no império luso-brasileiro.

As Ordenações Filipinas surtiram seus efeitos de 1603 até 1824 quando, segundo o doutrinador brasileiro Anibal BRUNO "com a orientação política da constituição de 1824, o Direito Penal brasileiro conhecia novos rumos. Passou-se do período da vingança pública para o quadro do iluminismo. Conferiu-se ênfase ao direito individual da liberdade. Aderiu-se ao princípio da individualização da pena, até então desconhecido." 4

Logo depois da conquista de sua emancipação política, no início do século XIX, o Brasil cuidou de elaborar um Código Penal. As arcaicas instituições do Direito Português, elencadas sobretudo no famoso livro V das Ordenações Filipinas, não mais correspondiam às necessidades dos novos tempos. Nesta época, os historiadores noticiam o enriquecimento da legislação penal em todo o mundo.

O iluminismo, conforme bem recordado por BRUNO, iniciou a humanização e refletiu seus ideais no Direito Penal. Surgem as novas codificações que traziam em seu corpo textual previsões legalistas e princípios invioláveis. O Código Penal francês ? 1810; o Napolitano ? 1819 e o Espanhol de 1822. Segundo o professor COSTA E SILVA, "foi após estes monumentos legislativos que nasceu o Código Criminal da Monarquia."5

Portanto, o Diploma Legal de 1824 absorveu as idéias da revolução francesa e trouxe as concepções predominantes da época. Foram abolidos o açoite, a tortura, a marca de ferro quente e todas as penas cruéis. Com efeito, no particular aspecto do delito de homicídio, o advento do Código Criminal do Império fez com que sua previsão fosse estratificada em duas frentes ? o homicídio qualificado e o simples.

Para o homicídio cometido com emprego de qualificadora, havia a incidência das agravantes e o homicídio era reprimido com extremidade, por meio da pena de morte, ou da galés perpétuas, representada pela a pena de vinte anos e prisão com trabalho.

Já para o homicídio simples, ou seja, que se consumou sem agravante, a repressão era com a pena de galés perpétuas, traduzida por doze anos e seis meses de prisão, com trabalho.

Segundo pode-se aferir da obra do professor cearense Olavo OLIVEIRA6, atrasada em relação aos demais países europeus, a Lei n.º 2.033 de 30 de outubro de 1871, finalmente preencheu a lacuna do Código Criminal do Império e fez a previsão expressa do homicídio culposo.

1890. A queda do império provocou impacto imediato na legislação penal brasileira. Com a proclamação da república, todas as idéias liberais resultaram vitoriosas e o movimento abolicionista reclamava uma reforma. Surgiu o Código Penal Republicano de 1890.7

Por sua vez, o Código Penal de 1890, em seu artigo 294, distinguiu as formas de homicídio agravado, atribuindo a este a pena de prisão celular de 12 a 30 anos. Já para o homicídio cometido em sua modalidade simples, o Código fixou a pena de 6 a 24 anos.

A pena de morte foi abolida e o homicídio passou a ser combatido com sanções mais brandas. Houve a criação do Sistema Penitenciário de Caráter Correcional. Em seu artigo 296, o Código Penal de 1890 estabeleceu a modalidade do homicídio cometido por meio de envenenamento, o chamado venefício, sem estabelecer para este qualquer pena especial.

No artigo 297, previa o Código o homicídio culposo e, nos demais capítulos, havia a previsão de crimes como o aborto, o infanticídio e até mesmo o induzimento e instigação ao suicídio.

O Código Penal de 1890, não obstante seus avanços técnicos em relação à codificação anterior, sofreu severas críticas e, após inúmeras alterações, somente foi substituído na década de 40, com o decreto-lei 2.848 de 07 de dezembro de 1940, que entrou em vigor em 1º de Janeiro de 1942.

Importantíssimo frisar que, desde o Código Criminal do Império (Lei de 16 de dezembro de 1830), passando pelo Código Penal da República (Decreto n.º 847, de 11 de novembro de 1890) chegando ao atual Código Penal (Decreto Lei n.º 2.848 de 07 de dezembro de 1940), todos seguiram idêntica orientação no tocante à previsão do homicídio. Os diplomas o definiram como matar alguém.

Por fim, é interessante notar que o atual Diploma Penal foi elaborado sob as luzes da Carta Constitucional de 1937, a qual possibilitava a aplicação da pena de morte quando o crime fosse cometido de forma atroz. Com efeito, o movimento humanista que ganhou volume nas correntes doutrinárias nacionais, contribuiu decisivamente para que a repressão do homicídio fosse atenuada, e culminou com a promulgação da Constituição Federal de 1988, que hoje orienta a aplicação do Estatuto Penal.

Dante Bruno D?Aquino é bacharel em direito pela Faculdade de Direito de Curitiba, autor da obra "Teoria Jurídica do Homicídio".

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